Por Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)
Saudade do tempo que se tinha tempo. De quando o tempo não era inimigo. Hoje, todos corridos, eu no meio, reclamando da falta de tempo para realizar pequenas coisas que dão prazer. Parece que o tempo acelerou, quando na verdade somos nós que estamos passando rápido: envelhecendo, adoecendo e morrendo. O tempo sem se preocupar comigo segue seu curso. Talvez, rindo de mim.
Sou antigo, do tempo em que as roupas descosturadas eram cerzidas à mão, e as brancas sujas, lavadas com sabão em barra e boneca de anil (alguém se lembra?); depois colocadas nos varais para quarar. Um dia todo pra lavar roupas! Não havia pressa.
Saudade de quando as frutas eram apanhadas no pé e comidas ali mesmo, sem precisar lavar. Acho que tínhamos mais anticorpos naquela época. E escalar mangueiras e cajueiros era nosso maior desafio. De quando os encontros e sorrisos não precisavam ser registrados, e sobrava mais tempo para prosear. De quando as coisas não tinham que ter propósito ou se preparar pra vencer na vida. Tempo de jogar pedras na rua ou na água pra ver quem jogava mais longe, disputar corridas descalços na terra, descobrir formas nas nuvens… eram passatempos simples, que se perderam no tempo.
Saudade de quando a única pressa era de comer rápido a fim de voltar pra rua para brincar. Lembro empinando papagaio, que eu mesmo fazia, com varetas de bambu, coberto com papel de seda, rabo com linha e bolas de algodão. O cerol era feito com vidro socado em lata de leite Ninho. Lembro brincando de pião, puxando a corda, o pião a girar; de bolinhas de gude coloridas, em três barrocas feitas com o calcanhar. De brincar com xuxo, após a chuva, fazendo desenhos no chão molhado. De jogar bola no asfalto quente, e o solado do pé ficar cheio de bolhas.
E, para dormir, passar pasta de dente para aliviar a dor. Lembro de ter frieira entre os dedos dos pés e coçar no punho da rede. Acho que não existe mais frieira no mundo. Nunca mais ouvi alguém falar que ainda tenha frieira. E bicho de pé? Meu avô Agripino, enfermeiro prático, lá em Rosário, esquentava a agulha na chama da vela para esterilizar, e depois espremer para o bicho sair.
Lembro da casa de meus avós paternos, no Sítio do Físico. Do cheiro da comida no fogão a lenha, feito por minha avó Olindina. Do almoço colocado de manhã bem cedo, pra cozinhar devagar. Minha memória gustativa tem sabor de passado. De como demorava entrar de férias escolares.
E o Natal? Demorava uma eternidade para chegar. Saudade da criança que achava que ia ser eterna, porque o tempo pra ela era amigo. O tempo nunca iria se desfazer de mim.
Lembrei de tudo isso, pois hoje vi garotos empinando papagaio, olhando para o céu, sem a mínima preocupação com os que passavam ao largo.
Ao observá-los, pensei: trocaria tudo o que sou, ou penso que tenho, para voltar a ser apenas um garoto.
“O tempo só anda de ida”, Manoel de Barros, poeta mato-grossense. Anda apenas para frente. Uma pena.