Os 4.855 dias de governos petistas à frente da Presidência da República – entre 2003 e 2016 – promoveram o aumento do mercado de trabalho e dos níveis de consumo, resultado de ações que conjugaram distribuição de renda e mobilidade social, modificando as configurações socioeconômicas nas periferias das metrópoles e no interior do país.
Por conta dessas medidas, a renda média dos 50% mais pobres do país observou um aumento real de 40,4% entre 2003 e 2013. E mesmo com a crise política propiciada pelas manifestações desse último ano, o crescimento real da renda entre 2003 e 2015 foi de 27,9%.
Em 2003, eram 20,2 milhões de pessoas recebendo uma renda inferior a US$ 1.90 por dia – essa é uma medida internacional de extrema pobreza – e, em 2014, esse total era de 5,6 milhões de brasileiros. Apenas para fins de comparação: em 2004, o Brasil possuía 6,2 vezes mais miseráveis do que os Estados Unidos. Nove anos depois, essa proporção era de 1,9 vezes.
Também em 2003, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro era tão somente 95,9% do PIB per capita cubano. Após uma década de governo trabalhista, o PIB per capita do Brasil era quase o dobro daquele detido pela pequena ilha caribenha.
Mas, perante isso, qual foi a reação do povo brasileiro? Resolveu tirar esse governo!
Contudo, não para substituí-lo por uma Administração Política mais avançada. Pelo contrário, o fez para destruir não só o que o mandato reformista do Partido dos Trabalhadores construiu, mas, também, toda a parca e anêmica estrutura de proteção social erigida pela Constituição Federal de 1988.
Qual a razão disso?
Talvez isso ocorra porque o brasileiro é individualista, desinteressado e despolitizado!
UMA CIDADANIA DEFICIENTE
Essa constatação surge a partir da leitura dos resultados obtidos por uma pesquisa promovida pela Fundação Perseu Abramo sobre as percepções e os valores políticos prevalentes nas periferias da cidade de São Paulo e que, resguardadas as devidas proporções, pode tranquilamente ser estendida para o grosso da população brasileira.
Naquele trabalho fica claro que a mentalidade do referido grupo social se dá pela justaposição entre valores do liberalismo, do individualismo, da ascensão pelo trabalho e do sucesso pelo mérito, na qual não cabe o conceito de “Luta de Classes”, mas de que o Estado é o “inimigo” a ser combatido.
Em termos gerais, para o agente social representado pelo morador das periferias de São Paulo, o debate sobre política é raro, é raso e é fortemente pautado pela mídia corporativa, sendo pouquíssimos os conceitos políticos adequadamente apropriados por ele.
Todos os aspectos de sua vida – trabalho, família e religião – são organizados com a perspectiva de se “vencer na vida” e, em sua mente, esse objetivo se dá em função do nível de esforço pessoal.
O senso de coletividade é indevidamente trabalhado, uma vez que a ação individual é vista como o determinante de “sucesso”. Por isso que Políticas Públicas não são vistas como vetor de dignidade e cidadania, mas como reflexo de “incapacidades”!
Nesse contexto, a ascensão social é o principal objeto de desejo e elemento de diferenciação, tendo na capacidade de consumo o seu corolário. O mérito individual entra nessa história como legitimador desse processo.
Isso se dá numa ambiência na qual a ideia de que “ eu sou porque nós somos! ” é totalmente eclipsada pela lembrança de que “…faz por ti, que eu te ajudarei! “. Não à toa que, país afora, os templos neopentecostais estão lotados enquanto as associações de moradores e os sindicatos estão vazios.
Não há a percepção de que sociedades civilizadas – como bem mostra a história da Europa – são uma construção coletiva politicamente mediada e institucionalmente estruturada. Em absoluto! O juízo geral é o da Lógica do Condomínio.
Muito embora os indicadores sociais brasileiros não permitam uma coisa dessa, como se vê, o sentimento da maioria do povo brasileiro está mais para Wall Street do que para Wakanda!
O geógrafo baiano Milton Santos já falava disso quando declarou, no livro O Espaço do Cidadão, que muitos brasileiros não são cidadãos, e muitos outros mais nem sabem que não o são. Por sinal, como ele também já defendera, o brasileiro se vê melhor no papel de consumidor.
Por isso que, desde 2010, a votação em candidatos despolitizadores ou de perfil conservador vem aumentando, processo cuja pièce de resistence está na eleição da Sra. Janaína Paschoal (2.031.829 votos para o cargo de Deputado Estadual em São Paulo, no ano de 2018).
O brasileiro médio não quer compromisso com a construção de uma sociedade solidária, ele quer apenas acesso ao consumo. Afinal, isso dá menos trabalho e exige menos de sua já atribulada rotina diária.
CORREÇÃO DE RUMOS
A Administração Política desejada pelo brasileiro é aquela na qual ele pouco se responsabilize pela condução da coisa pública, cujas ações são delegadas a experts, de preferência honestos. Em que as desigualdades sejam combatidas com facilidade de acesso a oportunidades, com o mercado regulando a vida social.
Só que essa é uma conta impossível de ser fechada. Afinal, a população só vai alcançar esses objetivos se ela tomar parte do processo político, e isso somente surtirá efeito se for feito em “escala industrial”.
Política é uma representação de força e essa força se dá como função dos recursos disponíveis ou dos níveis de intervenção. Se as massas não são donas dos recursos, a elas resta apenas participar. Mas elas não querem participar!
Obviamente, esse é um fenômeno complexo e multifacetado, que está longe de ser exaurido nestas linhas, porém, que precisa ser abordado de modo adequado e a melhor forma de fazer isso é focando a população em geral como um dos seus elementos constituintes e, não, como um fator externo.
Sim, ela faz parte desse processo!
Tenha em mente que não será possível mudanças estruturais nesse sentido relativizando-se ou contemporizando com esse estado de coisas. Mais do que convencimento, isso precisa ser denunciado.
Dessa forma, uma correção de rumo, que venha a colocar o brasileiro nos trilhos de uma sociedade menos desigual e mais cidadã, exige a retomada de um ostensivo discurso coletivista e uma prática extensivamente compromissada com essa mudança.
E antes que surjam críticas ao presente texto, alegando que ele tão somente reflete aquela velha ideia de que “ A culpa é do povo! ”, torna-se necessário lembrar as palavras do educador Paulo Freire que nos exorta: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor!”.
(*) Emerson Sousa é Mestre em Economia e Doutor em Administração
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.