sábado, 16/11/2024
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Inviável pela própria natureza

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Economia Herética

Antes de qualquer coisa, o que vem a ser um povo “inviável”?

Esse é um conceito amplo, difuso e de difícil elaboração. Deriva de formas de enfoque e de resposta às vicissitudes da vida e sofre uma forte influência do momento em que o respondente se encontra.

No entanto, a vida é uma sucessão de subjetividades que precisam ser objetivadas para que se possa chegar a algum objetivo. Logo, será necessário definir o que vem a ser essa tal inviabilidade.

A resposta utilizada neste artigo está num pequeno texto já recorrente nas redes sociais: “O fêmur curado”, que faz alusão a uma réplica dada pela antropóloga ianque Margaret Mead à pergunta sobre qual seria o primeiro sinal de civilização numa dada cultura.

Margaret Mead

Ela explicou que esse feito era sinal de que o agrupamento social estava organizado de um modo em que era possível aos seus debilitados terem acesso a alimento e abrigo ao qual não teriam se vivessem em estado de natureza.

Sem dúvida alguma, uma proeza que somente seria factível onde o indivíduo se vê como parte de uma coletividade e, mais importante ainda, a coletividade reconhece a importância desse indivíduo.

Em suma, sem empatia, proteção e cuidado, não é possível construir uma sociedade civilizada. Então, ampliando esse aspecto, hoje, não é de todo errado afirmar que o brasileiro é um povo inviável!

Assume-se essa premissa porque uma coisa que o povo brasileiro sabe fazer bem é largar à própria sorte os seus vulneráveis. E como perversidade pouca é bobagem, ainda se esmera em culpar seus desprotegidos por sua própria situação.

Mas, por que somos assim?

A principal causa de nossa inviabilidade como civilização é a nossa estrutura econômica. O Brasil surge para o concerto das nações apenas para ser um fornecedor de matéria-prima (alimentos, fibras, óleos e minérios).

Veja que a principal preocupação do cronista Pero Vaz de Caminha era mostrar a El Rey que esta era uma “…terra chã em que, se plantando, tudo dá! ”, e que “ali havia ouro…”. Em nossa certidão de nascimento já estava registrado o nosso calvário.

Logo, o Brasil não surgiu para servir de berço para um povo garantir os meios de sua própria emancipação, mas apenas para prover de commodities os países centrais da economia-mundo.

Ele não existe para si, mas para os outros. E ainda continuamos nessa mesma toada, afinal, nos orgulhamos de repetir: o “ Agro é pop! ” (Sim, ele não poupa ninguém!).

Outro determinante dessa inviabilidade é a Escravidão.

Aqui, um estatuto tão antigo quanto a própria humanidade, ganhou status de elemento central da estrutura produtiva e catalisador das relações sociais, em plena emergência e consolidação do modo de produção capitalista.

Mesmo após o seu fim oficial, ela deixou raízes em nossas formas de gerir a produção de riqueza e de organizar a interação social, fazendo com que, ainda hoje, essas sejam estabelecidas com base na segregação de grandes frações de nossa população.

E expandiu a sua influência a tal ponto que essa discriminação atinge a todos os grupos sociais em situação de vulnerabilidade, sejam eles formados por nativos, pretos ou brancos “quase pretos de tão pobres”.

Perdão pelo lugar-comum, mas Joaquim Nabuco tem razão: “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Duvida? Compare a conduta policial em Paraisópolis e em Alphaville. Deveras semelhantes, não?

Todo o nosso arcabouço social e institucional tem por finalidade mostrar a cada um qual é “o seu lugar” e, dentro de nossas fronteiras, a única minoria realmente protegida pela sociedade são os já muito ricos.

Corolário: o Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo!

Neste país, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total. Ou seja, quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Grosso modo, o que metade da população leva mais de cinco anos para ganhar, os extremamente ricos recebem em apenas um mês.

Na França, o 50% mais pobre fica com algo em torno de 22,4% da riqueza e o 1% mais rico, com 11,2%. Na Alemanha, é 18,5% para a metade pobre e 12,5% para o 1% mais rico. Na Dinamarca, essa relação é de 23,4% para 10,7% em favor dos mais pobres.

Esses números mostram que extrema concentração de renda não é coisa de povo civilizado. E nós somos o maior concentrador de renda dentre as 20 maiores economias do planeta.

Claro que o Brasil não é de todo ausente de sistemas de proteção social. Por sinal, ele é o país com o maior volume de gasto nesse setor em toda a América Latina e Caribe. Contudo, a sua marca, nos últimos anos, tem sido a de destruir tudo o que foi construído nessa área desde a redemocratização.

E com requintes de crueldade!

Ao mesmo tempo em que somos o povo que, no passado, criou o Sistema Único de Saúde (SUS), atualmente, nós apoiamos a aprovação do Teto do Gasto, da Lei da Terceirização, das Reformas Trabalhista e da Previdência e, para piorar, já começamos a ver com bons olhos a ideia de que “mais empregos, somente com menos direitos!”.

Não é por acaso que, se em 2015, o Governo Federal gastou com Saúde, Educação e Segurança Pública um volume de R$ 1.056,68 por brasileiro ao ano, em valores de julho de 2020, no ano passado, essa mesma média per capita caiu para R$ 1.018,23 anuais.

Com efeito, desde essa data, a desigualdade de renda voltou a crescer, a fome retornou a assombrar os lares, a mortalidade infantil recrudesceu e a letalidade policial disparou. E tudo isso com o vívido apoio eleitoral do povo brasileiro.

Afinal, sistematicamente, ele vem votando em candidatos cujo discurso é claramente favorável ao desmonte das estruturas de apoio a vulneráveis, de proteção social e de redistribuição de renda.

Reafirmando a sua histórica tendência em abandonar os mais fracos, para o brasileiro, vulnerabilidade social é “mimimi”, não uma chaga a ser combatida, e assistência social é “coisa de vagabundo”, mas nunca um vetor de cidadania e dignidade.

Por isso que somos inviáveis como civilização, porque a nossa opção política é pela exacerbação das diferenças, pelo silêncio ante as iniquidades e pelo aumento do poder político dos ricos. A nossa escolha tem sido a de fortalecer quem já é forte e a de enfraquecer quem já é fraco.

Definitivamente, empatia, proteção e cuidado não é a nossa praia!

(*) Emerson Sousa é Mestre em Economia e Doutor em Administração

** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

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Sobre Emerson Sousa

Economista Emerson Sousa
Doutor em Administração pelo NPGA/UFBA e mestre em Economia pelo NUPEC/UFS

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