Recentemente numa reflexão interna de grupo surgiram muitas indagações. Que escolha deve ser praticada: pela legalidade ou pelo sentimento? Ser rigoroso no cumprimento da norma legal no trabalho, na família, na igreja, na escola, no judiciário, no esporte, na gestão pública etc. ou admitir excepcionalidades, ponderações ou adequações? Para uns, a lei é una, deve-se ser escravo dela. Para outras pessoas ela é apenas uma ferramenta do Direito na convivência humana, mas ações ponderadas, equilibradas, moderadas e apropriadas na facilitação do convívio social devem existir. Esta reflexão tratará de algumas situações que confrontam legalistas e não legalistas no trato com valores sociais.
Para tanto, considerar-se-á legalista a pessoa que somente impõe e aceita o que é legal, que segue a aplicação irrestrita da lei e não legalista quem não radicaliza a imposição da lei em sua conduta, cumpre e aceita a norma legal, porém se tiver que escolher entre a aplicação da lei ou adaptar e ponderar uma acomodação que facilite a harmonia e a concórdia, esquece a lei e age para o bem do social. Na ciência jurídica a lei é apenas uma das fontes do direito que se alimenta de outras fontes do saber como a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito, a doutrina e a jurisprudência. Os sistemas jurídicos de países têm variações a exemplo da Inglaterra onde o direito tem os costumes como sua fonte basilar.
Sabe-se que a condição para que exista a regra é a exceção. Dentro da própria lei existem previsões que excepcionam. O juiz pode se declarar impedido em algum julgamento na possibilidade do sentimento ou o emocional. O cônjuge, na separação, abre mão de patrimônio apesar da lei lhe dar direito à meação. O rio que passa pela fazenda pode ser ali represado independente do prejuízo dos proprietários subsequentes? O direito brasileiro garante a propriedade privada, porém limita-a quando prejudica os interesses coletivos. Julgadores, rotineiramente legalistas, por vezes, isolam a legalidade e decidem pelo sentimento humanitário, pelo interesse social. Pode não ser legal, mas é um caminho de fazer justiça bem diferente da proposta do rei Salomão em dividir ao meio uma criança disputada por duas supostas mães.
Os famosos “pedidos” para que existam intercedências em favor pessoal ou de terceiros ferem a legalidade mesmo sem prejudicar terceiros? “Aos amigos favores, aos inimigos a lei” disse Maquiavel nos idos do século XVI. Getúlio Vargas, governando o país de 1930-1945 numa ditadura, lapidou: “aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”. Dois pesos e duas medidas? Não se trata de romper com legalidade nem tão pouco de usá-la para benefício próprio como Maquiavel e Getúlio e vários outros. Ponderação exige pesos que determinam a importância de variáveis na justa medida de executar o ato. Assim ensina a matemática na sua média ponderada.
No mundo da ética procura-se justificar regras na construção do direito devendo ser a lei uma ferramenta de bem estar social, consciência humanitária, benefício coletivo em detrimento da visão individualista. Encontrar a fronteira da aplicação fria da lei e harmonizar as relações podem ser convenientes para todos os envolvidos. Balancear para agir e decidir, equalizar e equilibrar são desafios. Vez por outra, o justo não está legalizado e o legal não é justo. Tudo depende do poder do legislador, por isso que ética e poder estão sempre correlacionados.
A necessidade da legalidade obedecida pelas instituições e pela população é inconteste. No entanto o apego radical desumaniza as relações de convivência. Qual a fronteira na decisão fundada na legalidade ou no sentimento? Ponderar, dialogar, tolerar, deletar o radicalismo é um bom caminho. A escolha depende da concepção ética de cada um. Se a pessoa preza pelo individualismo, com certeza, vai embalar o legalismo extremado. Se é simpática à inclusão social e à convivência harmônica na sociedade, com certeza aceitará o equilíbrio entre sentimento e legalidade, entre o individual e o coletivo, e vez por outra, exercitará em sua conduta. Praticar ou não praticar?
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(*) Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada-Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.
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