sábado, 04/01/2025
Lei Aldir Blanc
Lei Aldir Blanc - Aracaju Imagem: Funcaju

A Cultura na encruzilhada

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Por Luciano Correia (*)

 

A edição de 31 de dezembro da Folha de S. Paulo traz uma matéria sobre o que o jornal aponta como “fim da lua de mel” entre o governo e o setor cultural, aludindo a uma imagem de “fim de festa”. A reportagem parte de uma carta publicada pelos realizadores audiovisuais denunciando uma “falta de rumo na política cinematográfica nacional”. As razões para esse diagnóstico resultam da decisão do governo federal, apresentada numa Medida Provisória, de reduzir os recursos previstos para a Lei Aldir Blanc II, de 3 bilhões anuais para metade desse valor.

Para entender o caso: a Lei Aldir Blanc previa originalmente o repasse de R$ 15 bilhões para o setor artístico, através de depósitos anuais de R$ 3 bilhões até 2027. O Ministério da Cultura explica o corte pela baixa execução dos recursos dos primeiros repasses, de apenas 208 milhões de reais num total de 3 bilhões. E condiciona futuras liberações à execução do que foi pago até agora. Tem razão o Ministério da Cultura, e olhe que esse é um órgão do governo que quase nunca tem razão em quase tudo.

Ministra da Cultura, Margareth Menezes Foto: Raffa Neddermeyer/Agência Brasil

A não aplicação mostra as fragilidades de um setor que muito berra e pouco trabalha, afinal, não há explicação para que os recursos da União sigam dormitando nas gavetas de estados e municípios. Secretarias, fundações e gente para executá-los é o que nunca faltou. Agora mesmo a ministra Margareth Menezes exibiu numa entrevista à EBC os fartos números de uma Conferência Nacional de Cultura, gabando-se de ter levado mais de cinco mil delegados ao convescote oficial em Brasília. Pelo visto, a Conferência não serviu pra nada, nem mesmo pra apaziguar os ânimos dos segmentos que agora brandem uma nota pública denunciando o abandono do cinema e audiovisual.

Por outro lado, tal como a política cultural do governo Bolsonaro, que substituiu o Ministério por uma Secretaria, dando o tom da importância que essa área tinha no seu governo, o atual Ministério do governo Lula não mudou muita coisa. Com Bolsonaro foi até mais fácil executar a Aldir Blanc I. Como o presidente e toda sua equipe tinham horror à cultura, só promulgou a Lei porque era imposição do Congresso. No seu notório desprezo pelas artes, repassou os recursos e deixou que estados e municípios se virassem para a execução. Quem tinha expertise com leis federais conseguiu fazer da Aldir Blanc um instrumento de política cultural para a população, a exemplo de nossa gestão na Funcaju, com 100% dos recursos aplicados, um dos seis melhores índices em todo o país.

No governo Lula o Congresso também impôs a execução da Paulo Gustavo e das demais edições da Aldir Blanc II, esse assunto de que trata a matéria da Folha. Mas o Ministério da Cultura de Margareth, aparelhado de cabo a rabo pelos identitários, sob inspiração de Janja da Silva, botou inúmeros bodes na sala, como a exigência de implantação de Plano, Conselho e Fundo Municipal de Cultura. Nós mesmos, como ainda não tínhamos plano nem fundo no município de Aracaju, corremos para aprontar um projeto de lei no apagar das luzes do primeiro semestre, com a Câmara prestes a entrar no recesso junino. Corri aos vereadores e pedi a todas as bancadas o apoio para a aprovação do plano. As animosidades entre Câmara e gestão foram momentaneamente esquecidas e as leis foram aprovadas por unanimidade.

Qual não foi minha surpresa quando, na noite de 10 de junho, véspera do prazo final para municípios se tornarem aptos a receber os recursos, assistimos à ministra Margareth anunciar em suas redes a dilatação do prazo, implicando num adiamento de todo o cronograma de execução das leis. A decisão, conforme eu advertira junto a dezenas de artistas sergipanos, deveria atrasar o repasse dos recursos, o que de fato ocorreu. O pior de uma canetada dessas, além do pouco respeito aos estados e municípios que se esmeram em fazer o dever de casa, é a péssima mensagem que passa para um setor que busca, antes de tudo, por profissionalizar-se. Nem Bolsonaro chegou a tanto. Mas voltarei a esse tema outras vezes. Isso é só uma introdução sobre o relato de uma experiência governamental na área da cultura. Temos muito que conversar.

 

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Sobre Luciano Correia

Luciano Correia
Jornalista e professor da Universidade Federal de Sergipe

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