Respeitando a legislação vigente, a reitoria da Universidade Federal de Sergipe (UFS) convocou, no dia 04 de junho, o colégio eleitoral a fim de proceder a eleição do reitor e vice-reitor, que devem compor a lista tríplice de nomes para serem nomeados pelo presidente da República. Este procedimento, eleição e nomeação, acontece desde a última década do século passado, ou seja, são quase 30 anos de validade.
Nos processos anteriores, o colégio eleitoral ratifica o resultado de uma consulta pública, ação que é promovida pelas entidades sindicais – ADUFS e SINTUFS – e estudantil, o DCE. Toda comunidade universitária, composta por docentes, técnicos-administrativos e estudantes, participa e vota.
Entretanto, é bom registrar que houve uma tentativa de alteração na legislação. Em dezembro de 2019, o Ministério da Educação (MEC) publicou a Medida Provisória nº 914/2019, que pretendia dar nova configuração ao processo de escolha dos dirigentes das universidades federais.
Em certa medida, a MP nº 914/2019 trouxe instabilidade política, visto que ela podia ser aprovada, rejeitada ou parcialmente aprovada pelo Congresso Nacional. Como se sabe, acabou caducando, voltando a valer a lei dos anos 90.
Nesse intervalo, entre dezembro de 2019 e junho de 2020, as entidades (ADUFS, DCE e SINTUFS), amparadas pela tradição, convocaram a consulta pública, destinada a promover o processo eleitoral entre os integrantes da comunidade universitária, respeitando a paridade dos votos. Quatro chapas foram inscritas, ficando de fora, por algum motivo, a chapa apoiada pela atual gestão da UFS.
Em março de 2020, veio a pandemia do coronavírus (Covid-19), fazendo com que o MEC decretasse a paralisação do calendário letivo. Com isso, a tradicional consulta, prevista para acontecer no final do mês de março, acabou não acontecendo.
Tem um componente adicional. Como a consulta promovida pelas entidades não tem validade legal, mas a importante validade política, a impressão que tenho é a de que a administração da universidade optou esperar pelo desdobramento prático da MP nº914/2019 para, em seguida, tomar uma decisão.
Por outro lado, as entidades (ADUFS, DCE e SINTUFS) precipitaram o processo da consulta pública, visto que o colégio eleitoral precisa iniciar o procedimento para escolha do reitor e vice-reitor 150 dias antes do término do mandato do atual reitor, que finda em novembro.
Com a celeuma formada, muito por conta da instabilidade causada pela MP nº 914/19 e a pandemia do coronavírus, não houve a pactuação política entre as entidades (ADUFS, DCE e SINTUFS), que tradicionalmente realizam a consulta pública, e a administração da UFS, que tem a tarefa de convocar o colégio eleitoral para formar a lista tríplice.
Como se percebe, as variantes são inúmeras e o processo de eleição para reitor e vice-reitor da UFS encontrou um cenário jamais visto, demandando a atualização da leitura política e da forma como se processava a consulta.
Ora, o leitor pode estar se perguntando: E eu com isso? Por que a eleição para reitor e vice-reitor da UFS é tão importante para minha vida?
A Universidade Federal de Sergipe é a única instituição de ensino superior pública do estado. Com 113 cursos de graduação, 79 de pós-graduação (mestrado e doutorado), 31 mil estudantes (graduação e pós-graduação) e quase 3 mil funcionários públicos (docentes e técnicos-administrativos), a UFS forma grande parte dos recursos humanos que atuam no mercado de trabalho, fomenta o sonho de milhares de jovens ingressarem no ensino superior e desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão por todo estado de Sergipe.
Não obstante, seguido anos de crescimento quantitativo e qualitativo de suas atividades, desde o final de 2016, com a aprovação da emenda constitucional nº 95 (EC-95), o orçamento da UFS tem sofrido cada vez mais cortes. Na última sexta-feira, 05/06, a imprensa notificou que o Ministério da Educação perderá, ano que vem, 4,1 bilhões de reais se comparado com o orçamento de 2020.
Soma-se ao cenário orçamentário o fato de, desde o ano passado, o ministro da educação, Abraham Weintraub, realizar ataques verbais contra as universidades, a ponto de afirmar que os professores são “zebras gordas”, doutrinadores políticos e que nelas existem vasta plantação de maconha e produção de drogas químicas. No caso da UFS, o ex-ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, chegou a difamá-la publicamente, situação que mexeu com o brio do sergipano.
Além disso, tem sido cada vez mais comum a intervenção do MEC na escolha dos reitores e vice-reitores das universidades federais. Desde o governo FHC (PSDB), o primeiro nome que compõe a lista tríplice é acatado pelo presidente. Contudo, o MEC tem rompido com essa tradição ou, de forma mais abrupta, nomeia um dirigente alinhado politicamente as diretrizes do atual governo federal.
Se o cenário de estrangulamento orçamentário, o desrespeito e a escalada antidemocrática têm sido cada vez mais evidente no interior das universidades, o MEC apresentou, ao Congresso Nacional, a proposta do Future-se, projeto amplamente rechaçado pela comunidade universitária e que, entre outras medidas, pretende asfixiar a autonomia administrativa, didática e financeira das federais.
Diante do atual cenário, espera-se que o colégio eleitoral organize a consulta pública e convoque a comunidade universitária para eleger o(a) futuro(a) reitor(a) e vice-reitor(a) da UFS.
De igual modo, torço que as candidaturas comprometidas com a democracia e o fortalecimento do caráter público e gratuito da UFS dialoguem entre si e construam um denominador comum. O risco de termos um dirigente máximo que apoie as políticas públicas restritivas e autoritárias do atual governo federal é real.
A UFS, após longo período de ampliação e qualificação, não pode colocar em risco o compromisso social da instituição. Pelo contrário, ela precisa continuar sendo o espaço de difusão e produção do conhecimento, para que a sociedade sergipana se sinta honrada por tê-la.
(*) Christian Lindberg Lopes do Nascimento é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduado em Filosofia (UFS), doutor em Filosofia da Educação (UNICAMP) e pós-doutor em Educação (UNICAMP).
**Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.
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