quinta-feira, 21/11/2024
Carlos Alberto Decotelli, Abraham Weintraub e Ricardo Vélez, ministros da Educação de Bolsonaro Agência Brasil

Governo Bolsonaro e a Educação: 180 dias depois

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No final de semana que o Brasil alcança a trágica marca de mais de 100 mil mortos e 3 milhões de infectados pela COVID-19, teço algumas notas sobre educação, tendo como referencial os 180 dias do governo Bolsonaro (sem partido).

O primeiro aspecto que registro é o fato de 4 (quatro) pessoas diferentes terem ocupado o cargo de ministro da Educação. Foram elas: Velez Rodrigues, Abraham Weintraub, Carlos Decotelli e Milton Ribeiro. Desde os anos 1990, nunca o Ministério da Educação (MEC) foi dirigido por tantas pessoas diferentes. A cada mudança de ministro, os cargos nos 2º e 3º escalões também sofreram mudanças, gerando muita instabilidade e descontinuidade nas poucas ações do ministério.

Destaco, também, a falta de protagonismo do MEC em avaliar, elaborar e promover políticas públicas para a área da educação. A discussão em torno da renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) é um grande exemplo. Nos debates ocorridos por conta da aprovação do Fundo na Câmara dos Deputados, o governo federal foi representado pela equipe do Ministério da Economia e não pela do MEC, como era de se esperar. A própria relatora da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do novo FUNDEB, a deputada federal professora Dorinha (DEM/TO), destacou a total ausência do Ministério da Educação na discussão e citou, em entrevista concedida ao site O Antagonista, que esperava que o MEC não atrapalhasse na hora da votação.

Há, contudo, outros fatores que caracterizam a atuação do governo Bolsonaro no âmbito educacional. O principal deles é a conversão do MEC em uma trincheira da cruzada ideológica que os atuais inquilinos da Esplanada dos Ministérios tentam promover no país. Nesse quesito, professores, entidades sindicais e estudantis, pesquisadores, reitores e jornalistas viraram inimigos da educação. Pode-se somar as constantes intervenções nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), a exemplo das universidades e institutos federais, com a nomeação de reitores pró-tempore ou sem legitimidade política no interior das IFES. Toda ação arbitrária é justificada por conta da cruzada, inclusive elaborar dossiês contra professores e estudantes.

Destaca-se, no âmbito da cruzada ideológica, a guerra cultural contra o denominado marxismo cultural: ideologia de gênero, educação sexual, Paulo Freire, doutrinação política e tantos outros termos compõem o vocabulário cotidiano de todos os ex-ministros da educação. Esta guerra é protagonizada, em primeira instância, pelo denominado Escola sem Partido (ESP), um pseudo-movimento social que tem colocado pais e responsáveis por estudantes contra os professores de todos o país.

O fato de ter elevado o tom e depositado muita energia em torno da cruzada ideológica e da guerra cultural fizeram com que Abraham Weintraub, ex-ministro da educação, tenha sido demitido, muito embora tivesse saído do MEC nos braços do “povo” e fosse um dos ministros mais admirados por Bolsonaro. A conduta dele gerou muito desgaste para o governo federal, seja no âmbito da Praça dos Três Poderes (Supremo Tribunal Federal, Câmara dos Deputados e Senado Federal) ou nos diversos setores da sociedade (universidade, secretários municipais e estaduais de educação, ONG’s educacionais, reitores, gestores educacionais, comunidade científica, professores, estudantes, etc.).

O último aspecto que destaco é a ausência do MEC nos esforços de coordenar as ações, no campo educacional, diante do coronavírus. Não fossem  os secretários estaduais e municipais de educação (CONSED, UNDIME), as associações de dirigentes de instituições de ensino superior (ANDIFES, CONIF, CRUB, etc.), o Conselho Nacional de Educação (CNE) e uma série de pesquisadores não teríamos iniciativas para sanar os prejuízos que a pandemia tem causado aos estudantes brasileiros.

Entretanto, é na área da educação que vimos as principais mobilizações para reverter os desmandos do governo federal. A primeira delas aconteceu no ano passado por conta dos cortes dos recursos destinados para as IFES. Milhares de manifestações ocorreram em todo o país, sendo protagonizadas pelos sindicatos dos professores e de técnicos-administrativos (CNTE, FASUBRA, SINASEFE e ANDES) e entidades estudantis (UNE, UBES e ANPG).

A segunda aconteceu por conta da votação do novo FUNDEB. Uma verdadeira mobilização virtual, a ponto de a sessão que votou o FUNDEB ter sido uma das mais assistidas no canal da Câmara dos Deputados no Youtube. Liderada por diversos segmentos da sociedade civil, milhões de pessoas pressionaram os deputados e deputadas no sentido de aprovar o relatório proposto pela deputada Dorinha (DEM/TO). Dos 508 representantes na Câmara dos Deputados, 499 votaram a favor do texto redigido pela parlamentar tocantinense. O mesmo nível de mobilização tem sido feito em direção ao  Senado Federal, tentando obter apoio dos senadores e senadores.

A educação, por ser um campo de disputa, a exemplo do que acontece no interior de toda a sociedade, vive um momento de intensa luta política. De um lado, tem as ações do governo federal no sentido de convertê-la em um campo de batalha contra os inimigos invisíveis ou, mais agravante, sendo direcionadas para a desresponsabilização da União no setor educacional. Do outro, há milhões de estudantes, professores, pesquisadores e dirigentes buscando alternativas para que a educação seja efetivada como um direito para todos, contribuindo, portanto, com a constituição de uma sociedade democrática.

(*) Christian Lindberg Lopes do Nascimento é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduado em Filosofia (UFS), doutor em Filosofia da Educação (UNICAMP) e pós-doutor em Educação (UNICAMP).

**Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

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