sábado, 07/12/2024

Dez contradições de um presidente:  Deus e a pátria em primeiro lugar?

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Valtênio Paes (*)

Considerando que contradição é o que se opõe ao que foi dito ou feito anteriormente, incoerência, ausência de nexo, coerência e de lógica ou discrepância. Possivelmente, o presidente brasileiro vem praticando com certa regularidade.

1 – O slogan de campanha e do governo federal pressupõe que o Brasil está acima de tudo e Deus acima de todos. Em assim sendo, como é possível vender empresas brasileiras e estimular venda de armas? Já a religiosidade cristã vista do Livro do Eclesiástico defende:

          “quem se vingar encontrará a vingança do Senhor, que pedirá severas contas dos seus pecados; perdoa a injustiça cometida por teu próximo… alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura? Se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados? Se ele, que é um mortal, guarda rancor, quem é que vai alcançar perdão para os seus pecados? Lembra-te do teu fim e deixa de odiar; pensa na destruição e na morte, e persevera nos mandamentos; pensa nos mandamentos, e não guardes rancor ao teu próximo. Pensa na aliança do Altíssimo, e não leves em conta a falta alheia”!

2 – Como batizado nas águas do Jordão, dentro de uma doutrina cristã no país, como afirmar “Deus acima de todos” e contrariar as ideias do Cristianismo? Qual Deus defende o uso de armas?

 3 – O governo anunciou que já levantou R$ 96,2 bilhões com desinvestimentos e privatizações em 2019 até setembro, superando a meta do ano que era atingir US$ 20 bilhões.  Casa da Moeda e Correios estão na lista, além de ações da Caixa e o Banco do Brasil. Mais R$ 11,9 bilhões foram arrecadados com a venda de ativos naturais como cinco campos de exploração vendidos pela Petrobras. Disse em discurso em assembleia da ONU: “reitero, como presidente da República, meu amor à Pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade, valores dos quais nosso país jamais abrirá mão”. Será que vender empresas brasileiras, construídas com dinheiro público, para multinacionais é colocar o Brasil  acima de tudo?

4 – A reforma administrativa proposta reduz direitos dos futuros servidores como a vedação de promoção ou progressão na carreira exclusivamente por tempo de serviço, proibição de mais de 30 dias de férias por ano, fim da aposentadoria compulsória como forma de punição do servidor. Continua com a impossibilidade de redução de carga horária se não houver a consequente redução da remuneração, salvo por motivo de saúde, fim da licença-prêmio, fim do adicional por tempo de serviço, também conhecido como anuênio, e fim da incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções, dentre outros direitos. Por outro lado, mantém quase tudo para o judiciário, militares e políticos.

5 – Disse na ONU que “foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um juiz que é símbolo no meu país, o Dr. Sergio Moro, nosso atual Ministro da Justiça e Segurança Pública” mas meses depois o demite por contrariar seus interesses na Polícia Federal. Defende combate a corrupção e desliga Lava Jato. Ao demitir Moro se apoia em Centrão, grupo de  partidos políticos sem  orientação ideológica específica, mas com objetivos  de  vantagens e distribuição de privilégios clientelistas a exemplo  de seu atual líder do governo  o deputado federal Ricardo Barros. A postura do procurador Geral da República Augusto Aras criando novas regras sobre força tarefa reforça a contradição. Tais fatos estão na contramão do combate a corrupção e da coerência do discurso.

6 –Tradicionalmente, cabe ao presidente do Brasil fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral. O presidente ao abrir os debates da 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas defendeu  “o livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil” mas ameaçou intervenção  nos preços em setembro/ 2020 com a elevação do preço do arroz  com pensamento  em 2022. Contrariou os grandes controladores do capital financeiro atuando no país que defendem a não intervenção do Estado na economia, também bandeira do então candidato Bolsonaro.

7 – Veta a isenção de imposto para as igrejas, mas diz que se estivesse no Congresso votaria contra o veto. Pior ainda, diz que vai trabalhar para derrubada do seu próprio veto. Afinal qual sua convicção administrativa sobre o fato? Contradição politicamente inusitada.

8 – Não aceitava bolsa família e auxílio. Após a popularidade respaldada pelos efeitos da fome prorrogou o auxílio, mandou criar o Renda Brasil, que contraria o pensamento liberal na economia, usado como bandeira de eleição apoiada pelos grandes ricos. Em uma semana desiste do Renda Brasil, mas manda fazer estudos para ampliar benefícios. Nem auxiliares entenderam. Que o diga o ministro Guedes. Como pensa e como quer administrar o presidente?

9 – Questionado sobre os depósitos por um repórter do jornal O Globo, Bolsonaro respondeu: “vontade de encher tua boca com porrada, tá? Seu safado”. Irritou-se ao ser questionado por jornalistas se ele havia pedido a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro reagiu: “cala a boca, não perguntei nada”. Em fevereiro, em frente ao Palácio da Alvorada, fez comentário de cunho sexual sobre a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo: “Ela queria dar o furo”. Ameaçou não renovar a concessão da Globo em 2022 caso a emissora tenha pendências contábeis. “Não vai ter jeitinho para vocês nem para ninguém.” Ataca a imprensa mas sua secretaria usou dinheiro público da secretaria de comunicação em sites desaconselháveis.

10 – Vai à Corte reverenciar os ministros do STF, mas fez reunião no palácio em  maio de 2020, querendo ocupar o Supremo com tropas, enquanto o filho Eduardo Bolsonaro afirmava que o Brasil estava no caminho de uma ditadura, orquestrada pelo Supremo Tribunal Federal.

Tais posicionamentos confirmam incompatibilidades porque geram conclusões que formam inversões lógicas, opondo-se umas das outras, difíceis dos brasileiros entenderem. A ausência de firmeza nas convicções e compromissos com as ideias   deixam alguns seguidores e opositores confusos. Ao que parece, a única certeza é a firmeza em defesa de familiares e a busca da reeleição.

Para o cientista político Jairo Nicolau, que prefaciou a edição brasileira do best-seller “Como as Democracias Morrem”, existem regras informais básicas para a democracia no mundo. Assim, “para além do texto da Constituição, uma democracia necessitaria de líderes que conheçam e respeitem as regras informais” da respectiva sociedade.  Afinal, presidente deve ser de todos e para todos. Líder não divide uma nação. O desejo de reeleição não pode justificar incoerências. Contradições dez, coerência zero.

(*) Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.

** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

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Sobre Valtenio Paes de Oliveira

Coditiano
(*) Professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada-Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.

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