Emerson Sousa (*)
Na última eleição municipal ocorrida, no ano de 2016, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), exatamente 16.130 cidadãs e cidadãos brasileiros se lançaram a candidatos a prefeito em seus respectivos municípios. Com um total de 103,6 milhões de votos válidos, eles receberam o beneplácito de 87,3% do quantitativo de eleitores que compareceram para se pronunciar naquele pleito.
Essas foram eleições basicamente polarizadas entre dois candidatos apenas, uma vez que a média ficou em torno de 2,9 concorrentes por município. O que pode sugerir que o brasileiro não é muito fã de uma “terceira via”, apenas permitindo amiúde uma disputa mais diversificada. Contudo, essa mesma média pode esconder outra situação, bem menos positiva: a formatação de eleições municipais no Brasil limita a participação democrática dos mais sortidos setores sociais e políticos.
Excluindo-se as 57 localidades que transferiram a definição da disputa para o segundo turno, os 5.464 vencedores obtiveram um volume de 44,1 milhões de votos, ao passo que os demais participantes carrearam para si outros 45,2 milhões de votos. Aparenta um cenário de disputa acirrada, mas não é bem assim. Os vencedores, o mais das vezes, foram eleitos com uma média de 7,9 mil votos. Enquanto isso, os vencidos estabeleceram um valor médio de 4,3 mil votos.
Essas medidas podem também esconder outro fato: do terceiro colocado em diante podem encarnar candidaturas sem grande apelo eleitoral, de modo tal que eles derrubem a média de votos dos não eleitos. Mas nesse contexto, como se comportaram o bloco de partidos formados pelo PCdoB, PDT, PSB, PSOL e PT? Como foi o seu desempenho nas eleições administrativas de 2016?
Esquerda: o perfil das vitórias
Logo de partida se descobre que esse agrupamento político, com tão somente 3.367 candidatos, não conseguiu nem lançar um único nome em todos os municípios brasileiros. Desse total, 2.577 não foram eleitos, 1.070 foram eleitos no primeiro turno, enquanto outros 30 remanescentes disputaram o segundo turno dessas eleições.
De um modo geral, a distribuição regional dessas candidaturas se deu da seguinte forma: 273 estavam na região Norte, 1.443 no Nordeste, 202 no Centro-Oeste,1.037 no Sudeste e os demais 722 residiam no Sul do país. Cenário esse que indica uma forte concentração espacial dos eventos.
Por sinal, excluindo-se as 30 localidades onde o bloco disputou o segundo turno foram obtidas 57 vitórias municipais no Norte, 525 no Nordeste, 53 no Centro-Oeste, 206 no Sudeste e mais 229 conquistas no Sul. Se, no primeiro turno a taxa de sucesso – dada pela razão entre eleitos no primeiro turno e candidatos totais – do agrupamento foi de 31,7%, ela foi maior no Nordeste (45,9%) e pífia na região Sudeste (19,9%).
Ainda no primeiro turno, o PCdoB fez 80 prefeitos (45 apenas no Maranhão), o PDT fez 331 (1/3 desse total na região Sul), o PSB 403 (209 no Nordeste), o PSOL apenas dois (ambos no Rio Grande do Norte) e o PT conseguiu eleger outros 254 (114 em localidades nordestinas). Dos 30 candidatos mandados para o segundo turno por esse ajuntamento político, dois eram do PCdoB, três pertenciam ao PSOL, oito faziam parte tanto do PDT quanto do PT e os nove restantes compunham os quadros do PSB. Quinze disputaram prefeituras no Sudeste e nove na região Nordeste. Porém, de todas essas, apenas nove eram capitais e, dessas, seis estavam nos estados nordestinos.
Para fins de comparação, o MDB – que foi o partido com o maior número de prefeitos eleitos em 2016 e que tem apenas 34 deputados federais – conseguiu eleger, no 1° Turno, um total de 1.035 candidatos dentre os 2.034 que foram lançados nessa fase,resultando numa taxa de sucesso de 45%.
O quantitativo dos votos
Curiosamente, mesmo tendo conseguido um montante de 45,5 milhões de votos com seus três candidatos, na eleição presidencial de 2018, esse bloco partidário conseguiu arregimentar tão somente um total de 25,5 milhões de votos para Prefeito em 2016. Nesse último ano, o Bloco ficou com apenas ¼ dos votos totais quando, naquele outro, arrebanhou 2/5 do volume geral de votos computados. Detalhe esse que suporta a ideia de que a Esquerda brasileira só habita o imaginário coletivo em âmbito nacional, não no local.
O Nordeste concentra 40,2% desses votos. Em seguida, aparece o Sudeste, com 34,2% do agregado geral, o Sul (15,1%), o Norte (6,3%) e o Centro-Oeste que responde apenas por 4,2% da performance desses partidos. Os socialistas levaram 8,3 milhões de votos desse montante (32,7%), por sua vez, os petistas ficaram com 6,8 milhões de votos (26,9%), ao passo que os trabalhistas receberam 6,4 milhões de votos (25,2%), enquanto que o pessoal do Socialismo e Liberdade lograram conquistar 2,1 milhões de votos e os comunistas tomaram para si 1,7 milhões apenas (7%).
Em média, os candidatos desse aglomerado político ficaram com 31% dos votos válidos nos locais onde disputou vaga. Entretanto, obviamente, essa é uma situação bastante distinta para cada tipo de concorrente. Os que foram para o segundo turno o fizeram recebendo, em média, 32,5% dos votos válidos. Os que venceram, conseguiram triunfar levando consigo 55,8% desse mesmo quantitativo. Por outro lado, os que foram derrotados ficaram com tão somente 20,7% dos votos válidos, em média.
Comparativamente, o MDB conseguiu que seus prefeitos eleitos no 1º turno o fossem com uma média de 56,1% dos votos válidos. Os que perderam nessa fase do pleito, no entanto, sofreram suas derrotas com 32,4% dos votos, também em média. Já os candidatos que passaram ao segundo turno foram, geralmente, com 37,9% dos votos válidos.
A esquerda não se municipaliza
Não há como não ver que o bloco PCdoB/PDT/PSB/PSOL/PT não consegue ter muita penetração no interior brasileiro. Ele lança poucos candidatos, tem uma baixa taxa de sucesso, tem suas conquistas e seus votos espacialmente concentrados, suas vitórias são regulares e suas derrotas acachapantes. Dessa forma, a esquerda que possui mais de ¼ das cadeiras da Câmara dos Deputados possui pouco menos de 1/5 das cadeiras municipais país afora e isso não faz sentido.
O campo progressista esquerda precisa rever seus conceitos e suas estratégias junto ao eleitorado do interior brasileiro. Não é possível avançar apenas apostando em pleitos de perfil nacional. O argumento de que as eleições municipais são dominadas pelas forças atrasadas locais não é uma justificativa plausível, tendo em vista que esse bloco sabe disso desde os tempos da Ditadura Militar, e por que não o alterou ainda?
Isso também reforça a percepção de que a Esquerda, enquanto organização política, não acredita nas formas locais de organização como vetor de progresso social e emancipação das comunidades, apostando apenas nas estruturas nacionais. Mas isso é um equívoco, como vem mostrando a história recente.
Logo, a ação desses partidos deveria ser coordenada, de modo que fossem criadas sinergias e amortecidas as suas deficiências. Mesmo que cada cidade seja uma realidade específica, esse deveria ser um princípio unificador. Há dois desafios a serem enfrentados este ano: a tendência de concentração regional de votos – Norte, Centro-Oeste e Sudeste precisam se tornar áreas aliadas – e o aumento do volume de votos. Mesmo nas derrotas, essa não pode vir de graça, é preciso mostrar a força do campo.
Então, muito embora o pleito de 2020 provavelmente não venha a ser muito diferente disso que se viu na última eleição, ainda é possível a esse segmento político corrigir a sua trajetória e tentar mudar as coisas como hoje se apresentam.
(*) Emerson Sousa é Mestre em Economia pelo NUPEC/UFS e doutorando em Administração pelo NPGA/UFBA