Certa feita, o rabo e a cabeça da centopeia discutiam sobre quem deveria andar na frente. A cabeça da centopeia afirmou:
-Você não tem como seguir adiante sem o meu trabalho; você não tem olhos nem ouvidos para saber o que está logo à sua frente.
O rabo, por sua vez, disse à cabeça:
– Você tem razão, mas, de qualquer sorte, a força que impulsiona você está em mim. Sou eu, o rabo, que dou o impulso para você sair do lugar. Você não iria a lugar algum sem o impulso do meu trabalho.
Não satisfeita, a cabeça desafiou o rabo e disse:
– Então, vamos nos separar e veremos o que acontece!
O rabo da centopeia separou-se da cabeça e começou a rastejar para frente. Porém, assim que começou a avançar e se afastar da cabeça, caiu em uma vala profunda e desapareceu.
Moral da história: a força pura e simples, sem o tirocínio, é cega. O mero impulso sem discernimento tem como destino final o abismo. O precipício do homem é abrir mão de seu principal atributo [a razão], para entregar-se ao mero caminhar absorto e inconsequente. Não há motivo para temermos em fazer uso do nosso principal atributo rumo à verdade. Reavaliar o uso da razão lógica em tempos tão sombrios nunca foi tão urgente em nossos dias.
Atualmente, a palavra Verdade tornou-se um aleijão. A força da visão construtivista, relativista ou pós-moderna tornou-se uma nova ortodoxia. Goela adentro, fomos solvendo o veneno do relativismo e quem quer que apresente um antídoto contra seu efeito necrosante é automaticamente chincalhado com termos pejorativos. Isso nos mostra que no lugar da lógica sobrou apenas o mero impulso violento.
Nas academias espalhadas em todo o mundo, intelectuais relativistas e construtivistas sustentam que todo o conhecimento é socialmente construído, isto é, qualquer fato no mundo só existe porque corresponde à forma como ele foi construído socialmente, refletindo, dessa forma, os anseios e as demandas daquela determinada sociedade.
Não negamos aqui que, de fato, alguns conhecimentos são socialmente construídos (afirmativa particular), mas será mesmo que todos os fatos do mundo são construções sociais? Paul Boghossian, em seu livro Medo do Conhecimento: contra o relativismo e o construtivismo, afirma que se tornou comum as pessoas aceitarem que há muitas e variadas maneiras igualmente válidas de conhecer o mundo. Trata-se da Doutrina da igual validade, que, como o próprio nome diz, “tudo é igualmente válido”. Todavia, se tal doutrina for válida, os relativistas precisam decidir: o relativismo ou é absolutamente verdadeiro ou não é absolutamente verdadeiro. O medo do conhecimento se tornou uma nova coqueluche. Não decidi sobre determinado assunto para não parecer ser preconceituoso. Tornou-se um novo credo. Ter um “pré-conceito” acerca de algum assunto é importante, ou seja, é por meio dele que podemos alcançar o conceito.
À luz dessa provocação feita por Boghossian, vejamos o seguinte: se todas as afirmações são verdadeiramente relativas, então, a afirmação de que tudo é relativo deve ser considerada também relativa. Afirmar que tudo é relativo inclui também a afirmação de que tudo é relativo. Se tudo é válido, logo, não há diferença valorativa entre o trabalho de um médico ou de um curandeiro. O trabalho de ambos estaria em uma espécie de limbo sobre os critérios de verdade, posto que, para os relativistas, há muitas e variadas maneiras igualmente válidas de conhecer as coisas.
Assim, vejamos ainda, tanto faz tomar ou não vacina. A decisão por tomar ou não vacina é válida para os dois casos? Tanto faz criacionismo e evolucionismo, ambas, como construtos sociais, são teorias relativamente válidas? O mundo foi e não foi criado por Deus ao mesmo tempo! Tal proposição não parece respeitar o mínimo do que é exigido pela lógica. E quem disse que relativistas gostam de lógica? O princípio de identidade e o de não contradição são completamente ignorados. Mesmo contrariando o mínimo da lógica argumentativa, tornou-se imperativo, para essa nova ortodoxia intelectual, respeitar a indecidibilidade em assuntos sociais.
Moral da história: Se nada pode ser decidido como verdadeiro, que tipo de afirmação é aquela a qual afirma que tudo é relativo? Como devemos julgá-la? A partir de que critérios lógicos? Será ela verdadeira ou falsa? Se confirmarmos que tudo é relativo, ao menos, alguma proposição é verdadeira, aquela a qual afirma que tudo é relativo.
Se a centopeia, com seus cem pés, não pode andar sem a cabeça que lhe confere a capacidade de discernir o melhor caminho, qual será o destino de uma civilização movida apenas pela força cega dos seus instintos? Urge desafiar o rabo antes que ele nos empurre para o abismo.
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(*) Professor, palestrante, licenciado em Filosofia, Mestre e Doutor em Educação; Membro da Academia Maçônica de Ciências, Artes e Letras. Mestre Maçom e Secretário da Educação e Cultura do GOB-SE.
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