quarta-feira, 11/12/2024
Ritchi

Um abajur cor de carne

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

O título deste texto bem que poderia ser “Menina Veneno, Ritchie e outros sucessos”. Mas, preferi uma expressão que traduzisse um dos maiores fenômenos musicais dos anos 80, no Brasil. Uma espécie de febre daquele tempo, superando em crítica e em vendas grandes nomes, a exemplo de Michael Jackson, sem falar em Tim Maia e até mesmo Roberto Carlos: cerca de 1,7 milhão de cópias, sendo 1,2 milhão do LP e 500 mil do compacto “Voo de Coração”.

Era o ano de 1983, quando pude ouvir pela primeira vez o hit “Menina Veneno” pelas ondas da extinta Rádio Progresso AM 750 (Lagarto-SE), fundada naquele mesmo ano. Embora eu já tivesse o hábito de consumir LP, notadamente proporcionado por meu irmão mais velho, o saudoso professor José Cláudio Monteiro Santos (1958-2005), nossa principal fonte de informação e de consumo cultural era o rádio. Depois de algum tempo, consegui gravar um fita cassete com algumas da canções de Ritchie e outras tantas daquele inesquecível anos 80, que para Raul Seixas (1945-1989) foi uma “charrete que perdeu o condutor” (Álbum Abre-te Sésamo, 1980).

Richard David Court está com 72 anos. Nasceu em Beckenham (Inglaterra), no dia 6 de março de 1952. Por conta da profissão do pai, militar, precisou migrar para vários lugares, com passagens por Quênia, Dinamarca, Itália, Alemanha, Iêmen e Escócia. Foi na Alemanha que teve seu primeiro contato com a música, cantando em um coral de igreja. Embora a família o tivesse oportunizado bons estudos, aos vinte anos resolveu abandonar tudo para investir num carreira artística, primeiro como instrumentista.

Nesse ínterim, conheceu músicos e artistas brasileiros, a exemplo de Rita Lee, isto em Londres quando os Mutantes faziam uma excursão. Em 1972, a convite daqueles amigos, foi para São Paulo. A ideia era apenas passar férias, mas acabou ficando em definitivo. Montou uma banda, Scaladácida, e chegou a fazer alguns shows. O grupo durou apenas um ano e em 1973, na capital paulista, casou-se com a arquiteta Leda Zuccarelli, com quem teve as filhas Lynn e Mary.

Em 1973, mudou-se para o Rio de Janeiro. Até 1977, viveu às voltas de alavancar a carreira artística, mas sem êxito. Chegou a dar aulas de inglês para completar a renda. Entre seus alunos, a cantora Gal Costa (1945-2022). Aliás, Gal foi uma das primeiras e grandes incentivadoras de seu trabalho. Até 1980, resolveu abandonar a música, quando recebeu um convite do grupo Traffic, para retornar a Londres e participar da gravação de um LP. Retornou ao Brasil em 1982 e a partir de então, sua vida deu uma guinada de 360 graus.

Formou uma parceria com o letrista Bernardo Vilhena (75 anos), com o apoio do produtor Liminha, que havia conhecido em Londres nos anos 70, e contratado pela gravadora CBS, Ritchie estouro nas paradas de sucesso, como já disse antes. A canção “Menina Veneno” além de ter sido um abre-portas para ele, também foi o carro chefe de uma série de hits que até hoje são ouvidos.

Mas, o que é de tão especial que tem as canções de Ritchie? Como um cantor de origem inglesa, interpretando em Língua Portuguesa, fez tanto sucesso no Brasil? Começo pelo carisma do artista. Para a época, um moço de 30 anos, encarnava o jeito deslocado da juventude, o charme e a forma sedutora de interpretar as canções, além de inserir elementos novos às suas parte instrumental, com teclado e saxofone, além de uma pegada rock e latina. A ambientação com o nosso idioma foi incrível, cantando de forma fluente e sem sotaque britânico.

Afora tudo isso, as letras de seus principais sucessos caíram no gosto popular daquele tempo. Sou testemunha disso! São baladas românticas que traduzem o sentimento de um homem por uma mulher, imerso em simplicidade no melhor sentido da palavra, ideias compreensíveis e que despertam bem-estar, sensação de sorver a vida do que ela tem de melhor. Algumas vezes enigmáticas e discutíveis, como ‘o abajur era cor de carne ou de carmim’. Particularmente, chama a minha atenção versos como: “fico falando para as paredes até anoitecer”; “o telefone toca insistente”; “meias de seda brilham ao luar”; “finge que tanto faz”; “movimento lento de chegar”; e “como a chuva que vem te molhar, tirar as tuas dúvidas do ar”.

Ao longo de sua carreira, foram 11 álbuns, destes, destaque para os dois primeiros: “Voo de coração” (1983) e a “A vida continua” (1984). São canções que não saíram mais da memória musical do Brasil, a exemplo de “A Vida Tem Dessas Coisas”, “Casanova”, “Pelo Interfone”, “Voo de coração”, “Só Pra o Vento”, “Transas”, “Coisas do Coração”, “Parabéns pra você”, “Agora ou jamais”. Algumas delas foram temas de novelas.

Há quem diga que ele foi um sucesso de momento, como muitos que já tivemos e conhecemos, a exemplo da banda RPM. Ritchie não conseguiu manter a grande vendagem a partir de seu terceiro projeto em diante. Entretanto, fico com a opinião do jornalista carioca, Mauro Ferreira, que por ocasião dos 70 anos do artista anglo-brasileiro, em 2022, assim se expressou: “(..) nada tira o lugar de Richard David Court na música pop brasileira dos anos 1980”.

 

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Sobre Claudefranklin Monteiro

Claudefranklin Monteiro Santos
Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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