sexta-feira, 22/11/2024
Jéssica Vitória Canedo, 22 anos, morreu após ser alvo do perfil de fofoca Foto: Redes sociais

A morte e a morte de Jéssica Vitória!

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Por Rocelito Paulo Pinto (*)

 

“De tanto ver triunfar as nulidades;

de tanto ver prosperar a desonra,

de tanto ver crescer a injustiça,

de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,

o homem chega a desanimar-se da virtude,

a rir-se da honra

e a ter vergonha de ser honesto.”

Rui Barbosa.

 

 

… Era dezembro, quase Natal…

Era para ser as comemorações

De um Divino Nascimento,

Mas um sofrimento fatal

Alterou o curso da história

Torturou uma juventude,

Calou uma voz:

Matou-se e mataram Jéssica Vitória

Assassinando as muitas expressões

De humanidade que deveriam existir em todos nós…

 

Paradoxal encontro de fatos:

Um suicídio…

Incontáveis assassinatos!

 

… Era para ser rede social:

Canal de aproximação de pessoas, ideias e ideais…

Um mundo mais leve, mais célere

Se fosse apenas um mundo de pessoas normais…

Mas a rede abriga todo tipo de gente

Gente boa e gente insana…

Gente de virtudes e gente sem moral…

Gente de expectativas e gente ambiciosa…

Gente sonhadora e gente desumana…

Gente de talento e gente invejosa…

Gente que é gente igual a gente

E gente que é pior que animal…

Gente sem alma, gente sem coração…

Matou-se e mataram Jéssica Vitória

E por celebrarem a maledicência,

Assassinaram a liberdade de expressão…

 

Inominável encontro de fatos:

Um suicídio…

Incontáveis assassinatos!

 

… Era para ser uma página de saúde:

Oportunidade de aprender

Que depressão é doença

Que afeta gente de todas as idades

Na infância, na velhice ou na juventude…

Depressão às vezes precisa de remédios

Mas sem dúvida alguma

Precisa sempre de apoio, fraternidade e atenção…

Ninguém pede para ter depressão

Mas quem a tem, grita em silêncio

Que precisa de compreensão…

Depressão é uma excelente ocasião

Para que demonstrem o que é ser humano

Estendendo, com amor, a mão

Para acolher a dor em um abraço

Onde se transmite o calor do coração,

Ou usar a palavra para comunicar alegria,

Estimular a vida e minimizar a solidão…

Depressão é uma dor que não se suporta sozinho

Porque dói na alma o que não dói só no corpo

E que dilacera o peito na mais fina crueldade

De se ouvir da sugestão alheia

Que é uma dor sem motivo e sem necessidade…

Matou-se e mataram Jéssica Vitória

E para celebrarem um fuxico

Assassinaram o sentimento de solidariedade…

 

Desumano encontro de fatos:

Um suicídio…

Incontáveis assassinatos!

 

… Era para ser um artista

Mas por sê-lo, condenam-no a uma prisão…

Como se o artista não pudesse viver

Como se o artista não pudesse se relacionar

Como se o artista não pudesse ter amigos…

Como se o artista não pudesse ter dor de barriga,

Como se o artista não fizesse sexo

Como se o artista não fosse sofrer

Como se o artista não fizesse cocô…

Por causa do sucesso de um artista

Persegue-se sua privacidade

E quando não encontram pautas

Que alimentem suas páginas em branco

Criam fatos, fomentam intrigas,

Fabricam conluio, pirotecnizam complô…

Transformam fato simples em ato complexo

E proliferam colônias de néscios

E prosperam a banalidade…

Matou-se e mataram Jéssica Vitória

Mas para cultivarem uma detração

Assassinaram a verdade.

 

Insidioso encontro de fatos:

Um suicídio…

Incontáveis assassinatos!

 

… Era para ser um pedido de socorro…

Foi tratado como desprezível redação!

Foi ignorado com deboche…

Foi despojado como casuísmo…

Matou-se e mataram Jéssica Vitória

Mas para priorizarem a futrica

Assassinaram o jornalismo.

 

Imponderável encontro de fatos:

Um suicídio…

Incontáveis assassinatos!

 

… Era para ser um alerta de cidadania

A morte de um sorriso juvenil

No qual a sociedade demonstrasse sua serventia…

Mas não houve clamor das feministas

Não houve nota na mídia profissional

Não houve queima de pneus

Não houve especialista defecando pela voz

Não houve sirenes às seis da manhã

Nem houve o Japonês da Federal…

Só uma nota de escritório de Advocacia

Que abandonou a causa logo após…

Só houve gritos por uma nova lei

Que regulasse as redes sociais

Como se já não existissem Leis

Que regulassem o seu uso

E coibissem sua displicência…

Matou-se e mataram Jéssica Vitória

E por estrelarem a discórdia

Assassinaram a consciência.

 

Imperdoável encontro de fatos:

Um suicídio…

Incontáveis assassinatos!

 

… Era para ser um manifesto da civilização

Mas a humanidade retornou à Idade Medieval

Nas cavernas da rede social…

Modernizaram apenas os títulos:

Inquisição: chama-se cancelamento!

Blasfêmia: denomina-se fake news!

Discordância: virou desinformação!

Crença: substituída por ideologia

Respeitabilidade: simples contagem de views!

Sarcedócio: mera vocação para bajulação

Reputação: recorte de quantidade de seguidor…

Matou-se e mataram Jéssica Vitória

Mas como evidência dos fatos não tem vez

Assassinaram a honradez!

 

Egocêntrico encontro de fatos:

Um suicídio…

Incontáveis assassinatos!

 

A morte desta jovem

É o grito de uma sociedade doente…

É o sintoma de uma educação falida…

É a agonia de uma humanidade descrente…

É a inanição da liberdade e da vida…

É o escárnio de uma gente demente…

Que se queria um dia, encontrar a glória,

Vai carregar pelo resto da sua infeliz vida

No print da página de sua consciência virtual

A morte e a morte de Jéssica Vitória.

 

Que o Sábio Criador,

Supremo Arquiteto do Universo,

Acolha em oração os nossos versos

E transforme sua dor em remissão

E mantenha viva a sua memória

Como uma luz sobre as esperanças

Eternizando o seu sorriso de criança

Em esplendor colossal

Como assombro aos soberbos

E como espinho à garganta dos maus…

O seu silêncio agora gritará

Em nome dos seres que ainda são humanos:

Você vive para sempre

Jéssica Vitória!

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Sobre Rocelito Paulo Pinto

Rocelito Paulo Pinto
(*) Militar, filósofo, torcedor da Estrela Solitária, apaixonado pela vida e amante da liberdade, Fluminense por acidente, sergipano por opção.

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