A 25ª Missa do Cangaço celebrada ontem, pelo padre José Valdinan, na Grota do Angico, em Poço Redondo, foi marcada por muita emoção, tristeza e um desabafo diante da “forma leviana como a história do cangaço está sendo propagada e escrita por pessoas que não conversaram com ninguém que viveu a história”, disse a jornalista Vera Ferreira, 67 anos, neta de Lampião e Maria Bonita, promotora da missa. A mãe de Vera, Expedita Ferreira, 89, estava com ela, mas não foi à grota.
O desabafo, que contagiou a todos, é pelo fato de a mídia chamar de “novo cangaço” o grupo de assaltantes que explode agências bancárias em cidades pequenas pelo Brasil. “O novo cangaço está no xaxado, nos bornais, nos bordados, nos grupos de bacamarteiros”, corrigiu o dramaturgo João Dantas, que participou do evento vestido a caráter. Ou seja, com a indumentária semelhante a dos cangaceiros.
Vera Ferreira fez uma crítica às redes sociais que “só trazem porcarias com esses alpinistas do cangaço”, e pessoas que querem “julgar a história, sem nunca ter lido”, referindo-se a uma série de informações distorcidas que são propagadas sobre Lampião e o cangaço. Ela lamentou que a educação no país seja “zero”, afirmou que a missa e o ato são atividades culturais e não político-partidária. E fez questão de corrigir algumas inverdades que contam sobre Lampião. “Diziam que meu avô bebia uísque White Horse, usava perfume francês e que o chapéu de cangaceiro foi inspirado no chapéu usado por Napoleão Bonaparte”, lamentou.
Outra informação distorcida e que foi duramente criticada por todos, foi a propagada pelo Programa Fantástico, da Rede Globo, no quadro “Avisa lá que eu vou”, apresentado por Paulo Vieira. Ele disse que Lampião e Maria Bonita foram mortos em Piranhas, cidade alagoana que faz divisa com Canindé do São Francisco, Sergipe. O professor de Geografia, Orlando Carvalho, protestou e disse que “querem mudar a geografia”.
“Dizer que o massacre de Angico foi em Alagoas é uma piada. Estão querendo roubar Angico de Sergipe. A Rede Globo está colocando Angico como Alagoas. Estão até querendo inverter o Rio São Francisco, que sempre desceu, mas agora dizem que está subindo”, criticou o professor Orlando. Esse Fantástico foi ao ar no dia 3 de julho e até hoje a legenda da foto continua dizendo o seguinte: “Avisa Lá”: Paulo Vieira vai a Piranhas (AL), onde morreram Lampião e Maria Bonita”. O secretário estadual de Turismo, Sales Neto, no dia seguinte ao programa, enviou uma carta à Rede Globo protestando contra a informação equivocada e pedindo reparos. A emissora manteve a legenda equivocada e colocou uma nota da redação dizendo que a Grota do Angico fica em Poço Redondo.
Sob o pipocar dos tiros dos bacamartes, dança do xaxado, declamações de poesia de cordel e os protestos, Vera Ferreira lembrou que há 25 anos promove a Missa do Cangaço, mas que às vezes sente desgosto diante das inverdades que surgem sobre seus avós e demais cangaceiros. “Mas quando encontramos pessoas sérias como Ivanildo Silveira e João Dantas isso dá um alento à nossa alma”. Neste momento, todos os presentes disseram que Vera tem que continuar na luta e ela confirmou que seguirá. “Espero que um dia alguém faça o filme que mereça a história do cangaço”, completou.
Após a missa, no Cangaço EcoPark, houve uma apresentação da quadriha Paixão Junina, de Santana do São Francisco.
Hoje Vera Ferreira foi ao Casarão da Baronesa de Água Branca, em Alagoas, um marco importante do cangaço, pois foi no dia 26 de junho de 1922 que a cidade foi invadida pelo cangaço. Ela também visitou Deomiro Gouveira, e amanhã, 3o, segue para a Fazenda Maranduba, onde Lampião, no início de janeiro de 1932, repetiu o feito militar da Serra Grande, em 1926, ao derrotar uma numerosa força militar, integrada por famosos combatentes contra o cangaço.
Documentário
Pela segunda vez na Missa do Cangaço, o cantor Sérgio Bianco, de Peruíbe, São Paulo, lamentou a distorção da história. Já a fotógrafa italiana Lara Ciarabellini estava conhecendo pela primeira vez a caatinga e assistindo à Missa do Cangaço. “É muito bonito”, disse a fotógrafa que reside há 10 anos Lara Ciarabellini conheceu a caatinga ontemno Rio de Janeiro.
Ela acompanhava uma equipe que está fazendo um documentário “Os últimos cangaceiros”, que deverá estar pronto em dezembro. De acordo com a produtora Margarita Hernandez, o trabalho, que tem o apoio da Universidade Federal do Ceará, começou a ser feito em 2019, mas que tinha dado uma pausa devido à pandemia da Covid-19. “Será um longa para cinema”, frisou.
Trilha
Para chegar à Grota do Angico, em Poço Redondo, embarcamos em Piranhas (AL), navegamos plelo rio São Francisco a bordo do catamarã da MF Tur até o Cangaço Eco Park, o maior parque ecológico do sertão sergipano, e seguimos uma trilha por dentro da caatinga de aproximadamente um quilômetro. Mas é preciso ter atenção e as pessoas só devem fazer esse percurso acompanhadas por um guia do Eco Park.
No trajeto, que é todo sinalizado e indica quantos quilômetros/metros faltam para chegar até a grota, o turista conhecerá as plantas nativas da caatinga, como cactos, mandacaru, todas devidamente identificadas. Há também, durante o percurso, cestas de lixo, justamente, para ninguém deixar, por exemplo, garrafas de água vazias, papéis, no meio da caatinga.
É bom ter atenção, porque em alguns trechos existem pedras que são escorregadias, pois estão dentro de pequenos veios de água. Portanto, todo cuidado é pouco para não levar um escorregão. Aproveite o trajeto para curtir o som da caatinga. De repente você ouve um pássaro ou até mesmo o chocalho colocado no pescoço de um boi que pasta na região.
Ao chegar à Grota do Angico você verá um monumento erguido, pela Prefeitura de Poço Redondo, pelo centenário de nascimento e 70 anos da morte de Lampião, Maria Bonita e outros nove cangaceiros: Luís Pedro, Quinta-feira, Elétrico, Mergulhão, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete e Macela. O combate aconteceu, em 28 de julho de 1938.
Depois da caminhada – lembrando, obviamente, que é ida e volta – , uma opção de passeio à noite é em Piranhas, cidade que faz divisa com Canindé do São Francisco, onde a sugestão de hospedagem é a Pousada Vitória. Mas, voltando em Piranhas, você encontra vários bares e restaurantes com diversas opções de alimentação, mais uma sugestão: vá ao Restaurante Cachaçaria Altemar Dutra, no centro histórico, com capacidade de 360 pessoas.