No dia 7 de setembro, quando se comemorou os 199 anos da Independência do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro fez dois discursos, um em Brasília e outro em São Paulo, atacando o Supremo Tribunal Federal (STF) e, de modo particular, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, criando um clima de muita tensão, potencializado entre os seus aliados.
Na visão do advogado Aurélio Belém do Espírito Santo, 42, “a escalada autoritária do presidente tende a agravar a situação dele”, que no discurso deixou flagrante “uma grave e estapafúrdia promessa de desobediência”.
Um dia depois das declarações, Bolsonaro conversou demoradamente com o ex-presidente Michel Temer e, juntos, redigiram um documento buscando a pacificação. Mas para Aurélio Belém, o texto não é uma “retratação para fins de extinção da punibilidade de crimes contra a honra, tampouco reverte a ocorrência de crimes de responsabilidade”.
E que ninguém se surpreenda se o presidente, depois de um breve momento de silêncio, volte à carga com críticas ao STF e em defesa do voto impresso. “Dificilmente o presidente conseguirá controlar o seu ímpeto autoritário e seguir a estratégia. Com isso, em breve, certamente, teremos cenas do próximo capítulo dessa novela que vem acirrando a bestialidade da polarização política e dividindo os brasileiros, enquanto o país segue em crise”, acredita o advogado.
Aurélio Belém, advogado militante há 19 anos, atual secretário geral da Ordem dos Advogados do Brasil Sergipe (OAB/SE) pelo segundo mandato, pós graduado em Ciências Criminais e Processo Civil, professor de Direito, palestrante e sócio-diretor do escritório de advocacia Belém e Castro Advogados Associados.
Esta semana, Aurélio, que foi presidente da Abracrim – Associação Brasileira de Advogados Criminalistas de Sergipe – , conversou com o Só Sergipe e fez uma análise da situação de Jair Bolsonaro que criou um clima de tensionamento com o Poder Judiciário.
Vale a pena a leitura.
SÓ SERGIPE – No 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro disse que não cumpriria nenhuma decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes. Juridicamente, a postura do presidente significou uma desobediência? Como o senhor interpreta isso?
AURÉLIO BELÉM – Tecnicamente falando, o discurso despótico do presidente da República é reprovável sob vários aspectos, no entanto, a bravata presidencial – que, diga-se de passagem, não encontra espaço num Estado Democrático de Direito – não se trata de um crime de desobediência, embora seja uma promessa ameaçadora de inobediência, até porque não ocorreu na prática. Tratou-se de uma grave e estapafúrdia promessa de desobediência.
Nesse caso, vale dizer que o direito penal não lida com as fases iniciais do iter criminis, portanto, não pune eventuais atos preparatórios, tampouco a cogitação (cogitatio) criminosa, apenas os crimes tentados (execução iniciada e não concluída) ou os delitos consumados.
Embora a desastrosa fala referida não se enquadre no tipo penal da desobediência (art. 330 do Código Penal), pode vir a configurar sim um crime de responsabilidade.
SÓ SERGIPE – O que recairia sobre uma pessoa comum, sem foro privilegiado, que fosse para um palanque e fizesse um discurso exatamente igual ao de Bolsonaro? Seria presa na hora?
AURÉLIO BELÉM – Não obstante o discurso presidencial seja golpista, ditatorial e antidemocrático, caso as mesmas aberrações tivessem sido ditas por um cidadão comum, entraríamos na discussão acerca do que estaria ou não acobertado pela liberdade de expressão.
Não existem direitos absolutos. Portanto, até mesmo o direito à vida comporta limites, por exemplo, a pena de morte em tempo de guerra declarada (art. 5.ºXLVII da Constituição Federal) ou a legítima defesa (art. 25 do Código Penal). Sendo assim, a liberdade de expressão também encontra limitações no Direito que são dadas pelas consequências legais dos excessos e abusos do seu exercício, afinal, o direito de alguém termina onde começa o de outrem, mas, salvo atos de maior gravidade, não vejo espaço para a prisão em flagrante.
Em tese, as falas poderiam vir a configurar crimes contra a honra se atingissem a dignidade, decoro, reputação dos ofendidos, crime de ameaça se houvesse a promessa de causar mal injusto e grave, além de enquadramento nos crimes previstos na autoritária Lei de Segurança Nacional, que está com os dias contados, pois, será revogada pela 14.197/2021, que altera o Código Penal e prevê crimes contra o Estado Democrático de Direito, que já foi sancionada, mas só entrará em vigor em dezembro de 2021.
SÓ SERGIPE – Que riscos correrá o presidente Jair Bolsonaro, caso ele não cumpra uma decisão do ministro Alexandre de Moraes? Essa desobediência pode ser o início de um processo de impeachment? Caberá prisão?
AURÉLIO BELÉM – Vejamos, sem sombra de dúvidas, a primeira consequência, de caráter jurídico-política, do descumprimento de uma ordem judicial por parte do presidente da República seria a possibilidade de abertura do processo de impeachment pelo cometimento de crimes de responsabilidade, previstos no art. 4.º, II e VIII, da Lei 1.079/50, por atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário, contra a probidade da administração pública e contra o cumprimento de decisões judiciárias.
Mas não seria só isso. Em tese, o presidente incorreria ainda em crimes comuns e outros ilícitos a exemplo de atos de improbidade administrativa.
Quanto à prisão do presidente, vale lembrar que o cargo lhe garante a prerrogativa da imunidade formal, que veda a prisão provisória (preventiva, temporária ou flagrante). Portanto, enquanto durar o mandato o presidente da República não poderá ser preso, salvo mediante sentença penal condenatória transitada em julgado. Ocorre que o presidente conta ainda com outra espécie de imunidade (irresponsabilidade penal temporária) que impede que ele seja processado por crimes comuns estranhos ao exercício do cargo, enquanto estiver no mandato.
Em suma, o presidente da República somente será processado criminalmente pela acusação de prática de crime comum, praticado no exercício da função, ou de crime de responsabilidade, após a admissão das acusações por 2/3 do Plenário da Câmara dos Deputados.
No caso de crime comum, será o presidente julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Já na hipótese de crime de responsabilidade será ele julgado pelo Senado (impeachment), tudo conforme art. 86 da CF/88.
Por oportuno, vale dizer que o presidente pode ser afastado do exercício do cargo, caso a denúncia ou queixa por crime comum seja recebida pelo Supremo Tribunal ou caso o Senado, após autorização da Câmara, resolva instaurar o processo de impeachment, como ocorreu com a ex-presidente Dilma.
SÓ SERGIPE – O STF analisa, atualmente, cinco inquéritos (ou seriam processos?) envolvendo Bolsonaro e os filhos e apoiadores. Com a bravata de 7 de setembro, a situação tende a ficar pior, juridicamente, para o presidente?
AURÉLIO BELÉM – Do ponto de vista jurídico-político, a escalada autoritária do presidente tende a agravar a situação dele, seja pela reiteração renitente de condutas inadequadas e até criminosas, seja porque demonstra a evidência do seu dolo no agir e a sua manifesta culpabilidade.
SÓ SERGIPE – No caso de um impeachment, a situação no Brasil tende a ficar pior? Ou pior do que está é impossível?
AURÉLIO BELÉM – O impeachment é um processo extremamente traumático e excepcional, que traz consigo consequências jurídicas, políticas, econômicas, sociais. Penso nele como uma espécie de remédio forte que traz reações adversas e efeitos colaterais importantes, mas que, a depender do estado de saúde, é imprescindível para curar a grave doença que acomete o paciente.
Pode até parecer paradoxal que um processo de impeachment seja uma medida democrática, na exata medida em que ele resulta na retirada do cargo daquele que foi eleito pelo voto direto da maioria do povo, mas, por vezes, a medida é única salvaguarda capaz de proteger a democracia e as instituições de ataques.
Nada é impossível, portanto, é sempre possível piorar a situação delicada.
É preciso que as autoridades e as instituições cumpram seu papel e enfrentem a questão e decidam democraticamente o que fazer dentro das regras do jogo, ou seja, nos termos da Constituição Federal. Aliás, fora dessas quatro linhas não há salvação.
Não será tapando o sol com a peneira que iremos sair da crise generalizada que nos encontramos. Às vezes, é melhor enfrentar o problema e decidir com coragem e responsabilidade do que fingir que ele não existe, enquanto o país permanece se esvaindo numa sangria desatada.
SÓ SERGIPE – Jair Bolsonaro critica as posturas do ministro Alexandre de Moraes dizendo que ele, o ministro, institui a ditadura da toga. Muitos dizem que Morais é vítima, investigador e juiz. Afinal, isso pode ou não?
AURÉLIO BELÉM – Penso que, numa democracia liberal como a nossa, as críticas são naturais, exemplos de livre manifestação do pensamento e da opinião. Numa república, não deve haver intocáveis, notadamente entre os homens públicos, sejam eles presidentes, ministros, deputados ou senadores.
Nesse sentido, o presidente da República poderia sim fazer as críticas às decisões do ministro Alexandre de Moraes, afinal, não concordo com o ditado popular que prega que “decisão judicial não se discute”, contudo, entre criticar com fundamento e respeito e desafiar, achincalhar, descumprir, desrespeitar há um abismo institucional, pois decisão judicial se discute, mas se cumpre.
A discordância com o teor da decisão judicial deve ser enfrentada nos autos, mediante o manejo dos recursos e medidas judiciais cabíveis previstos em lei.
Embora o cenário político brasileiro demonstre um certo protagonismo do Supremo Tribunal Federal, a partir da Constituição de 1988, no mais das vezes manifestado por um excesso de ativismo, não vejo nem de longe a instalação de uma temida ditadura da toga no Brasil, que muitos insistem em atribuir ao grande Ruy Barbosa a frase de que “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer…
Especificamente, no caso das decisões do ministro Alexandre de Moraes, não obstante repudie com veemência os atos antidemocráticos e faça coro a necessidade de providências, com a devida vênia, entendo que há problemas na forma como vem sendo conduzida a investigação, desde o seu início, por ofensa ao devido processo legal. Por exemplo, não poderia o ministro instaurar, de ofício, uma investigação em que é vítima e será o relator e julgador, à revelia do titular da ação penal que é o Ministério Público. Essa confusão inquisitória de papéis, ao meu ver, macula o inquérito juridicamente.
Por outro lado, caberia ao Supremo Tribunal Federal decidir a questão e ele já o fez, pelo seu Plenário, autorizando a abertura do procedimento.
SÓ SERGIPE – Há uma piada comum de que “o juiz acha que é Deus, ministro tem certeza”. A população em geral acha que os ministros do STF são intocáveis. Mas afinal, qual é o limite para os 11?
AURÉLIO BELÉM – Sem delongas, o limite para os 11 é a própria Constituição Federal. Nela estão traçadas as regras fundamentais atinentes ao funcionamento do Estado Democrático de Direito.
A propósito, não concordo com essa piada. Quem se acha Deus ou tem essa certeza não o faz por ser juiz ou ministro, mas por sua própria personalidade. É certo que o papel, a missão constitucional, a indumentária, a nomenclatura, a linguagem, liturgia, as garantias, os poderes e demais atributos que envolvem o cargo, bem como a sua topografia no contexto institucional, contribuem decisivamente com essa sensação e podem conduzir a impressões e conclusões equivocadas ou exageradas do senso comum, entretanto, o sistema constitucional de freios e contrapesos – o check and balances idealizado por Montesquieu – cumpre a missão de garantir a harmonia e independência entre os poderes constituídos.
SÓ SERGIPE – Essa desavença entre Bolsonaro e o STF leva a um questionamento: a escolha dos ministros poderá um dia ser diferente? Ao invés da escolha política, um concurso público não seria bem mais justo?
AURÉLIO BELÉM – A escolha dos ministros do Supremo sempre foi discutida, vira e mexe esse tema vem à tona e entra na ordem do dia ou na pauta do debate político e jurídico. Portanto, discordo que a desavença atual seja a causa do questionamento e nem deveria ser a motivação da discussão.
Particularmente, entendo que a forma constitucionalmente prevista de escolha e nomeação dos ministros do Supremo poderiam sim ser aprimorada, talvez com o envolvimento da participação de outros entes, um controle maior da indicação, a carreira, o estabelecimento de mandato para os ministros, enfim, mas não acho que o concurso público seria a melhor opção para o caso e nem resolveria o problema.
A dita maior democracia do mundo (EUA) também elege seus juízes da Suprema Corte pela indicação presidencial e controle aprovação do parlamento, com o agravamento de que lá a vitaliciedade dos juízes não é ficta ou limitada por idade, mas sim pela morte ou pela vontade própria do juiz.
SÓ SERGIPE – Não é de hoje que a relação entre o Palácio do Planalto e o STF é tensa. Tende a ficar pior?
AURÉLIO BELÉM – Como sou um apaixonado pelo direito e pela história, esse é um dos temas que gosto de pesquisar e estudar. De fato, a história política dessa relação sempre foi tensa, mas compreendo que a tensão numa relação institucional que envolve o poder é algo natural e até salutar. Inclusive, para mim, isso é sinal de que as coisas estão funcionando realmente. A calmaria e o silêncio não são necessariamente uma democracia, ao contrário, podem ser sintomas de enfermidades no regime democrático, que pressupõe disputa, debate, dialética…
Acredito que é justamente no solavanco da carroça é que proporciona a acomodação das abóboras.
A piora vai depender exatamente de como se comportam os atores políticos. A chave da questão é o respeito pleno à Constituição.
SÓ SERGIPE – Na sua opinião, como ficam os brasileiros diante dessa desavença entre estes dois poderes?
AURÉLIO BELÉM – Volto a dizer que as divergências, embates, são salutares, desde que sigam as regras do jogo democrático. Diante de um cenário de crise institucional, os brasileiros assistem atônitos, por vezes perplexos, e acabam sendo influenciados por discursos autoritários e revanchistas. É preciso que haja bom senso e institucionalidade para que possamos sair da crise, sem a qual não há solução. Não será com golpes, perseguições, bravatas, ameaças que vamos pacificar o pais e resolver os nossos problemas. Nesse sentido, vejo que os brasileiros estão polarizados e inflamados numa disputa de todos contra todos, que não tem vencedores, todos perdemos.
SÓ SERGIPE – Um dia depois de esbravejar contra o STF, Bolsonaro, após uma longa conversa com o ex-presidente Michel Temer, supostamente recuou. O que esperar desse recuo? E como é que ele diz que “não quis ofender” e chama o ministro de “canalha”?
AURÉLIO BELÉM – Infelizmente, na minha opinião, não dá para esperar nada do presidente da República, a não ser bravatas autoritárias. Ele é useiro e vezeiro em tensionar as instituições e depois voltar atrás para, logo após, tornar a desafiar a institucionalidade. Nos termos em que foi redigida pelo ex-presidente Temer e assinada pelo atual presidente, a nota dá um tom de pacificação que, juridicamente, não configura a retratação para fins de extinção da punibilidade de crimes contra a honra, tampouco revertem a ocorrência de crimes de responsabilidade. Trata-se de estratégia política para arrefecer os ânimos e tentar por panos quentes na situação, de modo a tentar evitar a instauração do processo de impeachment. Ocorre que, pelo que já se viu, dificilmente o presidente conseguirá controlar o seu ímpeto autoritário e seguir a estratégia. Com isso, em breve, certamente, teremos cenas do próximo capítulo dessa novela que vem acirrando a bestialidade da polarização política e dividindo os brasileiros, enquanto o país segue em crise.
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