quinta-feira, 21/11/2024
cinema
Herói de Guerra - com Dayo Okeniyi Imagem: Reprodução/ Netflix

Escravidão, secessão e liberdade

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Claudefranklin Monteiro Santos
Claudefranklin Monteiro Santos (*)

Que os Estados Unidos da América são dados a fazerem uso do cinema como uma eficiente propaganda de identidade nacional e até mesmo de imposição de sua pretensa cultura universalista, isso é fato. Por estes dias, por exemplo, vi o filme “Era uma Vez em… Hollywood” (2019), com Brad Pitt e Leonardo de Caprio, e me certifiquei ainda mais da presente assertiva, mote para a reflexão que pretendo fazer na presente crônica, tendo como tripé a escravidão, a secessão e a liberdade.

E, nesse sentido, não me vali, o que talvez fosse natural, da análise de “E o vento levou” (1939), ou mesmo de outros títulos e tempos, tais como: “Gettysburg – Anjos Assassinos” (1993); “Deuses e Generais (2003); “O Conspirador” (2011); “Lincoln” (2012); e “Um Estado de Liberdade” (2016). Preferi fazê-lo na perspectiva da participação do negro norte-americano na Guerra de Secessão (1861-1865), que teve como um de seus desdobramentos o fim da escravidão nos EUA, no dia primeiro de janeiro de 1863, pela chamada Lei de Emancipação dos Escravos, ratificada mais tarde pela 13ª Emenda Constitucional, em 1865.

É fato que, embora baseado em fatos reais, os três filmes aos quais me dediquei também sofrem distorções recorrentes da realidade histórica. Mas, em comum, neles pude observar a necessidade de pensarmos sobre o protagonismo no negro no conflito, para além de massa de manobra ou de uso em joguetes políticos e comerciais. São eles: “Tempo de Glória” (1989); “Herói da Liberdade” (2020); e “Harriet” (2019), este último o meu preferido.

Tempo de Glória – Denzel Washington (centro)

Dos três, “Tempo de Glória” apresenta o melhor elenco de autores e atrizes por metro quadrado de set de filmagem, nada mais, nada menos que Denzel Washington (Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, em 1990) e Morgan Freeman, só para citar os mais notáveis atores negros de todos os tempos, afora o protagonista, Matthew Broderick, que se tornou célebre pelo filme “Curtindo a vida adoidado” (1986). Dirigido por Edward M. Zwick, o filme conta a história da primeira unidade da Guerra de Secessão, composta por afrodescendentes, comandados pelo lendário coronel Robert Gould Shaw (1837-1863), morto com seus soldados na Batalha de Fort Wagner. Apesar do fim trágico, o episódio entrou para a história do conflito civil norte-americano pois transformou a “54ª. Massachusetts Volunteer Infantry” em exemplo de coragem e de determinação, inspirando a muitos, sobretudo a outros soldados negros.

“Herói da Liberdade”, juntamente com “Harriet”, é dessa nova leva de filmes sobre a Guerra de Secessão que procura dar visibilidade aos negros no conflito. Protagonizado pelo excelente ator, Dayo Okeniyi, conta a história do herói negro de guerra, Shields Green, o “Imperador”, e a sua luta não somente por liberdade, mas, sobretudo, para garantir dignidade ao futuro de seu filho, depois que este perde a mãe numa fuga das terras dos donos severos e inescrupulosos. É a estreia como diretor do cineasta Mohammed Mark Amin (iraniano-americano). Para o crítico de cinema Alexandre Guglielmelli, “Herói da Liberdade é uma épica história de superação e luta, perfeita para quem gosta de filmes inspirados em eventos reais”. Eu assino embaixo.

Harriet – Cynthia Erivo (centro)Imagem: Reprodução/Netflix
Harriet – Cynthia Erivo (centro)  Imagem: Reprodução/Netflix

Por fim, “Harriet”. Um primor de filme, estrelado e protagonizado por Cynthia Onyedinmanasu Chinasaokwu Erivo, filha de pais nigerianos, natural da Inglaterra, que além de atriz é também cantora e compositora. Cynthia Erivo faz o papel de Harriet Tubman (cujo nome de batismo era Araminta “Minty” Ross, 1822-1913), abolicionista e ativista afrodescendente que marcou não somente a história da Guerra de Secessão, mas também história das causas sociais contra a escravidão e contra o racismo. Pelo papel, Erivo foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 2020. “Harriet”, para mim, é um filme injustiçado pela Academia de Cinema. Sem exagero, o tempo dirá a sua devida importância enquanto produto cinematográfico, mas também enquanto um daqueles filmes que entra para história por sua força épica e pelas motivações políticas em seu entorno, que assim como os demais, lutam por restaurar a verdade na história da escravidão nos EUA, em particular na Guerra de Secessão, notadamente contada por brancos.

 

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(*) Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

 

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Sobre Claudefranklin Monteiro

Claudefranklin Monteiro Santos
Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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