“Aprender sem pensar é inútil; pensar sem aprender, perigoso.”
Confúcio.
Um dia o homem das cavernas, na condição de ser humano sob adversidades, pensou que seria mais fácil sobreviver se o fizesse em coletividade, assim aprendeu a conduzir-se em grupos, e por conseguinte, passou a pensar a família como uma circunscrição primária de proteção e sobrevivência.
Mesmo vivendo em família, aprendeu que, sem um mentor, caminharia em círculos, e no abrigo de si mesmo pensa então nos prognósticos de um líder… Na ausência de critérios justos e objetivos, opta pelo mais idoso e inaugura o patriarcado, e nasce assim o primeiro cabeça branca, futuro dono da lancha.
A era do patriarcado, como uma matriz humana, desenvolve aprendizados, progride em pensamentos, mas, infelizmente, permite também o surgimento de preconceitos como fator de cancelamento de adversários, e na necessidade de correção de rumos, sem deixar de pensar, evolui para o clã, no intuito de que a liderança coletiva não só produza proteção e sobrevivência, mas conduza as famílias à felicidade humana.
Entretanto, o clã, como instrumento ativo do pensamento, observa que o ser humano, visando a própria preservação, produz adversidades inúteis, e que ao invés de sobreviver caçando e caminhando cada vez mais longe para obter provisão, aprende que é mais fácil criar e plantar o seu próprio sustento e, em função disso, o clã passa a pensar a cultura de riquezas, evolui para tribo, e sob esse novo pensamento, domina a natureza, descobre o fogo, inventa a roda.
Premido pela cultura da tribo, o homem permanece pensando, então percebe haver progresso quando o individual dá lugar ao ser gregário, e ao buscar a essência desse novo ser, constrói a mitologia de seres super-humanos dotados de forças e personalidades sobre-humanas, que se tornariam seres mitológicos, aptos a grandes feitos para proteção da sua querida tribo.
A ironia do destino do homem é que ele sempre precisa de um algoz a subjugá-lo, e se não bastasse inventar o super-homem, o ser mais poderoso, também tinha que criar a “criptonita”, um não-ser ainda mais poderoso que o mais poderoso dos seres.
Então os seres mitológicos, apesar de poderosos, se “criptonizam” e se tornam humanamente preconceituosos, portanto, perigosos à humanidade, e cabe ao homem aprender a dominá-los, que assim o faz mediante o uso de rituais pensados como forma de torná-los submissos aos seres humanos…
A repetitividade do ritualismo vira obrigação, e o homem, pensando ter dominado os deuses, transporta a felicidade humana para o mundo divino, e condiciona o sonho de ser feliz à prática da ética e da moral como caminho necessário a alcançar a felicidade. Não deu outra: de ritualismo em ritualismo, o próprio homem converteu a felicidade em fardo religioso.
Ao pensar a felicidade divina por mecanismos físicos, a tribo deriva o seu poder para o poder dos castelos, e o patriarcado se potencializa nas diversas dimensões humanas, formando a casta palaciana de reis que detêm a força das armas e dos brasões, a dos senhores feudais que estancam a riqueza das terras, e a dos sacerdotes que agrilhoam, sob o seu manto, o saber e os mistérios divinos.
Porém, o ser humano de tanto pensar, percebe que ao inventar a roda, acabou por perder a sua própria vontade de ser, abdicando-se submisso à vontade do rei por sua autoridade representativa, labutando escravizado à vontade do senhor em sua pujança econômica, e ajoelhando-se ante ao sacerdote pelo temor da cólera divina.
Pensando equilibrar-se entre essas vontades, o ser humano procura libertar-se dos castelos, e repagina-se como artista a enobrecer a alma, reajusta-se como burguês a circular riquezas, apresta-se como soldado a defender valores e virtudes humanas e patrióticas…
Todavia, a felicidade, por ser humanamente inalcançável, nunca chega, e cansados de esperar, os seres humanos fundam o Estado, pensado para produzir justiça, proteção, progresso e felicidade a seus habitantes, e assim os seres humanos viram cidadãos, passam a pensar sob regras estabelecidas pelo Estado que eles mesmos sustentam.
Mas o Estado, como um produto humano, passa a pensar por si, e aprende a reinventar a roda, onde alguns cidadãos, sendo mais humanos que os outros, organizam-se em aristocracias a distingui-los dos demais cidadãos. Dessa nova aprendizagem emanam outros preceitos, preconceitos e valores, e de aristocracia em aristocracia, o Estado prevarica no fomento da felicidade, e o não aristocrata, pensando na igualdade do poder, passa a imaginar a mais igualitária de todas as aristocracias: a democracia.
O cidadão helênico e aristotélico pensa a democracia como adoção inteligente da vontade geral decorrente da vontade da maioria na busca incansável pela felicidade do ser humano, todavia, o ser inquieto como cidadão, e cansado como humano, inverte o giro da roda, e aprendendo que pode pensar uma democracia para todos os gostos, espera inovar o ângulo máximo da roda, e entrega-se ao renascimento de valores humanos para descobrir, infeliz, que ao produzir tantos gêneros de democracias, nunca logrou conhecer democracia alguma.
Nesta inversão da roda, a vontade da maioria passa a ser o pensamento da vontade de uma minoria, que produz uma democracia em nome da maioria, e o Estado, como um ser que não pode sofrer riscos, passa a pensar o ser humano como elemento que não atue mais em grupo, e é assim que a corrupção da vontade da minoria abre brechas à ressignificação das sensações, e mesmo sem planejar esse objetivo, família se torna sinônimo de máfia, clã vira comunidade, e tribo abre distinção fortuita para grupos sociais ideologicamente não aceitos.
O pensamento aprende novas cores e a cultura ressentida passar a apoiar-se na premência da transformação da sua essência no sentido de uma nova contracultura, e aquele ser humano que pensou evoluir de família para Estado, agora se assiste na necessidade de aprender-se como indivíduo.
Ao buscar o conceito da felicidade na caverna dessa contracultura, favela vira comunidade, embora continue sem conhecer as benesses que o Estado protetor deveria lhe facultar; a Universidade se torna mais acessível, amplia o número de vagas e o índice de desempregados, mas não proporciona a qualidade de pensadores críticos que o diploma deveria ostentar; e a política se torna um funil ideológico, a legitimar sociologicamente a distância entre os poucos com muito, tendo cada vez mais, em detrimento dos muito com pouco, tendo cada vez menos.
Eis afinal a inversão da roda, e observando a evolução do pensamento da humanidade, se torna inacreditável perceber que os cidadãos ainda não aprenderam nada… Decerto que os seres humanos ainda permanecem na busca da felicidade, mas para tal, terão que pensar agora na inversão da roda invertida, antes que os seres humanos se surpreendam na condição de homens primitivos disputando a escuridão das cavernas para a sua proteção e sobrevivência, pensando na própria felicidade.
Sendo otimista, há, ainda, para o ser humano, ao retomar essa trajetória, a perspectiva de um dia poder investigar Confúcio e, por oportuno, tentar descobrir com ele, porque aprender sem pensar é inútil e pensar sem aprender é perigoso…
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(*) Militar, filósofo, torcedor da Estrela Solitária, apaixonado pela vida e amante da liberdade, Fluminense por acidente, sergipano por opção.