Em minhas andanças pelo mundo uma das melhores coisas é conhecer pessoas gentis e generosas. Costumo dizer que Deus, em sua infinita bondade, me poupou de atrair gente ruim. Por onde ando, Deus coloca os bons em meus caminhos, são anjos que facilitam minha vida, abrindo caminhos, facilitando minha jornada. Sem eles não chegaria onde cheguei.
No final da viagem pela América Central, onde fechei os vinte países que compõem essa parte das Américas, enviei uma mensagem para o Mohammad, um amigo que me foi apresentado pelo querido Augusto Pantoja, dileto amigo de muitos anos. Na mensagem eu informava dia e horário que desembarcaria no aeroporto internacional Eduardo Gomes na caliente Manaus. O horário de chegada em Manaus era um tanto insólito, 2h20 da madrugada.
Generosamente, Mohammad enviou uma mensagem informando que haveria um carro de aplicativo me aguardado. Na mensagem estava o contato da motorista. Olhei a fotografia, uma jovem, de nome Andreza. Na hora combinada Andreza estava no subsolo do aeroporto a me esperar. Pontualidade e profissionalismo.
Mohammad é um irmão que a vida me presenteou. Gentil, generoso e agregador, ótimo papo, me acolheu duas vezes em seu paraíso.
Após as apresentações, entrei no carro e rumamos para o destino final. No percurso perguntei se ela não tinha medo de apanhar um homem desconhecido naquela hora da noite. Ela disse que não, pois Mohammad já havia falado de mim.
Perguntei por que não levara o namorado, Andreza disse que ele ficara em casa tomando conta de Theo, o cãozinho.
Como escrevo sobre pessoas, gosto de histórias, perguntei para Andreza sobre algo inusitado que ela presenciou como motorista de aplicativo. Ela me disse que estava há pouco tempo na profissão. Falou do namorado, que mesmo com pouco tempo de relacionamento, apenas um mês, era intenso. Netinho, o namorado, lhe dava uma paz que ela não tivera no relacionamento anterior, que durou doze anos. Ela saíra de um relacionamento tóxico que lhe deixou marcas negativas. Netinho, com o frescor da mocidade, ajudou-a a redescobrir o amor. Era o ponto de equilíbrio que ela tanto procurava.
Chegamos ao destino final, a pousada Paraíso Tarumã, às beiras de um afluente do rio Amazonas. Verdadeiro paraíso, natureza pura.
Dormi, no adiantado da noite, após um dia voando pelos céus das Américas. Em uma viagem que começou em Belize, com longa escala na Cidade do Panamá.
No mesmo dia, após o café da manhã, Andreza me levou para o aeroporto. Segui viagem para Boa Vista, Roraima era o único estado brasileiro a conhecer.
Em tempos de comunicação, fiquei com o contato de Andreza. Ao desembarcar em Boa Vista lhe enviei uma mensagem de agradecimento pela atenção e gentileza para comigo.
Esta semana, ao olhar o WhatsApp de Andreza, vi que ela tinha mudado a fotografia, agora estava o símbolo de luto. Lhe enviei uma mensagem perguntado o que acontecera.
-Estou triste, Sr. Luiz, Netinho morreu.
-Como assim? O que aconteceu?
-Ele reagiu a um assalto, levou um tiro e perdeu a vida.
-Como você está?
-Sem chão, desnorteada.
-Meus pêsames, Andreza, sinto muito. Foi o que consegui dizer.
Me afastei do celular, perplexo com a perda de Netinho, que não cheguei a conhecer. Tão jovem, mais novo que meus filhos, Rodrigo e Frederico.
Como a vida é efêmera, fugaz, transitória.
Somos instantes, e em instantes não somos nada.
Quantos sonhos interrompidos, quantos planos abortados, quantos coisas a serem ditas, vividas, vivenciadas enttiro, violência
re duas pessoas que estavam apenas se conhecendo.
Quanta violência em um país tão bonito, quantas vidas perdidas por coisas tão pequenas. Quanta dor que esmaga os corações dos que ficam. Quanto futuro deixou de existir por uma bala de uma pistola assassina. Quanto amor despedaçado. Quantas lágrimas que rolam em faces crispadas pelo medo.
Quantos momentos de afeto que não mais existirão.
Nesta hora de dor e de saudade, em que as lembranças povoam a mente em busca de paz para seguir em frente, é tempo de buscar Deus, com fé, para aplacar a dor que dilacera o corpo e a alma.
Viver é um exercício contínuo de rasgar-se e costurar-se. A vida segue seu curso, em seu ritmo para Andreza, mas a falta que Netinho lhe deixou será enorme.
É difícil acreditar que tudo acabou tão de repente, que ele se foi tão cedo, em uma noite de 12 de outubro, Dia das Crianças, e Dia de Nossa Senha Aparecida, padroeira desse imenso Brasil, cada vez mais violento.
Somos instantes e em instantes não somos mais nada. Tudo passa tão rápido, agora é administrar a saudade, guardar os bons momentos na memória, seguir em frente, juntar os pedaços. Mesmo fugaz e instantâneo, Netinho tocou o coração de Andreza de forma indelével.
Viver é saber que somos asas em um voo de coragem, enquanto a vida é o vento.
O adeus é mais doloroso quando nos despedimos de pessoas especiais, que partem tão cedo, deixando um enorme vazio cheio de tudo.
Andreza, querida, pelo pouco que te conheci, vi em você uma mulher especial.
Que Deus te abençoe, ilumine e proteja hoje e sempre.
Fraternal abraço.
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista, escritor e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. O sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.