Ainda menino, observando meu diminuto universo, cedo percebi como o mundo é desigual. Perguntava-me por que uns nasciam bonitos, outros tão feios; uns eram ricos, outros tão pobres; uns tinham inteligências, outros completamente desprovidos delas. Uns com saúde, outros já nasciam doentes, ou desenvolviam enfermidades durante suas caminhadas. Quantas desigualdades.
Crescido, observador mais atento, vi essas desigualdades se aprofundarem. Mas, duas coisas eram iguais para todos – bonitos e feios; ricos e pobres; inteligentes e burros; sadios e enfermos -, o tempo e a morte.
O tempo e a morte são o que existe de mais democrático sobre a face da Terra. Ninguém, absolutamente ninguém, tem um segundo a mais do que os sessenta que compõem um minuto. Ninguém tem um minuto a mais do que os sessenta que compõem uma hora. Absolutamente ninguém tem uma hora do que as vinte e quatro que formam um dia.
Para todos a semana tem sete dias, o mês varia de vinte oito, trinta ou trinta e um dias no calendário gregoriano. O ano tem 365 dias, e de quatro em quatro anos é acrescido um dia a mais, o ano bissexto. Em 2020, um ano bissexto, em que o mundo conheceu nossa mais recente pandemia, a do coronavírus, que de Wuhan, na China, se espalhou pelo mundo, mostrando nossa real importância. A Covid-19 avivou nossa condição de vulneráveis, indefesos diante de um vírus invisível e altamente letal. O corona mostrou nossa real insignificância.
Nenhum terráqueo tem mais tempo que outro, e isso é realmente justo. A diferença é como cada pessoa escolhe como gastar seu tempo.
Para isso existe o livre arbítrio; temos liberdade para gastá-lo da forma que achamos necessário ou que temos necessidade. “Quem mata o tempo é um suicida”, disse o longevo Millôr Fernandes, arguto observador da passagem do tempo.
Tempo de redes sociais, que conectou todos e todas as partes do mundo, é a mais perfeita tradução de globalização. Como animais sem direção, grande parte de nós, seres bípedes, resolvemos brigar uns com outros por tudo e por nada.
“Éramos todos humanos, até que: A raça nos desligou, a religião nos separou, a política nos dividiu, e o dinheiro nos classificou”, li recentemente.
O tempo é o ativo mais escasso que existe; nossa insanidade não nos permite ver como estamos perdendo o melhor da vida por questiúnculas, querelas banais, quiproquós inócuos. Tem bestialidade maior que brigar por políticos mequetrefes?
O homem se desenvolveu, há tecnologia para tudo, e quando temos tempo para usar com coisas úteis resolvemos gastá-lo em duelos intermináveis e inócuos.
Pelas redes sociais somos estimulados a duelar permanentemente uns com os outros. Foi o que disse recentemente a ex-gerente do Facebook, Frances Haugen, no Senado dos EUA, e ela está longe de ser a primeira ex-funcionária da companhia de Mark Zuckerberg a alertar sobre os problemas da empresa. Segundo Frances Hauges, o Facebook priorizava uma lógica perversa de crescimento a todo custo em detrimento da segurança, privacidade e saúde mental de seus usuários. Se já estávamos nos digladiando por ideologias, política, religião, gênero, até pela cor da pele, imagine com os algoritmos, que são programados para incitar brigas e movimentar as redes, e com isso seus proprietários ficam cada vez mais ricos?
À luz desses escândalos, diversos livros publicados recentemente mostram não apenas como as redes sociais impactam politicamente o mundo, mas também como oferecem ameaças à privacidade, à liberdade individual e a própria integridade física e mental de seus usuários.
Em “Uma Verdade Incômoda” (Companhia das Letras), as jornalistas Sheera Frenkel e Cecilia Kang narram toda a trajetória do Facebook, dos campi ao Capitólio. Elas mostram como a empresa lidou com a questão da liberdade de expressão e como sempre esteve despreparada para lidar com as repercussões do próprio modelo de negócios. Em 2006, quando sua equipe não passava de uma centena de pessoas, o Facebook teve de decidir se veicularia ou não anúncios pagos por autoridades do Oriente Médio sobre a questão palestina. Os desdobramentos políticos das decisões tomadas pela rede social são narrados no livro até o banimento de Trump após a invasão do Capitólio, em janeiro deste ano.
Segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2917), estamos vivendo e vivenciando tempos gasosos. A tecnologia nos agregou e viciou, estamos todos reféns das redes: belos e feios; ricos e pobres; sadios e enfermos; sabidos e burros; é o preço que pagamos por estarmos conectados, em tempo integral.
Estrela meteórica
Dedico essa crônica à Marília Mendonça, estrela meteórica, fenômeno que partiu cedo, 26 anos, deixando um enorme legado. A estrela se transformou em mito, e os mitos não morrem. E, também aos outros tripulantes da aeronave: o produtor Henrique Ribeiro, o assessor e tio Abicieli Silveira Dias, o piloto Geraldo Martins de Medeiros, e o copiloto Tarcísio Pessoa Viana.
Na mesma semana que perdemos Nelson Freire, aos 76 anos, o Brasil se despede da Rainha da Sofrência,, no auge do sucesso. Em Marília Mendonça somente a idade é pequena, tudo o mais era grandioso. Confluência de talentos: compunha, cantava, capacidade de comunicação incrível, tanto ao vivo como nas redes sociais. Fico imaginando o que ela produziria nos próximos anos que foram tragicamente abortados.
Viva! Viva intensamente, tudo passa muito rápido.
Na tarde de sexta-feira, 05/11, cinco pessoas saíram de suas casas para trabalhar e não voltaram. Eles deixaram filhos, histórias, trajetórias de vidas que foram abreviadas pelo imponderável. Assim é a vida: transitória, frágil, fugaz, imprevisível, quando menos esperamos acaba.
Ouça atentamente essa canção
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.