quinta-feira, 21/11/2024

Debate: Maioridade Penal

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A redução da maioridade penal tramita no Congresso Nacional e, inclusive, foi votada e aprovada na Comissão de Constituição de Justiça. Esse é o grande debate nacional que divide opiniões. A deputada estadual Ana Lúcia Vieira, PT, coordenadora da Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente da Assembleia Legislativa de Sergipe,  há injustiça em torno  do assunto. Mas o deputado federal, André Moura, líder do PSC, na Câmara Federal, pensa justamente o contrário. Para ele a redução não vai resolver os problemas de segurança no país, mas ajudará a diminuir os índices crescentes  de violência. O Só Sergipe também foi às ruas de Aracaju ouvir o que pensa a população sobre tema tão sério. Leia, assista o vídeo e participe deixando seu comentário.

E você, de que lado está?

Ana LúciaReduzir a idade penal não reduz a violência

Ana Lúcia Vieira

Deputada estadual (PT-SE) e coordenadora da Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente da Assembleia Legislativa de Sergipe

Diante de uma ofensiva conservadora que ameaça a garantia de direitos de diversos segmentos da sociedade brasileira, a pauta da redução da maioridade penal voltou ao centro dos principais debates no país desde que foi votada e aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Boa parte destas discussões públicas – muitas delas se utilizando da emotividade e esvaziadas de argumentos e dados concretos que comprovem a eficácia da medida – não ajudam a aprofundar o debate em torno das motivações e consequências do assunto para a sociedade. Como resultado, temos um exército de defensores da pauta que, mesmo sem muitas vezes compreender amplamente as causas e os impactos sociais da redução da idade penal, faz a defesa fervorosa e emocionada da medida como a grande solução para a violência no Brasil.

Ao contrário do discurso comumente reproduzido pelos defensores da redução da idade penal, de que existem “dois pesos e duas medidas” (uma para os adolescentes e outra para os adultos) a injustiça que está no centro do debate acerca do rebaixamento da idade penal não tem suas raízes na idade de quem cometeu o ato infracional ou delito, mas no contexto de desigualdades sociais e negação de direitos em que ele está inserido. Assim, a sensação de impunidade que boa parte da sociedade brasileira sente decorre não da idade de quem é preso, mas das deformações que deixam de punir – ou minimizam a punição – dos jovens e adultos das camadas abastadas da sociedade e punem com mais rigor os que vêm das camadas populares.

Prova disso é o fato de as unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei, assim como as prisões no Brasil, estarem abarrotadas de jovens pobres, negros, com baixa escolaridade e que vivem nas periferias das grandes cidades: 54% dos adolescentes que cumprem medida de internação no Brasil têm apenas o ensino fundamental (ILLANUD) e em Sergipe este número chega a 70%. Ainda em Sergipe, 90% dos adolescentes em conflito com a lei pertencem a famílias que sobrevivem com menos de R$ 350, de acordo com a Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA). Assim, a redução da maioridade penal é mais um instrumento que servirá para aprofundar a criminalização da nossa juventude pobre e negra, historicamente discriminada.

Essa mesma juventude que é criminalizada, é muito mais vítima do que algoz da violência: O número de assassinatos cometidos por adolescentes em conflito com a lei equivale a menos de 1% dos crimes cometidos no país(ILLANUD) e apenas 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros cometeu algum ato contra a vida. Por outro lado, os jovens brasileiros representam 67,1% das vítimas de armas de fogo. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte dos adolescentes por fatores externos, enquanto para a população total, esta taxa é de 4,8%. E o número de assassinatos de jovens só cresce no país: nos últimos 23 anos, aumentou 591,5% (Mapa da Violência-Flasco Brasil).

Posiciono-me contra qualquer forma de violência e reitero que defender a não redução da idade penal não é defender a violência nem a impunidade. No Brasil, os adolescentes a partir de 12 anos já são responsabilizados quando cometem ações equiparadas a crimes num sistema de justiça juvenil. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê para adolescentes de 12 a 17 anos sete medidas socioeducativas, que penalizam o adolescente pela prática do ato infracional levando em consideração sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. A mais rígida é a privação de liberdade, mas as medidas de liberdade assistida, semiliberdade e unidades provisórias também restringem a liberdade dos adolescentes.

Mesmo diante da fragilidade e das dificuldades de implementar o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE , lei em vigor desde 2012, as unidades de medidas socioeducativas ainda cumprem papel determinante no processo de ressocialização do adolescente em conflito com a lei: A taxa de reincidência de crimes no sistema prisional é mais do dobro da registrada no sistema socioeducativo: 70% contra 30%. Isso demonstra que reduzir a idade penal não reduz a violência, ao contrário: a tendência é facilitar a reincidência, aumentando assim os crimes no país. Outro grave problema já existente que será intensificado se o país reduzir a maioridade penal é a superlotação do sistema prisional brasileiro, que já conta com o triplo de detentos que os espaços das penitenciárias comportam.

Ao contrário do que os defensores do rebaixamento da idade penal propagam, a tendência mundial não é fixar a idade penal antes dos 18 anos. De acordo com pesquisa “Crime Trends” realizada pela Organização das Nações Unidas, em apenas 83% dos países a idade penal é igual ou superior aos 18 anos. A pesquisa considerou 57 países de diferentes situações socioeconômicas. Um exemplo emblemático neste sentido é o da Alemanha, que reduziu a maioridade penal para 16 anos e, depois de perceber que os índices de violência urbana não reduziram, decidiu voltar atrás na decisão e refixou a idade penal em 18 anos, como era antes da mudança.

Mais de um quarto de todos os adolescentes brasileiros privados de liberdade cumprem medidas por tráfico de droga (26,6%), um dos crimes que mais gera indignação na população que defende a redução da maioridade penal. Por ser uma grande cadeia de negócios ilegais, que movimenta cerca de um trilhão de dólares ao ano em todo o mundo (UNODOC, 2011), o tráfico de drogas (e a violência decorrente dele) não pode ser combatido encarcerando os soldados do tráfico, os adolescentes que vendem a droga, os chamados “aviõezinhos”. Estes são apenas a ponta do iceberg, a parte mais frágil dessa cadeia. A essência do combate ao tráfico de drogas é investigar e punir quem controla o tráfico: os grandes traficantes, que na maior parte dos casos não vivem nas comunidades pobres e marginalizadas.

Propagandeada por setores conservadores aliados à grande mídia comercial como solução “mágica”, a medida não resolverá o grave problema da violência urbana, pois busca apenas soluções imediatistas e que não incidem na essência do problema. Para combater a violência, é preciso construir um modelo de segurança numa perspectiva libertadora, por meio de políticas de segurança mais humanizadas e que sejam transversais, perpassando as políticas educacionais, culturais, de esporte e lazer; é preciso garantir os direitos fundamentais para não precisar punir, retirando a liberdade. Em suma, é preciso construir um modelo de sociedade que crie mais escolas e espaços de socialização do conhecimento e da cultura e menos prisões.

André MouraRedução da maioridade penal: questão de justiça

André Moura

Deputado federal, é líder do PSC

O bom senso pede cautela ao legislador quando temas polêmicos são postos em discussão no Parlamento. A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, por exemplo, fomenta debates acalorados dentro e fora do Congresso Nacional, nem sempre baseados em premissas verdadeiras ou argumentação meramente plausível. Fui eleito presidente da comissão especial da Câmara dos Deputados cuja missão é discutir a emenda à Constituição, alterando a idade penal. Sou autor da PEC 57/11, apensada à PEC 171/93, primeira a propor a medida. Na comissão, tenho agido como magistrado, para permitir o embate de ideias e garantir o ponto e o contraponto.

Algumas questões: obviamente, a redução da maioridade penal não constitui solução plena para o problema da segurança no país. Mas faz justiça, e certamente contribuirá para diminuir os índices alarmantes e cada vez crescentes de violência. Ademais, dizer que o adolescente não tem discernimento ou maturidade suficiente para compreender a gravidade de um ato lesivo distorce a realidade. Este discurso poderia até servir para jovens da década de 1950 ou 1960, não aos de 2015. Nenhum menor de idade sai para praticar um assalto à mão armada, matar ou estuprar sem saber o que está fazendo. Ainda pior, além da plena consciência do ato criminoso, aproveita-se da lei.

Vivemos a impunidade quase absoluta. Um menor mata ou estupra e o Estatuto da Criança e do Adolescente determina internação compulsória máxima de três anos, aplicada como “excepcionalidade”. Legislação injusta. Neste tocante, os argumentos dos contrários à redução não se sustentam. Dizem, por exemplo, que apenas 1% dos homicídios é praticado por menores de idade. Qual é a fonte desse dado? Essa estatística é completamente falsa, fantasiosa. Se a polícia no Brasil identifica menos de 10% dos autores de assassinatos (média), como saber com precisão quantos são os crimes praticados por menores de idade? Seria necessário descobrir a autoria de todos os quase 60 mil homicídios cometidos ao ano para termos um dado seguro.

Os atuais sistemas de correção, baseados no ECA, não se mostram eficazes. São também “universidades” do crime. As estatísticas mostram uma alta reincidência nas unidades de ressocialização. O menor infrator cumpre uma pena ínfima e volta ao convívio da sociedade, ainda mais estimulado a cometer atrocidades, pois a sensação é a de que o crime compensa. É verdade, o ECA nunca foi cumprido. Mas devemos esperar que o seja para pensar na redução na maioridade penal? Os governos – tanto o atual quanto os passados – simplesmente ignoraram o estatuto? Onde estão as políticas públicas de cultura, lazer, esporte, educação integral e saúde para os adolescentes, sobretudo para aqueles que residem nas áreas de risco social comprovado?

Pesquisas de opinião pública mostram como a redução da maioridade penal está entre as questões mais prioritárias nos anseios da sociedade. Exatamente por causa disso, a Câmara dos Deputados não pode deixar de discutir e legislar só porque a proposta é polêmica. Dentro da atual realidade do país, se a opção for colocar adolescentes autores de crimes hediondos em uma penitenciária ou deixá-los soltos para praticar crimes, fico com a primeira opção. Quanto ao argumento de que esses jovens, ainda em formação de caráter, dentro de penitenciárias seriam recuperados em um número menor, podendo inclusive aumentar os índices de violência ao obterem a liberdade, enxergo-o mais pelo ponto de vista ideológico, dentro dessa visão do politicamente correto tão em voga na atualidade, do que propriamente pela ótica médica.

É verdade que ninguém se torna mais maduro ou adquire maior discernimento apenas porque completou 18 anos de idade, mas o debate por vezes chega às vias do patético: o adolescente pode escolher o prefeito da cidade, o governador do Estado e o presidente da República, contudo, se mata ou estupra, a legislação brasileira o considera ainda despossuído do completo desenvolvimento mental, até que alcance a maioridade. Ou seja, o critério meramente biológico é arbitrário e inadequado. Defendo na minha PEC a adoção do princípio biopsicológico, com a avaliação de cada caso por uma junta médica e jurídica que indicaria se o menor de idade acusado de um crime hediondo tem ou não plena consciência da gravidade, e aplicar a pena devida.

Já para o argumento de que a redução é inconstitucional, quatro ministros do Supremo Tribunal Federal já sinalizaram que a maioridade penal não é cláusula pétrea, podendo, assim, ser modificada. Os ministros Marco Aurélio Mello e Teori Zavascki foram taxativos. Já os ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli fizeram declarações indicando que o Congresso pode, sim, discutir o tema. Como presidente da comissão, mesmo favorável à proposta, minha missão é garantir aos contrários os meios para defenderem seus argumentos e tentar, pela via democrática, mudar a posição dos parlamentares favoráveis. Temos até 40 sessões na comissão para deliberar sobre a matéria. O presidente Eduardo Cunha já comunicou que, cumprido esse prazo, vai levá-la para votação em plenário. Ou seja, a decisão sairá necessariamente ainda neste ano.

Vídeo gravado em 25/04/2015, das 11hs às 12hs, no calçadão da João Pessoa, Aracaju/SE.

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