Por Luciano Correia (*)
Nesses dias deixei o litoral para mergulhar no interior do Nordeste, dessa vez a propósito de ir a Campina Grande ver meu time jogar, com um pit stop de dois dias em Caruaru. Desde um pouco antes da pandemia, fiz esse percurso mais de uma dezena de vezes, sobretudo o roteiro que inclui Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe e Toritama. Não se trata ainda de um Nordeste profundo, levando em conta outras microrregiões desses dois estados muito mais intensas, do ponto de vista do clima, da geografia e da cultura, mas, de qualquer forma, difere muito da cultura dos nossos litorais, um outro Brasil tão pasteurizado que Milton Nascimento já cantava (ou denunciava?) há décadas.
Totalmente contra o fluxo, tenho sistematicamente ignorado praias e marchado para lugares como Petrolina, Juazeiro, Juazeiro do Norte, Recôncavo Baiano, Canudos, Caldas do Jorro, Paulo Afonso, Triunfo, além dos já mencionados. E quando digo que não dá pra enquadrar a maioria dessas cidades nas categorias de rincões tradicionais, que ainda guardam nos seus limites certos amálgamas do barro sertanejo que os forjaram, é porque se tratam de notáveis centros urbanos vivendo extraordinários surtos de desenvolvimento econômico. Em horários de muito movimento, a exemplo do final do dia e começo da noite, essas cidades se enchem das luzes dos carros e de suas largas vias, numa elétrica movimentação que dá conta de sua transformação em verdadeiras metrópoles.
São centros regionais dotados de enormes anéis viários, obras que só vemos nas maiores capitais, com viadutos, pontes e pistas duplicadas e com uma joia rara no país da indústria de multas e pouco planejamento: sinalização vertical e horizontal funcionando sob critérios técnicos. Nas estradas, idem. Enquanto nós mendigamos por recursos federais para terminar a duplicação de uma rodovia que já duram 30 anos, essas cidades são servidas de boas estradas, algumas duplicadas. No entorno de Caruaru a face árida das colinas está sendo tomada pelo verde de condomínios horizontais e espigões que furam o céu de cidades como Toritama, polo têxtil que acompanha o boom realizado por Caruaru e que hoje se espalha para Santa Cruz do Capibaribe, gerando empregos, tirando muita gente da pobreza, abrindo uma variedade de novos negócios e criando uma poderosa classe média e uma nova classe de ricos que moram em apartamentos tão sofisticados como os encontrados na região dos Jardins, em São Paulo.
O Futebol
Futebol, como digo sempre, é muito mais do que a peleja nas quatro linhas e a paixão das arquibancadas. É também uma questão de identidade, onde as pessoas, na falta de outros fatores de coesão social, se encontram nas cores de um time. Num país de fraca cidadania, com instituições apodrecidas e cada vez mais obsoletas, nada mobiliza as multidões. Como dizia um antigo poeta de rua nos muros de Aracaju: “só uma bola me consola”. É claro que ele aí estendia a dimensão para outras bolas, sobretudo as que abrem as portas da percepção. E foi movido por esses sentimentos que me joguei na estrada para ver com meus olhos os 90 minutos de um espetáculo épico, desses que certamente só temos muito raramente. O Itabaiana representa a cidade onde fui viver ainda criança, começando ali uma relação de pura paixão, onde clube e cidade se confundem na mesma coisa. Em 1998 tivemos quase na Série B do campeonato brasileiro, e só não conseguimos por conta de uma pendenga entre jogadores e a diretoria, que na época foi intransigente em relação ao prêmio a ser pago aos vencedores. O resultado foi o que a história registrou: boa parte dos atletas passou a noite num fervilhante cabaré de Goiânia, entre copos e putas, preparando o terreno para a sonora goleada que tomamos do Anapolina por 5 x 0.
Nesse ano glorioso de 2024 fizemos uma campanha ascendente, competente, bem dirigida por um treinador carismático que tinha o time na mão. Os jogadores, por seu turno, diferente do que é comum hoje em dia, deram o suor com amor, como se todos fossem filhos da velha Itabaiana-Grande. E depois de dois mata-mata, fomos para o duelo final com o Treze de Campina, uma equipe valente, também bem treinada, com uma torcida feroz, no melhor e pior sentido. Passei maus bocados pra entrar no campo vestindo minha farda tricolor, que tive de tirá-la, para minha segurança. Na saída, após a épica partida que resultou na nossa classificação, vi os itabaianenses um a um zarparem do local em carros particulares enquanto eu sobrava cada vez mais solitário num terreno ermo e sombrio. Por sorte, a Polícia Militar da Paraíba garantiu a saída dos últimos tricolores com segurança e dignidade, uma simples ação administrativa que me fez redobrar a confiança e admiração por todo o povo e governo paraibanos. À exceção dos violentos torcedores do Treze, evidentemente, de quem ouvi desaforos e impropérios, dedos médios esticados e ameaças berradas em tom selvagem. Estamos na série C do Campeonato Brasileiro, se não ainda um paraíso, mas seguramente uma estação bem próxima. Para alegria e festa desse velho e cansado coração.