Por Léo Mittaraquis (*)
“Guardar um bom vinho para as próximas gerações torna-se não apenas uma dádiva ao futuro, mas uma homenagem ao próprio vinho e uma prova de confiança no presente.
Sérgio de Paula Santos
Impossível não concordar com o prefaciador deste livro, Renato Ratti, quanto ao status do autor: “uma pessoa realmente culta e apaixonada”. Ambos, Ratti e De Paula Santos, já são falecidos. O primeiro, Renato Ratti, foi um viticultor que fundou a vinícola que leva o seu nome em 1965. Ratti viveu no Brasil entre 1955 e 1964, trabalhando como enólogo. Em 1970, Ratti foi o primeiro a identificar e classificar os vinhedos de Barolo. Ele também foi um dos primeiros produtores a valorizar o terroir do Piemonte. O segundo, De Paula Santos, foi médico, enófilo e escritor.
Em 1990, um ano após a publicação pela Melhoramentos, este livro chegou às minhas mãos. Obra de aparência gráfica despretensiosa. A composição de capa um tanto sofrível. Mas o leitor é amplamente recompensado pelo riquíssimo conteúdo.
O título, parecerá, ao desavisado, um tanto redundante. Afinal, a bebida está no DNA de quase tudo aquilo que vem da criação humana: ideias, costumes, leis, crenças, alimentação, poesia, lenda e até as vestimentas. A história da humanidade, de alguma maneira, é a história do vinho.
Mas o termo “cultura”, do qual se vale Sérgio de Paula Santos, refere-se ao cerne da nossa Tradição Ocidental, mediante o qual se leva em consideração o respeito pela ordem e pela estrutura estável. A marca agrícola na base das civilizações, a pressupor, coerentemente, que ao saber-se ser humano, participar de uma comunidade, ou, se quiser, tornar-se um anacoreta, requer algum nível de eficiência e prática.
O autor, com o termo “cultura” refere-se à valorização dos fatores naturais que influenciam, radicalmente, na produção de vinho. E esta exige submeter-se às técnicas, às regras e à ordem. Por consequência, a formação espiritual se beneficia. O vinho traz, consigo, manifestações estéticas. Quem o bebe, caso detenha o dom da reflexão acurada, saberá o que bebe e o motivo que o leva a bebê-lo. Sente-se confortável, feliz, capaz de organizar seu belo mundo em unidades controláveis do bem e do bom.
O livro é composto por dezoito temas, a abordar desde o Vinho do Porto até os leilões dedicados à báquica bebida. Tão amplo leque comprova, então, a cultura do enófilo. De Paula Santos sabia muito, conhecia muito e em profundidade. “Vinho e Cultura” leva a sério os dois substantivos. O autor demonstra amar muito o primeiro e deter o segundo à excelência.
Seu especial amor, por exemplo, pelo Champagne, torna-se explícito ao leitor no capítulo três, intitulado “Em Terras Gaulesas”. Já no primeiro parágrafo declara Sérgio de Paula Santos: “Nunca será demais falar do champagne e nunca será demais bebê-lo. Poderá ser no café da manhã, antes do almoço, durante este, à tarde, como aperitivo, no jantar, no meio da noite – sempre será ‘a hora do champagne’. A cada décimo de segundo espoca, em alguma parte do mundo, uma rolha de champagne”.
Amor e humor, bem equilibrados como bons vinhos tintos, brancos, rosés, moscatos (os preferidos das abelhas) ou espumantes.
“Vinho e Cultura” oferece ao leitor, se este dispor de inteligência e sensibilidade para notar e compreender, a oportunidade de usufruir desta bebida em particular, valorizando um produto que se encontra entre nós há séculos e séculos. Doravante, se tocado, buscará com mais cuidado e admiração pelo sabor complexo e pelo importante papel do vinho nas culturas de todo o mundo. Adquirirá uma visão geral da história e da tradição do vinho. Saberá da sua produção em diferentes regiões do mundo, bem como sobre os costumes e celebrações relacionadas.
Acompanhar o legado de pesquisa e provas empíricas levado a efeito pelo autor é tomar consciência, ou consolidá-la, de como a história do vinho, em todo o mundo, inclusive no Brasil, é rica e fascinante. E de um mero curioso, passará a ser um amante apaixonado, ciente de que sempre haverá muito o que aprender sobre esta bebida icônica.
Santé!