sexta-feira, 25/04/2025
Prêmio Sílvio Romero
Segunda edição da entrega do Prêmio Sílvio Romero

De Romero para Romero – uma tertúlia literária entre Sílvio e Abelardo

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

Na última terça-feira, 22, tive a oportunidade de participar da segunda edição da entrega do Prêmio Sílvio Romero, uma promoção da Academia Sergipana de Contadores de História (ASCH), ocorrida nas dependências do Auditório da Associação de Engenheiros Agrônomos de Sergipe (AEASE), Aracaju-SE. A convite da presidente da academia, Cláudia Stocker e do confrade Matheus Luamm, proferi a palestra que leva o título do presente artigo. Na oportunidade, também se fez memória aos 174 anos de nascimento de Sílvio Romero, patrono da ASCH. Prestigiando o evento, dois dos filhos de Abelardo Romero e também sobrinhos-netos de Sílvio, Patrícia Dantas e Abelardo Júnior.

Cláudia Stocker e Claudefranklin

Segue o texto na íntegra.

Em tempo recente, numa determinada oportunidade e lugar, uma grande personalidade da vida cultural sergipana foi deveras infeliz em dizer que Abelardo Romero não merecia nem o status de pré-modernista ou mesmo modernista e tão pouco deveria ser citado no panteão genético de Sílvio Romero. Afora isto, que ele se valeu do sobrenome Romero para ter uma notoriedade que jamais alcançaria se se levasse em consideração apenas a sua seara literária.

Para além de pontuar, de forma mais precisa, fundamentada e justa, esta assertiva — repito, infeliz, para não dizer muito infeliz —, a minha fala, nesta noite, quer não somente reafirmar a grandeza de Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero, mas também fazê-lo a partir de um dos seus mais significativos descendentes e herdeiros, com toda certeza, de sua obra e também de sua genealogia, qual seja Abelardo Romero Dantas.

Antes, permitam-me fazer um sobrevoo pela trajetória de vida e literária de Silvio Romero. Lagartense de nascimento, aos 21 de abril de 1851, migrou para o Rio de Janeiro com apenas 12 anos de idade, tendo se fixado, em definitivo na então capital federal do Brasil, onde se notabilizou como jurista, crítico literário, jornalista, historiador, filósofo e exímio e profícuo escritor. É autor, dentre tantas e marcantes obras, de História da Literatura Brasileira, lançada em 1888, como afirmei em artigo para a Revista do Memorial do Judiciário de Sergipe, em 2016: “(…) no olho do furacão dos turbulentos acontecimentos políticos, sociais e econômicos do país” (p. 334).

Se para muitos — por que não dizer para a maioria? — Sílvio Romero se transformou num dos maiores nomes da intelectualidade brasileira de todos os tempos, também ele, em vida e pós-morte, ocorrida no dia 18 de julho de 1914, aos 63 anos, teve que conviver com a pecha de racista — a meu ver anacrônica e injusta — de autossuficiente, presunçoso, combativo ao extremo, a ponto de trucidar qualquer um, seja quem fosse, sem dó e sem piedade, Foi o que aconteceu com personalidades como Machado de Assis, seu contemporâneo na Academia Brasileira de Letras, e com um de seus conterrâneos, a exemplo do médico e educador aracajuano, Manoel Bomfim, sobrando farpas, até mesmo, para aquele a quem mais amou e venerou entre seus pares, Tobias Barreto.

Dito isto, obviamente que de forma muito sintética, por não dispor de tempo suficiente para aprofundar um pouco mais a enorme personalidade de Sílvio Romero e de sua obra, passo a estabelecer um diálogo entre ele e seu sobrinho-neto, Abelardo Romero. Também lagartense de nascimento, aos 13 de junho de 1907, Abelardo igualmente se radicou no Rio de Janeiro, com exceção de sua morte, ocorrida em sua terra natal no dia 17 de março de 1979, no que é hoje o bairro Cidade Nova, onde recebeu amigos e confrades da Academia Sergipana de Letras, nos últimos anos de vida.

Sobre a questão da genealogia de Abelardo no clã dos Romero, a julgar pelos inúmeros trabalhos publicados a seu respeito, penso que não há o que se questionar. Aglaé Fontes, em trabalho organizado por Luiz Antônio Barreto em 2004 (Sílvio Romero e a Sergipanidade), não só confirma como ilustra isso entre as páginas 38 e 48, com um rico material iconográfico, do qual destaco a primeira imagem da página 44, onde Abelardo posa ao lado de Maria Romero (Santinha), irmã de Sílvio Romero, e de sua esposa, Maria Amélia Dantas. Portanto, é insignificante desqualificar a consaguinidade de ambos, no afã de enaltecer um e tentar desqualificar o outro.

Ainda sobre Abelardo Romero Dantas, valho-me, a seguir, de algumas considerações a seu respeito, não somente para situá-lo num cenário destacado da literatura sergipana, mas também brasileira. Isento-me, aqui, da condição de ocupante de sua cadeira, a número 6, na Academia Lagartense de Letras, como um de seus entusiastas e biógrafo, para que não me traia em razão disso ou que digam que faço esta fala tão somente por conta disso. Afora o fato de ser orgulhosa e bairristicamente lagartense.

Descobre poesia nos lugares comuns. Há poesia em tudo. Porque é a própria angústia do poeta – Deus perdeu-se no mundo! – que tinge de azul o comum das coisas. Poesia no vinho, como Khayam! Poesia no caos, como Tagore! Poesia nas casas, na areia, na folha, no grito do jornaleiro, na balaustrada que separa a terra do mar, poesia nos anúncios do bonde (Joel Silveira, em crônica datada de 1937, publicada no periódico Dom Casmurro (RJ), o classificando como “O maior poeta de Sergipe”).

(…) construiu uma bibliografia rica, desde que rompeu com os cânones poéticos dominantes, de poema de forma fixa, estrofe definida, rimado e metrificado, aderindo ao Modernismo de Filippo Marinetti. Ele publicou, nos jornais de Estância e de Aracaju, alguns poemas e promoveu, com o amigo e parceiro José Maria Fontes, uma Noite da Poesia Modernista, no cinema Guarany, em Aracaju, em 1928, perante um público nada amistoso para com as novidades literárias (Luiz Antônio Barreto, em aba do livro póstumo Limites Democráticos do Brasil – 2009).

Sobre a dúvida se Abelardo Romero teria ou não sido precursor do pré-modernismo em Sergipe e até mesmo classificado como um autor pré-modernista, penso que o trabalho recente de autoria de Edna Caroline Alexandria da Cunha Oliveira, põe por terra qualquer tipo de oposição ou, insisto em dizer, colocação muito infeliz. Refiro-me ao estudo A POESIA PRECURSORA DO MODERNISMO EM SERGIPE, tese de doutorado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (2022). Para a autora, essa faceta literária do outro Romero famoso está nas seguintes obras e eu, particularmente, assino embaixo: Trem noturno (1931), Vozes da América (1941), As rosas e o relógio (1949), A musa armada (1953), Exílio em casa (1955), O alegre cativo (1959), O passado adiante (1969), Visita ao rio (1978).

Em resposta ao crítico literário sergipano Jackson da Silva Lima, em 1969, assim se expressou Abelardo:

O movimento modernista se espalhara por todo o país, chegando ao extremo norte, e Sergipe continuava, todavia, em quarentena contra o contágio da inteligência renovadora. (…) Por essa época, já publicávamos versos no interior (…). Mas foi em Aracaju que, atendendo afinal a Filippo Marinetti, nosso ídolo distante, metemo-nos na guerra contra a velharia literária. (…) Por iniciativa de Fontes, e tendo o apoio maciço de estudantes, entre eles Luis e Carlos Garcia, realizou-se no cinema Guarani a nossa revolução. Por meio de recitativos e slogans, rebelamo-nos, então, contra a ordem poética mantida por Artur Fortes e Garcia Rosa [parnasianos extremos]. Os estudantes, colegas e amigos, tiveram que nos proteger à saída do cinema. Fomos ocorridos a pedradas, o que muito nos alegrou, uma vez passado o pânico. Pouco tempo depois, mudei-me para o Rio de Janeiro. Trazia comigo o manuscrito do Trem Noturno que foi lido pela primeira vez e aprovado pelo poeta Murilo Araújo (ROMERO, 1969, p. 2).

Para além de destacado poeta pré-modernista ou modernista, como queiram, Abelardo Romero foi um grande e conceituado cronista e crítico social, reconhecido em nível nacional, como autor dos seguintes livros: Origem da Imoralidade no Brasil, Chatô, A verdade como anedota, Heróis de batina, Limites Democráticos do Brasil e Sílvio Romero em Família, à qual dedicarei os últimos minutos de minha fala.

Sílvio Romero em Família foi escrita em 1958 e publicada por Abelardo Romero Dantas em 1969, dedicada à sua mãe, Maria Dantas Romero, e em memória dos escravos afrodescendentes Luis e Tia Antônia, da memória dos quais pode compor o referido livro. É um romance histórico, composto 11 pequenos textos, que nos apresenta um Sílvio Romero menos rabugento, crítico e grandioso; um Sílvio Romero com traços humanos e íntimos. Seja no que se refere ao tipo físico, seja de sua relação com Lagarto, também alvo, ao longo dos anos, de distorções, como a de que a repudiava e negava, questões que Abelardo também tratou de desmentir.

O livro também registra a última passagem de Sílvio Romero por Lagarto, consequentemente, por Sergipe, em 1894, quando sofreu uma acachapante derrota política, mas também onde conheceu a sua última companheira, em Aracaju, Maria Barreto (Mocinha). A obra é rica em destalhes sobre sua épica chegada ao seu torrão sertanejo, com uma curta estada por Estância, na casa da cunhada Yayazinha (esposa de seu irmão Emílio Romero). É possível saber da existência de um Sílvio Romero bem-humorado, que ficava muito à vontade diante de crianças e que passava horas conversando com escravos libertos. Fala de sua visita ao antigo engenho da família, o Moreira, quando lembrou da infância, para a qual Aglaé Fontes lhe dedica a expressão “Menino tangedor de sonhos”.

Como última informação, vale ressaltar que quando Sílvio Romero morreu, Abelardo tinha apenas 7 anos de idade e, que, portanto, não havia conhecido pessoalmente seu tio-avô afamado. Em Sílvio Romero em Família, além da curiosa pesquisa que rendeu um importante registro histórico e memorialístico, claro que ele, Abelardo, também na perspectiva de repórter, constata que a linhagem Romero seguiu e segue dando bons frutos, seja no campo da literatura, para citar, por primazia, ambos, mas também no campo do direito, do serviço público, da arquitetura, das artes, da cultura. Cito, a título de exemplo, Dr. Hernani Romero Libório, cujo centenário de nascimento celebramos desde o ano passado.

Nesse sentido, a grandeza de um não anula a importância do outro. Louvar a memória de Abelardo Romero Dantas e situá-la adequadamente no seu tempo, lugar e narrativa, também é fazer memória à grandiosidade do talento de Sílvio Romero, que, por muitos anos ainda, amemos ou o odiemos, continuará a ser mote de infindáveis discussões e contendas, das mais embasadas e frutíferas, até mesmo às infelizes e, no mínimo, mal colocadas, não se sabe ao certo por quê — mas nem por isso rechaçadas —, para o bem da História e da Cultura Sergipanas.

Patrícia Dantas e Abelardo Júnior, filhos do poeta Abelardo Romero

 

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Sobre Claudefranklin Monteiro

Claudefranklin Monteiro Santos
Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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