Por Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)
Cresci ouvindo falar em Henry Kissinger, o poderoso Secretário de Estado americano. Meu avô paterno Joaquim Felício Cavalcanti Silva, homem das letras, acompanhava a trajetória de Kissinger pelas revistas O Cruzeiro, Manchete e Realidade, e no programa de rádio “Voz da América”, no distante sítio do Físico, onde ele morava e eu passava férias escolares.
Henry Kissinger, um dos mais influentes nomes da diplomacia na segunda metade do século 20, morreu em sua casa no estado americano de Connecticut, na quarta-feira, 29/11. Enquanto escrevo, não foi divulgada a causa morte.
Dois fatos banais ajudam a dimensionar como a inteligência e habilidade de Kissinger foram grandes: nascido na Alemanha, e com forte sotaque estrangeiro que nunca superou, ele conseguiu ser o principal representante dos EUA, uma sociedade com forte tendência ao chauvinismo; judeu, tornou-se o mais poderoso integrante do governo de Richard Nixon, um antissemita.
Heinz Alfred Kissinger, seu nome original, foi capaz de vencer muitos obstáculos aparentemente intransponíveis para uma pessoa com sua história, quase sempre pela admiração que seu talento causava aos interlocutores.
Nascido em Furth, Alemanha, em 27 de maio de 1923. Sua família imigrou para os EUA em 1938, quando os rumos do Terceiro Reich de Adolf Hitler já estavam suficientemente claros.
Em 1969, com a chegada de Nixon ao poder, foi nomeado conselheiro de Segurança Nacional, assessor máximo do presidente para assuntos de política externa, depois de construir boa reputação como professor em Harvard e trabalhar como consultor em diferentes agências do governo americano.
São dessa época seus principais feitos e controvérsias. Ele é considerado um dos artífices de um período de redução de tensões com a União Soviética, em plena Guerra Fria. No mesmo ano em que assumiu, por exemplo, ajudou a formular as Conversas sobre Limites para Armas Estratégicas (Salt, na sigla em inglês), conferências e tratados entre as duas potências dominantes para acalmar os ânimos.
O maior crédito dado a Kissinger no período de oito anos em que comandou a política externa americana, entre conselheiro de Segurança Nacional e secretário de Estado (a partir de 1973), é a reabertura da China após duas décadas de isolamento que se seguiram à revolução comunista de 1949. Kissinger visitou o país de modo secreto em 1971 e, no ano seguinte, reuniu Nixon, conhecido anticomunista, com Mao Tse-Tung e Zhou Enlai — à época o líder chinês e seu primeiro-ministro — dando o pontapé para que o país viesse a se transformar na superpotência que é hoje.
Mas as controvérsias que, para alguns analistas, dão-lhe o título de criminoso de guerra não são menores que os feitos. Ele autorizou bombardeios americanos ao Camboja, no contexto da Guerra do Vietnã, entre 1969 e 1973, que deixaram 150 mil civis mortos, segundo estimativas mais conservadoras.
Sob sua bênção, a CIA de Nixon auxiliou militares chilenos a desestabilizarem o governo de Salvador Allende desde a posse, em 1970. O golpe de fato, três anos depois, pelas forças de Augusto Pinochet, deu início a uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. No continente, Kissinger também apoiou o golpe de 1976 na Argentina, bem como a Operação Condor, que criou uma rede para operações coordenadas de repressão nas ditaduras do Cone Sul, que incluíam ainda Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai.
Mesmo assim, Kissinger recebeu um Nobel da Paz em 1973 pelas negociações pelo fim da Guerra do Vietnã junto ao vietnamita Le Duc Tho. A láurea, porém, foi considerada uma das mais questionadas da história da premiação, provocando a renúncia da comissão avaliadora.
Suas visões pragmáticas continuam a ressoar. No ano passado, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, viralizou na internet um texto que ele escreveu em 2014 para o Washington Post, à época da anexação da Crimeia, em que argumentava que a Ucrânia não deveria ingressar na Otan.
Há quase meio século fora do poder, Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos EUA, que morreu aos 100 anos, afinal, era gênio da diplomacia ou criminoso de guerra? Para o historiador Luke Nichter, professor da Universidade Chapman e especialista no governo Richard Nixon(1969-1974), “não é preciso escolher um lado; ele pode ser herói e vilão ao mesmo tempo”. O que faz de Kissinger influente até hoje é que foi, “goste-se ou não, o secretário de Estado mais relevante da história moderna dos Estados Unidos, alguém que ajudou a criar o mundo em que vivemos hoje”.
Em um mundo tão carente de líderes, o longevo Kissinger deixa seu nome como um dos mais influentes pensadores e diplomatas dos últimos tempos.