No álbum Jesus não tem dentes no país dos banguelas, lançado em 23 de novembro de 1987, pelos Titãs, é possível ouvir em sua última faixa, a canção Lugar Nenhum, os seguintes versos:
…Não sou de São Paulo/Não sou japonês/Não sou carioca/Não sou português/Não sou de Brasília/Não sou do Brasil/Nenhuma pátria me pariu/Eu não tô nem aí, eu não tô nem aqui…
Tais palavras poderiam muito bem resumir o sentimento de um eleitor que decide não escolher nenhum dos candidatos que se apresentam numa eleição, mesmo aqueles que o fazem por questões “ideológicas” ou religiosas.
Desde o ano de 1989, nas eleições presidenciais brasileiras, uma média de 2,6% do eleitorado apto a votar o faz em branco e 4,9% anula, enquanto que 18,7% nem às seções eleitorais se dirigem.
No primeiro turno, essas proporções são de 3,5% para brancos, 5,7% para nulos e 18% para abstenções. No segundo, elas são de 1,4%, 4% e 19,6%, respectivamente.
Esse conjunto de resultados mostra um cenário dúbio de condutas.
Se o nível de decisão aumenta entre os turnos, com a diminuição do percentual de brancos e nulos, a resolução em votar diminui, com o crescimento da abstenção.
Eleições resolvidas em um único turno possuem níveis de “não-escolha” (brancos, nulos e abstenções somados) maiores do que aquelas liquidadas em dois períodos.
Em 1994 e 1998, respectivamente, esse volume de “não-escolha” chegou a 33% e 36% do eleitorado brasileiro total.
O menor nível de desinteresse, por outro lado, foi visto em 1989, quando essa proporção ficou em 17,6%, no primeiro turno, e 19,4%, no segundo.
Vale a pena frisar que a fase final do pleito de 2018 foi a que apresentou o maior grau de “não-escolha” pós-redemocratização (28,8%).
No entanto, desde 2002, esses percentuais vêm orbitando a casa dos 26,1% do eleitorado total, em média.
Mesmo assim, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o Brasil consegue promover um dos maiores níveis de engajamento eleitoral de um conjunto de países analisados.
Contudo, não há como não se espantar com o fato de que, no Brasil, ¼ das pessoas aptas a votar, contingente que equivale à população da Argélia, simplesmente, não quer fazê-lo.
O que é estranho, uma vez que, desde o início da invasão lusitana, no ano de 1500, há apenas três décadas foi garantido à maioria da população brasileira o direito de votar, ou seja, o direito de “estar aí!”.
(*) Emerson Sousa é Mestre em Economia e Doutor em Administração
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe