Por Germano Viana Xavier (*)
Em seu terceiro livro de contos, intitulado de NINGUEM DETÉM A NOITE (Confraria do Vento), o garanhuense Nivaldo Tenório, autor do bem cotado DIAS DE FEBRE NA CABEÇA (2012), faz aquilo que em seu livro anterior já havia, diria, iniciado, como quem repercute uma marca pessoal e a expande: a fabricação ou composição do conto em camadas.
Da mesma forma (ou com a mesma fórmula), as narrativas são curtas e circundam temas cotidianos, com toques enxutos de realidade fantástica, quase que imperceptíveis. A morte entra como pano de fundo central e a noite engloba boa parcela de seu simbolismo. Doenças, fragilidades de corpo e alma, fraquezas de conduta, amarguras e dissabores formam o arco-íris pintado em tons de cinza do livro do escritor pernambucano.
Como em DIAS DE FEBRE NA CABEÇA, tudo aparenta estar em seu lugar. Mas não se engane, leitor. Ao menor sinal, perdemo-nos nos finais sem fim dos contos de Tenório. Fragmentados, somos atraídos por um imã-maior como cacos e, só assim, seguimos adiante na leitura. Uma pequenina coletânea de abismos é o que Tenório nos oferta neste livro. Os contos, formulados em pequenas cadências, com diálogos internos ou não, formam uma geometria avulsa, completamente organizada, mas indefinida a partir de sua respectiva angulação final. O olhar de Tenório sobre o básico e sobre o essencial da vida é o de quem sonda o imprevisível com respeito e arguta paciência.
O autor desvia o leitor do caminho comum à medida que nos informa sobre outros mil nadas por demais preciosos. Cada mínima camada de suas fabulações é uma nova dúvida instaurada, um novo segredo camuflado, uma nova observação momentânea que se realiza dentro das miudezas e das minúcias das narrativas. Algumas imagens podem turvar o campo de visão do leitor mais desatento, como uma tartaruga que morre durante um passeio familiar em plena ditadura. É um livro triste, denso, duro, cru, cruel, que não tem pena de seu interlocutor.
Assim se formou a verve de Nivaldo Tenório, sabedor astuto de que é na vida, dentro dela propriamente dita, que nós criamos feito bichos, que nos desenvolvemos feito astros, dentro dela que aprendemos a desaprender submissões e a desatar os nossos grilhões. Em Tenório há sempre um suicídio prestes a acontecer, tão provável que quase não mais assusta, pois é ele tão próximo que tende a ser a única certa defesa com a qual suas personagens podem contar quando necessário.
A mensagem é a de fim de percurso, a de que o homem (todos nós, inclusive eu e você, amigo leitor deste blog) não tem mais para onde correr. Não há mais força nas pernas nem picadas a abrir nos matagais de pedra das cidades. A luz do dia ofuscou nossa derradeira esperança e ninguém, absolutamente ninguém, parece ser ágil o suficiente para deter a noite eterna das civilizações.