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A cruzada ideológica continua na educação

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Christian Lindberg (*)

A vida política do país começa a ganhar contorno no terceiro mês do ano. A aprovação da denominada PEC Emergencial, a aceleração no número de casos/mortes por conta do coronavírus, a retomada dos direitos políticos ao ex-presidente Lula (PT) e o acirramento em torno da eleição presidencial de 2022 são alguns exemplos que compõem a dinâmica atual.

Nesse cenário, a chamada pauta dos costumes, que mais parece com uma cruzada ideológica, começa a dar sinais no sentido de tentar ser efetivada no âmbito das políticas públicas. Para tanto, constata-se que o bolsonarismo está se movimentando em diversos flancos do campo educacional, ampliando seu raio de ação.

O primeiro espaço da atuação bolsonarista está no Conselho Nacional de Educação (CNE). Após o Ministério da Educação (MEC) indicar parte dos atuais conselheiros do órgão, identifica-se a existência de uma agenda que se associa aos princípios do famigerado, e inconstitucional, projeto Escola sem partido (ESP). Para exemplificar, sabe-se que o CNE criou um grupo de estudos para discutir a liberdade acadêmica e de diversidade de pensamento na educação brasileira. Com base em uma atividade realizada na Universidade Estadual de Londrina (UEL), a proposta do prof. Dr. Gabriel Giannattasio resultou, na UEL, na elaboração de um dossiê criminalizando professores/as que, segundo ele, estavam doutrinando os/as estudantes.

Outro espaço de atuação encontrará abrigo na Câmara dos Deputados, especialmente na Comissão de Educação (CE) e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A primeira será presidida pela deputada profa. Dorinha (DEM/TO) e a segunda pela deputada Bia Kicis (PSL/DF). Dorinha desempenhou um papel importante na relatoria do novo FUNDEB. Já Bia Kicis está envolvida nas manifestações contrárias à democracia, o que lhe rendeu um processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, as duas são autoras de projetos de leis que interessam a agenda bolsonarista no campo educacional. A parlamentar tocantinense apresentou, em 2020, um projeto para regulamentar a oferta do ensino domiciliar (homeschooling). A do Distrito Federal tem uma propositura inspirada no projeto ESP. Não custa lembrar que Bia Kicis é cunhada de Miguel Nagib, idealizador do ESP.

A terceira frente de atuação, e talvez a principal, está no MEC. Comandado pelo pastor presbiteriano Milton Ribeiro, o Ministério da Educação tende a continuar, em 2021, sendo uma espécie de “puxadinho” do Ministério da Economia e reduto da chamada ala ideológica do governo federal.

Além de manter o estrangulamento financeiro das universidades federais, a exemplo do corte de 17% do orçamento destinado ao pagamento das despesas de custeio (água, luz, serviços terceirizados, etc.), o MEC age na direção de aumentar a escalada autoritária dentro das escolas e universidades públicas.

Para tanto, expande as escolas cívico-militar pelo país e amplia medidas intervencionistas nas universidades e institutos federais, desrespeitando a autonomia dessas instituições. No caso da intervenção, percebe-se que a indicação de reitores/as alinhados/as ao pensamento ideológico do governo federal e a intimidação dos professores/as que criticam o governo de Bolsonaro (sem partido), a exemplo do que aconteceu com o prof. Dr. Pedro Hallal, ex-reitor da UFPEL e um dos principais pesquisadores brasileiros em COVID-19, materializam ações da escalada em curso.

Pode-se adicionar um fato que ocorreu na última quinta-feira (11/03). O ministro da educação indicou a profa. Dra. Sandra Lima Vasconcelos Ramos (UFPI) para comandar o setor do MEC responsável pela coordenação de materiais didáticos. Como se sabe, ela é defensora do projeto ESP e do ensino do criacionismo nas escolas.

Em suma, enquanto patina na elaboração e execução de ações que garantam a retomada do crescimento econômico e age de forma inapropriada para combater o avanço da pandemia do coronavírus pelo país, a impressão que se tem é a de que a cruzada ideológica promovida pelo governo federal caminha na direção de cumprir seus objetivos. Por cruzada entende-se os atos que visam eliminar opiniões divergentes e impor uma visão de mundo ao povo brasileiro, nem que seja necessário o uso de instrumentos coercitivos. Fiquemos atentos.

 

(*) Christian Lindberg Lopes do Nascimento é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduado em Filosofia (UFS), doutor em Filosofia da Educação (UNICAMP) e pós-doutor em Educação (UNICAMP).

**Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

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