Dedicado a Maria Diná Meneses, Tereza Prado, Mário Cabral, Murillo Melins, Maria Vanilúcia dos Santos Santana e a Joseane Batista Santos, em 2008, a professora Maria Nely Santos Ribeiro publicou o opúsculo “Aracaju: um olhar sobre sua evolução”. À época, ela lecionava, além de outras disciplinas, Métodos e Técnicas de Pesquisa Histórica, se reinventando como professora e pesquisadora na Universidade Tiradentes. Lembro de reencontrá-la em Lagarto, numa das inúmeras visitas que fez com seus alunos a várias cidades sergipanas, e me vi diante de uma Nely cheia de vida e de entusiasmo, como se estivesse começando a carreira naquele momento.
Na dedicatória que me fez do referido livro, assim se expressou: “Querido Claudefranklin, obrigada, seja feliz e vitorioso em suas ações”. Àquela época, eu vinha de um trabalho bem-sucedido à frente do Curso de Licenciatura em História da extinta Faculdade José Augusto Vieira. Já estava às voltas com meus preparativos para o concurso para professor do Curso de Museologia da Universidade Federal de Sergipe. Ironia do destino, no ano seguinte, eis que tomava posse no Departamento de História, onde a conheci e aprendi a amar, em 1991, apesar dos rompantes típicos de sua personalidade dura e ao mesmo tempo amável e afetuosa.
Com Maria Nely, aprendi a ser mais focado em meus estudos e a amar a pesquisa histórica. Foi ela quem me apresentou as possibilidades de estudar a vida e obra do médico e educador sergipano, filho de Aracaju, Manoel Bomfim (1868-1932), tema com o qual produzi a primeira monografia da história do Curso de Licenciatura em História da UFS e uma dissertação de mestrado em Educação, também por aquela instituição, cuja primeira edição em livro foi publicada em 2012 e a segunda, no prelo, pela editora CRV. Doravante, Bomfim não saiu da minha vida e vira e mexe revisito suas ideias e seu legado para escrever alguma coisa.
Biógrafa de Maria Thetis Nunes, com “Professora Thétis: Uma Vida” (1999), Nely também escreveu “Sociedade Libertadora Cabana de Pai Thomaz”, em 1997. Mestra em História do Brasil pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), foi uma das mulheres negras mais representativas da UFS e, mais de perto, do Departamento de História, onde foi professora por muitos anos, tendo ocupado as funções de chefe e coordenadora, e dedicando seu talento de historiadora a temas como “História Econômica”, “Invisibilidade de negros e negras na Historiografia Sergipana”, “Escravidão em Sergipe”; “Resistência negra em Sergipe”; além de “Luta contra o racismo e em defesa da cultura afro-brasileira”, o que lhe valeu a “Comenda Abdias Nascimento”, conferida pela Assembleia Legislativa de Sergipe, em maio de 2018, entre outros importantes reconhecimentos públicos, a exemplo da menção de seu nome entre as mulheres cientistas negras no Brasil, pela Revista Ciência Hoje, também naquele mesmo ano.
Este breve release está longe do tamanho e da importância de Maria Nely para a história e para a historiografia sergipana, mas traduz em boa medida a necessidade de, neste dia em que celebramos mais um aniversário da cidade de Aracaju (168 anos), pensarmos e refletirmos a capital e Sergipe sob a ótica de uma mulher que fez da sua vida um devotado gesto de amor à educação e à pesquisa. E, nesse sentido, é que recomendo a leitura de “Aracaju: um olhar sobre sua evolução”, antes de tudo, didático, preciso e bem fundamentado.
Dividido em dez tópicos, “Aracaju: um olhar sobre sua evolução” é uma grande oportunidade para conhecer a história de um lugar que foi de Povoado Santo Antônio do Aracaju na Barra do Cotinguiba” à Cidade de Aracaju, no dia 17 de março de 1855, contra tudo e contra todos, menos contra o olhar visionário de Inácio Barbosa. Apoiada em documentos e numa dezena de referências biográficas da historiografia sergipana, a exemplo de Terezinha Oliva, Lenalda Andrade, Sebrão Sobrinho, Luiz Antônio Barreto, entre outros, nos transporta pela história, singrando os principais momentos da mais nova capital do país, para a qual não deixou de lhe dedicar dois significativos capítulos sobre a escravidão urbana e sobre personagem da cultura afrodescendente na cidade, notadamente, mulheres negras, como as “negras de tabuleiro”.
E nesse afã de ver Aracaju é que Maria Nely Santos nos convida a fazer o exercício de olhar a cidade para além de pensá-la: “(…) Olhar Aracaju é prestar atenção nas transformações da cidade (…) é buscar a História da cidade refletida nas marcas antigas que a cada dia menos se vê” (p. 9).
Passados 15 anos de sua publicação, “Aracaju: um olhar sobre sua evolução” segue sendo um convite a olhar a cidade, mas também a senti-la e cultivá-la no sentido que o verbo cuidar possa melhor expressar. Cidade que para além de ostentar a condição de ter um dos melhores índices de qualidade de vida do país, encantadora e abraçada pelo rio e pelo mar, precisa ser mais humana e abraçar seu povo trabalhador, sobretudo aquelas pessoas invisíveis e invisibilizadas, carentes de dignidade, de diversão, segurança e toda uma série de necessidades materiais que poderiam fazer de sua essência ainda mais leve e feliz.
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(*) Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal Sergipe.