Marcus Éverson Santos (*)
Assistimos ao crescimento, no Brasil, de um novo fenômeno econômico e cultural: a indústria do pedagogês. Organizada por instituições promotoras de eventos mancomunadas com sistemas de ensino e o governo federal, essa indústria tem movimentado pequenas fortunas com eventos, ferramentas e congressos por todo o país. Quando essa indústria e seu bem orquestrado conjunto de quinquilharias educacionais descobriram que era possível ganhar dinheiro lotando auditórios e vendendo asneiras sobre educação, não demorou muito para que se transformassem em um novo nicho econômico.
Esse novo balcão de negócios promovido pela indústria do pedagogês tem movimentado um mercado milionário não só com congressos, mas também com a realização de convênios com sistemas de ensino. No Brasil, congressos e sistemas de ensino, movimentam um lucrativo mercado de livros e catalisam tendências teórico-conceituais, visando direcionar a prática dos participantes — professores, coordenadores e diretores de escolas — com a venda de sistemas operacionais, programas de estatísticas educacionais, entre outras ferramentas pedagógicas. Não é por acaso que encontramos com frequência estandes de vendas dessas empresas nos espaços destinados aos congressos de educação.
No último congresso de educação que tive a oportunidade de participar, como era de se esperar, os palestrantes apresentaram novas tendências corporativas vendidas como “soluções em educação”. Na prática, o que fazem é demonizar aquilo que em algum momento já funcionou para, em seguida, apresentar uma nova solução, um novo modismo. Entretanto, nenhum desses modismos mostrou-se eficaz para garantir melhorias efetivas na educação.
Horas e mais horas de imbecilidades e pirotecnias no PowerPoint e Prezi não afastaram a sombra dos péssimos resultados da Educação Básica no Brasil. Não é por faltar teorias e discursos sobre educação que o ensino no Brasil não tem avançado. A percepção do problema e as possíveis soluções têm sido motivo de um vasto número de trabalhos acadêmicos sobre educação e o papel do professor.
Um estudo inédito revelou recentemente a percepção da população sobre o status social dos professores. O estudo mostrou o nível de importância social que as sociedades atribuem a esse profissional e o descompasso que há entre o Brasil e outros países. A pesquisa indica que os professores são mais valorizados na China, onde a importância da educação está enraizada na cultura. Não vou amolar a paciência do leitor mostrado aqui os números, mas, o Brasil ocupa e sempre tem ocupado as últimas posições. De positivo, a pesquisa revela que os brasileiros confiam nos professores, mas os entrevistados acreditam que o sistema educacional atrapalha os resultados do ensino.
Como se explica, por exemplo, que, apesar dos esforços do governo para aumentar o acesso à educação e da imensa quantidade de congressos e sistemas de ensino, o analfabetismo tenha crescido no Brasil? Pesquisas recentes apontam que o analfabetismo aumentou. Em 2022, a taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais foi estimada em 8,6%, o que representa cerca de 13 milhões de pessoas.
Esse número indica um aumento em relação a anos anteriores, quando a taxa estava em 8,4% em 2019. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que, entre 2011 e 2012, houve um aumento de aproximadamente 300 mil pessoas analfabetas, a primeira alta em 15 anos. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2019 apontou que a taxa de analfabetismo estava em 6,8% em 2018, mas voltou a crescer nos anos seguintes. Essa é a primeira vez em 15 anos que a taxa voltou a subir.
Quando tomamos conhecimento desses dados e assistimos a congressistas pouco interessados em discutir as questões fundamentais para garantir uma educação de qualidade em eventos vultosos, temos motivos de sobra para acreditar que, no fundo, esses encontros não passam de um imenso “circo”. O torpor promovido por esses congressos e sistemas de ensino dura o tempo suficiente até que uma nova fórmula sirva de elixir aos problemas da educação.
A cada ano, repete-se a mesma ação. Busca-se promover o exorcismo do método educativo em vigor, culpando-o pela ineficiência nos resultados apresentados nas escolas. Sabemos, entretanto, que não se trata de substituir o “velho método” pelo novo, o tradicional pelo renovado, como nos quer convencer a indústria do pedagogês. A ação promovida pela indústria cumpre-se como estratégia de obsolescência perceptiva, visando garantir que a lógica autossustentável do torpor continue. Esse torpor continuado recebe até nome: formação continuada.
Depois de longas doses desse elixir entorpecente que chamam de formação continuada, os participantes acabam se deixando levar por afirmações pífias, como, por exemplo, de que os professores precisam melhorar sua prática à luz da nova cartilha pedagógica apresentada com plumas e paetês. A última pérola advogada por essa cartilha diz que o professor deve “enfeitar o conteúdo” de sua disciplina e torná-lo atraente ao aluno. Somente quando o professor enfeita o conteúdo do programa escolar é que se pode garantir um melhor interesse.
Ora, percebe-se logo que é dessa forma que se inicia o desvio programático do real problema da educação no Brasil. Atribuir o desengano da educação brasileira somente a esse fato — ou seja, à questão do método — é reduzir o problema e transferir sua responsabilidade para os professores, alvo principal da exploração pela indústria do pedagogês. Fazer o professor assumir a culpa pelos baixos resultados da educação é parte da estratégia de vendas, especialmente de livros didáticos.
A indústria do pedagogês sabe que as escolas costumam dar uma liberdade mínima para que os professores escolham o livro didático. Esse material é parte integrante das práticas educacionais desenvolvidas pelo professor, e a forma como tal prática se aplica no cotidiano da escola muito interessa à indústria editorial. Manter o professor interessado nas “novidades” editoriais é de interesse para a indústria.
A estratégia se esquadrinha da seguinte forma: é necessário convencer o professor de que ele é culpado pelos baixos resultados da educação (o que não é grande novidade) e, ao mesmo tempo, mostrar que ele próprio é a saída para melhorar esse estado de coisas, desde que aplique as novidades apresentadas pelos projetos editoriais que lhes são apresentados. Essa é a forma que a indústria do pedagogês encontrou de manter atualizado o torpor, vendendo cartilhas, manuais e outras ferramentas pedagógicas miraculosas.
Dentre as ferramentas pedagógicas, o livro didático tem sido uma das que mais interesse tem despertado na indústria do pedagogês. A escolha de um desses projetos editoriais pelo professor e a compra volumosa desses manuais pelos alunos representará altas cifras para as editoras. É dessa forma que a maquinaria da indústria funciona. Se os professores não forem convencidos a incorporar os modismos, não se abrem oportunidades de negócios. De certa forma, as palestras motivacionais que os congressos promovem contribuem com a indústria do pedagogês.
O cachê dos palestrantes convidados para esses congressos, ultrapassa e muito o que um professor médio recebe de salário por um ano; tudo feito no mais puro cinismo para apresentar asneiras de pseudo psicologia motivacional. O objetivo de muitas dessas palestras pagas a preço de ouro é para manter a circulação dos modismos a cada novo congresso. Inventam monstruosidades sem qualquer base científica sobre a educação e falam como se estivessem reinventando a roda nos discursos acerca da disciplina e da avaliação dos alunos.
Refletindo sobre tudo isso, entendo que, do ponto de vista teórico, não há grandes novidades a se falar sobre a educação que os clássicos já não tenham dito. Sabemos, por exemplo, que ela, a educação, possui um valor intrínseco, que é o de libertar o homem da ignorância. Não se pode esperar que aqueles que ainda não perceberam o valor intrínseco da educação se eduquem. Afirmar a necessidade de enfeitar os conteúdos para garantir melhores resultados, como quer nos convencer a indústria do pedagogês, é uma ilusão e não garante bons resultados para a educação. Se uma aula for bem enfeitada, o aluno pode até se sentir atraído pelo enfeite, mas o que acontecerá tão logo perceba que por trás do enfeite há um conteúdo a ser apreendido?
Livrar-se da ignorância é, por si só, um bem. O ignorante não é somente aquele que não conhece, mas, sobretudo, aquele que além de não ter percebido o valor intrínseco da educação não deseja empregar qualquer esforço para educar-se. Para os que não perceberam a relevância disso, o encontro com os livros e a participação nas aulas, sejam elas enfeitadas ou não, continuará sendo um grande estorvo. O ato de educar-se deve ser visto como um ato livre, de vontade e desejo individual por abandonar a ignorância.
Entender a educação como ato de liberdade nos faz lembrar o texto “Sobre a Pedagogia”, em que Kant já falava sobre a importância de a ação educativa seguir a experiência. A educação não deve ser puramente mecânica nem se fundar no raciocínio puro, mas deve apoiar-se em princípios e guiar-se pela experiência. A partir da pedagogia kantiana, podemos dizer que uma educação que vise formar sujeitos autônomos deve unir lições da experiência e os projetos da razão. Isso porque, no caso de basear-se apenas no raciocínio puro, estará alheia à realidade e não contribuirá para a superação das condições de heteronomia; e, no caso de guiar-se apenas pela experiência, não haverá autonomia, pois, para Kant, a autonomia se dá justamente quando o homem segue a “lei universal” que sua própria razão proporciona em busca do esclarecimento.
Se autoridades da pedagogia moderna como Kant já afirmavam isso, assim como Rousseau, Comenius, Erasmo de Roterdã, Locke e tantos outros, hoje esquecidos e taxados de tradicionalistas pela indústria do pedagogês, por que motivos os embusteiros que promovem esses eventos não admitem a ausência de novidades na balofestia que propugnam? Para as autoridades que administram o nosso dinheiro público pergunto: Por que, continuar pagando pró-labores vistosos para essa cambada falar asneiras sem base científica em congressos sobre educação? A resposta é simples: para continuar mantendo a roda da indústria do pedagogês girando e, o que parece, para humilhar os que enfrentam “o chão” da escola com salários pífios.
Os palestrantes sabem como ninguém fazer essa roda girar. Muitos deixaram o magistério e encontraram nessa indústria uma nova oportunidade de trabalho fácil e lucrativa, com chamada terapêutica educacional. Usando fórmulas retóricas miraculosas, eles entorpecem os participantes com “revolucionárias” dicas pedagógicas. Essa terapêutica aplicada aos professores pela indústria do pedagogês apropria-se de sua fragilidade e desconhecimento, para depois soerguê-los com psicologia de quinta categoria. Afinal de contas, é preciso continuar mantendo a roda girando até o próximo congresso.
O professor congressista que não percebeu ainda que a formação continuada é algo diferente desse balé editorial promovido por essa indústria deve considerar que sua formação depende muito mais de sua iniciativa particular (autoeducação) do que do ilusionismo promovido por esses congressos.
Na prática, os congressos de educação no Brasil têm sido uma grande farsa. Raros são aqueles que merecem algum respeito. Ninguém, de fato, está interessado em discutir os reais problemas da educação. Quando algum lampejo de seriedade aparece, é automaticamente engolido pelo turbilhão da imbecilidade. Se perseverarmos em contrapor a realidade dos resultados da educação brasileira com os de outros países, logo percebemos quão artificiais se mostram as ações e o falatório descabido promovido pela indústria do pedagogês.
O torpor coletivo que essa indústria promove acaba impedindo os participantes de chegarem ao ponto nevrálgico do problema. Nesses congressos, todos experimentam a mesma sensação de quem participa de uma seita, exceto por uma única e clara diferença: lá, ao menos, existe uma cartilha séria a se seguir e um desejo autêntico por salvação. Se houvesse algo de sério a ser discutido nesses congressos, não existiriam tantos. Assuntos sérios não têm merecido a devida atenção no Brasil.
Nesses congressos, perde-se muito tempo com palestras vazias e muitas plagiadas dos clássicos da pedagogia. Se aplicássemos parte da verba que a indústria do pedagogês tem feito circular, construindo mais bibliotecas e trabalhando em projetos de incentivo à leitura, estaríamos fazendo algo muito melhor e eficiente do que ficar ouvindo essa verborragia inútil. Infelizmente, se depender dos projetos da indústria do pedagogês e de seus signatários que promovem esse circo em todo o Brasil, o único “futuro” visível para educação aponta para uma verdade inconveniente: a força dinâmica da indústria do pedagogês continuará girando no sentido contrário à educação.
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