A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica com o “famigerado rótulo de pé diabético” (nota minha), “o pé” de uma pessoa que é simultaneamente portadora de diabetes, doença arterial obstrutiva periférica (entupimento das artérias das pernas por “placas de gorduras”) e dano neural nos pés (perda da sensibilidade protetora – por danos nos nervos, causados pelo excesso de açúcar no sangue)… até aqui tudo bem… só que não!
Não está tudo bem! A palavra sempre foi fonte de mau entendimento. E, no mundo de tantos entendidos, muita gente entende o que quer e não o que foi dito pelo legislador – na sua santa inocência ornada da boa-fé científica.
PÉ DIABÉTICO, infelizmente, na vala comum do cotidiano médico, deixou de ser um conceito nosológico e passou a ser um rótulo dado a toda pessoa diabética que apresente uma ferida no pé.
– E não é isso?
– Não!
– E no final, não vai dar no mesmo?
– Não!
Então, qual o maior problema do famigerado rótulo: PÉ DIABÉTICO?
Vamos compreender tudo isso, começando por aqui: nossas crenças! Acompanhe:
Nossos pensamentos se expressam por palavras. De outra forma, podemos dizer que “nossas palavras tentam expressar o que pensamos”.
Tudo que existe no mundo dos fatos (concreto, feito, realizado) existia, antes, no mundo das ideias, no mundo dos pensamentos. Nossos pensamentos tomam forma e formam ou transformam o mundo. Materializam-se!
Um rótulo carimba uma forma de pensar; sintetiza o resultado de vários conceitos num único elemento de identidade; substitui raciocínios e procedimentos; encerra-se em si, nos seus próprios conceitos e preconceitos.
E o que tudo isso tem a ver com o PÉ DIABÉTICO?
Primeiro ponto: as crenças (o conjunto de pensamentos que norteiam nossos atos) – no universo do tratamento das feridas, muitos profissionais acreditam que toda ferida no pé de uma pessoa diabética é um “pé diabético”; que toda pessoa diabética terá um “pé diabético” um dia; que todo “pé diabético” é incurável ou, ainda pior, alguns acreditam que o “pé diabético” precisa ser amputado para não necrosar a perna inteira.
Segundo ponto: o mundo em desencanto que resulta dessa crença pseudocientífica – toda vez que uma pessoa (um ser humano qualquer) chega a um serviço com uma ferida no pé e diz que é diabético, pronto! Está tudo resolvido! “O ser humano e sua história morrem e o rótulo pregado na pele da testa assume o palco dos acontecimentos. O ser humano deixa de ser Joaquim portador de diabetes com uma história incrível a ser contada e se transforma num PÉ DIABÉTICO com seu fatídico destino traçado no rótulo… e, como Joaquim deixa de existir diante do seu pé fétido, ninguém pode fazer mais nada por uma pessoa que não existe.”
Um detalhe, o dono do pé, aquele Joaquim, embora não exista no planejamento terapêutico e no prognóstico do seu destino, continua tendo alguma serventia: ele leva o pé para fazer os inúteis curativos de última geração; leva a culpa da não cura, serve para ser xingado pela obesidade e pelo açúcar alto no pobre coitado do pé, para comprar os remédios e para pagar as dispendiosas 10 sessões de hiperbárica, que não vão impedir a amputação, a não ser da carteira do paciente ou dos recursos do convênio.
Então, vamos prestar um serviço de utilidade pública e retirar esse rótulo, começando assim:
E, para mudar essa realidade que afeta quase 15 milhões de diabéticos no Brasil, os profissionais da saúde precisam:
Dessa forma o rótulo cai e o ser humano ressurge no palco dos acontecimentos. Afinal, uma ferida surge na pele, mas cresce na história de vida da pessoa… e o profissional da saúde que cruza o caminho do paciente passa a fazer parte dessa história e pode ajudá-lo a escrever um final feliz.
Espero que você tire o melhor proveito dessas informações. Afinal, viver à flor da pele não é uma opção, é uma condição.
Um grande abraço.
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(*) Médico, expert em feridas.
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