sábado, 16/11/2024
Manifestação contra o racismo na Arena do Grêmio. Edison Vara / Grêmio FBPA/Fotos Públicas

Na Libertadores, quem mais entrou em campo foi o racismo

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Jurídico
Gabriel Barros (*)

Até aqui, o torneio sul-americano tem proporcionado um show de horrores, seja mediante seus intragáveis jogos ou, pior ainda, através de práticas racistas intentadas por torcedores de outras equipes contra brasileiros, com destaque para alguns torcedores argentinos, só para variar!

Foram cinco casos de racismo contra brasileiros em 15 dias, cinco em duas semanas. Destaco o caso do torcedor do Boca que após imitar macaco e sair preso no jogo contra o Corinthians ainda postou em rede social zombando do ocorrido, em conduta de puro deboche para com nós brasileiros, especialmente nós que somos negros.

Dito isso, algumas questões merecem atenção. Primeiro, a imprensa brasileira adora focar na atitude de alguns torcedores e muitas vezes excluem os clubes e demais entidades como Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol)  e Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de responsabilidade. Quando ocorre algum caso de violência nos estádios brasileiros dizem quase em coro que “ aqueles vândalos, vagabundos não são torcedores e não representam a torcida de determinado clube”. Ou seja, tratam logo de individualizar a problemática.

Na verdade, assim como alguns brasileiros violentos são sim torcedores e às vezes até representam aquilo que seu clube construiu politicamente, não é diferente o caso desses argentinos, chilenos e equatorianos, que são racistas, xenofóbicos e muitas vezes homofóbicos, mas que, ainda assim, são torcedores.

Segundo ponto – e tratando-se especificamente do caso do torcedor do Boca Juniors, que foi preso, pagou fiança e saiu numa boa, e ainda contou com o apoio do governo argentino – me pergunto, onde fica a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que equiparou o crime de injúria racial (crime pelo qual o argentino foi acusado) ao crime de racismo? Até aqui os casos de racismo continuam acontecendo pelo país e parece que nada mudou.

A questão é simples. Se a injúria racial é equiparada ao crime de racismo, logo, aquele tornou-se não só imprescritível como também inafiançável. Mesmo que alguém diga que a decisão do STF se deu em uma discussão que tratava do tema da imprescritibilidade em um Habeas Corpus, ainda assim, a questão culmina em pura técnica de interpretação lógica/teleológica.

Acontece que quando se trata de crime tão grave, o Estado não parece ter muito interesse em punir. O Estado aqui aparece representado pelas figuras do Ministério Público e policias, que fazem pouco caso das situações.

Muito embora o Direito Penal seja um instrumento bastante limitado para combater tema tão complexo como o racismo, a decisão do STF foi cristalina no sentido de estabelecer que os crimes de racismo não se restringem à lei 7.716/1989, o que configura um tardio, mas importante reconhecimento da complexidade do crime discriminatório.

Inclusive se juntando a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que já tinha firmado entendimento de que a injúria racial é uma modalidade do crime de racismo e, portanto, não pode estar sujeito aos prazos decadenciais que incidem sobre os crimes contra honra, subordinando-se ao inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal que estabelece que ‘a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível'(¹).

Nesse sentido, não dá para dizer que ao equipar os crimes, a injúria racial seja imprescritível, mas não inafiançável. São questões tão inseparáveis quanto os EUA e crimes de guerra. Ambos quase se confundem.

Terceiro e último ponto se refere ao futebol como categoria mercadológica que é. Afinal, vivemos sob a batuta do capitalismo. Sendo assim, a Conmebol precifica o racismo à bagatela de US$ 35 mil a US$ 50 mil aos times por ofensas racistas como essas.

O filósofo Argelino Louis Althusser sustentava que o direito não surge como um pacificador social, mas sim como uma construção social humana, erguida com o intuito de proteger as relações mercantis e os contratos oriundos destas. Podemos dizer então que o futebol segue a mesma toada. Vale muito mais os interesses contratuais das entidades, dos clubes e das empresas privadas do que o combate ao racismo.

Se depender desses só existirá real interesse em enfrentar o racismo quando for interessante do ponto de vista financeiro, como já é em alguns espaços.

Por isso a importância de que exista uma pressão popular de mudança de postura de todas essas instituições mencionadas acima: imprensa, clubes, CBF, Conmebol, Judiciário, Ministério Público, polícia, torcedores e também os jogadores, que podem fazer muito mais do que aquilo que sua assessoria autoriza.

O que me parece ser a grande questão é que essa pressão popular só pode realmente causar mudança se vier junto com um grito de transformação radical da própria estrutura social na qual estamos inseridos. Fora isso, aparenta-se que o cenário tenderá a permanecer o mesmo.

(*) – *Gabriel Barros, advogado e pós-graduando em Direito Público.

(¹) – Consultor Jurídico

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