O advogado e professor do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit), Nelson Teodomiro Souza Alves, viu na decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin, de anular os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como uma estratégia da defesa. “Lula tem mais de 70 anos, por isso a prescrição corre duas vezes mais rápido. Então é muito mais fácil, agora, alcançar uma prescrição do que naquela época. Foi estratégia”, explicou.
E como o demiurgo de Garanhuns teve os direitos políticos reestabelecidos, é possível que as eleições presidenciais de 2022 fique polarizada entre ele e o insano presidente Bolsonaro, faces da mesma moeda. “Vejo a polarização como algo ruim para o Brasil, porque não discutiremos outras propostas, algo novo, talvez mais progressista, mais eficiente. Fica só com esses e acaba esquecendo de outros candidatos que possam fazer um bom trabalho”, pontuou o advogado.
Até se definir o cenário eleitoral de 2022, a população segue acompanhando, como se fosse uma novela, o que ocorrerá no próximos capítulos de imbróglio de Lula, junto com o desenrolar do processo que tramita no STF, sobre parcialidade ou imparcialidade do ex-juiz Sérgio Moro. Processo, aliás, que está parado porque o ministro Kássio Nunes Marques pediu vistas e segue parado com o score de 2×2.
O advogado Nelson Teodomiro não conseguiu entender o porquê desse processo contra Sérgio Moro, figura tida pelos petistas como algoz de Lula, pois todo o processo contra o ex-presidente foi anulado, embora já haja um recurso impetrado pelo Ministério Público Federal.
“Há de fato uma perseguição, principalmente, daquelas pessoas que têm uma tendência política de apoiar o Lula e acabam criticando o ex-juiz nas redes sociais, principalmente no Twitter”, entende Nelson Teodomiro que, esta semana, conversou com o Só Sergipe.
SÓ SERGIPE – Por que, na sua concepção, o ministro Edson Fachin, demorou tanto tempo para anular todo o processo contra o ex-presidente Lula, deixando-o elegível? Tal atitude monocrática já não poderia ter sido tomada?
NELSON TEODOMIRO – Exatamente. Nós sempre ouvimos dizer que o Poder Judiciário é lento. E quando atuamos na prática, vemos que isso acontece mesmo. Não pelo Judiciário em si, mas pela atuação dos advogados de defesa, pelo órgão de acusação, pela quantidade de recursos que eles têm à disposição, tanto da acusação quanto da defesa. E isso acaba gerando uma certa liberdade para se recorrer. Quantos recursos tiverem disponíveis, você usa para procrastinar o processo e alcançar uma prescrição, no intuito de extinguir a punibilidade e absolver o réu. Essa é intenção.
SS – E no caso específico do Lula?
NT – No caso dele, houve uma gama de recursos por parte da defesa, mas somente agora os advogados de Lula pediram que o STF anulasse o processo em virtude da competência, por entenderem que a Vara Federal de Curitiba não é competente para julgar o caso do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e os supostos desvios de dinheiro envolvendo o Instituto Lula. A defesa havia interposto um agravo no passado para justamente cancelar o julgamento, mas naquele momento desistiu do recurso e resolveu novamente interpor com embargos de declaração no habeas-corpus que foi impetrado contra a decisão do STJ. A defesa já tinha feito, mas desistiu do recurso e resolver propor de novo agora. Foi uma a estratégia da defesa, porque como o processo vai ser anulado, a prescrição está correndo. Lula tem mais de 70 anos, por isso a prescrição corre duas vezes mais rápido. Então, é muito mais fácil agora alcançar uma prescrição do que naquela época. Foi estratégia da defesa.
SS – Essa decisão de Fachin não depõe contra o STF, instituição que não tem sido bem vista pela população? Não põe em xeque a credibilidade do STF?
NT – Talvez. O grande problema hoje é que a sociedade crítica o STF quando a instituição julga matéria penal. A sociedade cria uma certa expectativa de que o STF vai resolver os problemas de segurança que temos no país. Mas vale lembrar que o STF, em muitas matérias que foram julgadas nas últimas décadas, apresentou um avanço, a exemplo do julgamento sobre pesquisas envolvendo células-tronco, união estável homoafetiva, ensino nas escolas públicas, demarcação de terras indígenas. Foram temas paradigmáticos e que mudaram a forma de nosso país resolver alguns problemas. Quando o STF entra na área penal, aí que há a expectativa da sociedade de que não está sendo atendida. Porém, não é o STF que vai atender, mas o legislativo, talvez modificando o Código Penal com condenações mais duras. É o Executivo com política de redução das desigualdades, de criação de oportunidades para pessoas de baixa renda. Então, quando isso não funciona, a sociedade acaba criando uma expectativa apenas no STF. A criminalidade cada vez mais avança e a gente não vê nada por parte do executivo e do legislativo para resolver essa questão. E quando chega ao STF, a sociedade resolve cobrar, mas não fez isso com o executivo e o legislativo.
SS – Aliás, quando tramitava no Congresso Nacional a PEC com penas mais duras para os políticos, eles foram os primeiros a legislarem em causa própria. E mais recentemente, queriam a imunidade total.
NT – Exatamente. É uma PEC para alterar a Constituição no que tange às imunidades parlamentares, para que eles não possam ser presos. Já está na Constituição, mas os deputados criaram alguns mecanismos. Por exemplo, caso o parlamentar seja preso em flagrante deve ser conduzido ao Congresso e ficar numa sala especial. Foram alguns dispositivos para proteger mais o parlamentar. A PEC segue tramitando.
SS – Voltando ao caso Lula, embora seja dentro do ponto de vista legal ele ter recuperado os direitos políticos, como fica do ponto de vista moral? Como fica o Direito entre o legal e o moral?
NT –Veja, quando o ministro Edson Fachin julgou os embargos, na verdade, não julgou se o Lula era culpado ou inocente. Não julgou o mérito da causa. Foi apenas uma questão processual. Para o Direito, a pessoa só é considerada inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa, havendo condenação de um órgão colegiado. No caso envolvendo o ex-presidente Lula, todo o processo foi anulado. Então, o status dele hoje é de inocente. Não é nem réu ainda, porque foi anulado até o oferecimento da denúncia. Então, hoje é como se ele fosse investigado. Para o Direito, é considerado elegível a partir do momento que o ministro Edson Fachin anulou todo o processo. E ele pode disputar as eleições de 2022 tranquilamente. E surge a pergunta: e se em 2022, por exemplo, caso ele seja eleito presidente e o processo volta e ele é condenado? Como é que funciona? Nesse caso, sendo eleito e condenado posteriormente, tem que observar o artigo 86, parágrafo quarto, da Constituição, que diz que o presidente da República não pode ser condenado por fatos alheios ou estranhos à função. Como esses atos supostamente praticados por Lula foram estranhos à função de presidente, ele não poderia ser responsabilizado durante o mandato. Teria que esperar acabar o mandato. E aí outra pergunta: e se ele for reeleito? Terá que esperar acabar o segundo mandato para o processo continuar.
SS -E aí ele vai ficando mais velho, vem a prescrição e ele pode sair incólume disso tudo?
NT – Sim, sim. Se for alcançada a prescrição, vai ser extinta a punibilidade, o processo acaba. E aí ele é inocente.
SS –Junto com a anulação do processo envolvendo Lula, vem outro que questiona a parcialidade ou não do ex-juiz federal Sérgio Moro, que é outro caso que divide opiniões. Os petistas acham que ele foi o algoz de Lula. Quem não simpatiza com o Lula, defende o ex- juiz. Como fica, na sua opinião, a situação de Moro?
NT – Lá no STF, o ministro Kássio Nunes Marques pediu vistas do processo que está suspenso. Sendo declarado suspeito o Sérgio Moro, o processo é anulado. Na verdade, já houve anulação. Eu não entendi porque pautaram, agora, essa questão do Sérgio Moro. O juiz no processo tem que ser imparcial. Se ficar provado que, de fato, houve combinação de prova entre Moro e o promotor Deltan Dallagnol, o processo é anulado. Suspeição é uma das causas previstas, tanto no Código de Processo Civil quanto no Penal, que impede o juiz de julgar aquele processo.
SS- E quando ocorre a suspeição?
NT – Se o juiz for amigo ou inimigo de uma das partes, se ele combina com o órgão de acusação a produção de provas. Tudo isso é proibido pela legislação. A questão do Sérgio Moro se houve crime ou não, só no futuro poderemos falar sobre isso. Por enquanto não há nenhuma movimentação do STF nem dos órgãos ministeriais de acusação.
SS – Esse processo seria uma perseguição a Moro? Se as condenações de Lula foram anuladas, não teria sentido esse processo. Veja que o ministro Gilmar Mendes ainda quer que Moro pague as custas do processo, não é?
NT – Exatamente. Para essa questão de perseguição com relação a Moro, nós temos que lembrar o que aconteceu com a Operação Mãos Limpas, na Itália. Descobriu-se um dos maiores esquemas de corrupção e muita coisa que ocorreu na Itália, ocorreu aqui, que os deputados e senadores se blindaram com leis, assim como os membros do Executivo. Na verdade, a imagem de Sérgio Moro está muito em pauta por causa do enfraquecimento da Lava-jato. A figura da Lava-jato era o Moro. Como estão descobrindo essas questões agora, talvez haja uma represália à figura do ex-juiz, mas muita coisa tem que ser apurada. É muito cedo para dizer se, de fato, houve alguma tendência do Moro em quebrar a imparcialidade do juízo e tudo tem que estar provado. Muita gente fala que Moro tem que ser condenado. Mas, antes de tomar qualquer decisão, tem que ter as provas. Acredito que agora seja muito cedo para dizer que houve culpa, complô, envolvendo o Moro. Essa parte tem que aguardar. Mas há de fato uma perseguição, principalmente, daquelas pessoas que têm uma tendência política de apoiar o Lula e acabam criticando o ex-juiz nas redes sociais, principalmente no Twitter.
SS -Hoje, vemos que o Brasil está quase que dividido entre os petistas e bolsonaristas. E o país não avança com essa divisão política, não é?
NT – Essa polarização é ruim, porque os outros candidatos, caso surja algum bom entre presidenciáveis, terão sua imagem ofuscada. Isso porque, um outro candidato pode até ser vencedor e fazer um governo melhor. Vejo a polarização como algo ruim para o Brasil, porque não discutimos outras propostas, algo novo, talvez mais progressista, mais eficiente. Fica só com esses e acaba esquecendo de outros candidatos que possam fazer um bom trabalho.