Domingo em Desbaste

A lei do esforço contrário em livros sagrados

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Nilton Santana (*)

 

O desejo de termos sempre experiências positivas é em si um sofrimento. Dito de outra forma, o desejo de ter experiências positivas é em si uma experiência negativa. Caso você deseje ser rico, mais pobre você se sente, independente da abundância da sua renda. Caso deseje ser bonito, mais feio você se sente, independente de quanta beleza você já possua. Quanto mais queremos ser felizes, mais infelizes nos sentimos, quanto mais bem-estar desejamos, mais insatisfeitos estamos.

A lei do esforço contrário está presente em textos sagrados de diferentes tradições, a lei é paradoxal e esclarece que toda a vulnerabilidade nasce do desejo de estar no controle. Quando desejamos muito algo, o contrário é o que nos assalta. No momento em que você busca a felicidade, acaba percebendo o quanto é infeliz. E o pior, coloca a felicidade como se fosse uma meta futura: “Quando eu tiver isso, serei feliz.” Diz assim o incauto. Todos nós temos esses arroubos em nossos pensamentos: “quando eu estiver em tal situação, ou tiver determinada coisa serei feliz, estarei bem, estarei pleno.”

A lei do esforço invertido se aplica ao nosso interior, observar os seus erros cotidianos te faz ser mais bem-sucedido e amável. Enfrentar seus medos te fará mais confiante. Como toda verdade universal, a lei do esforço contrário é também dita por Jesus Cristo. Em Mateus 16: 25 temos: “Pois aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá, mas o que perder sua vida por causa de mim, a encontrará.” Quem quiser salvar vai perder e quem quiser perder vai salvar. Esse é o grande paradoxo que para ser entendido temos que explicar a Vida.

Imagine que você esteja preocupado com a apresentação que vai acontecer no meio da semana no seu trabalho. Supomos que você já tomou todas as medidas possíveis para ocorrer tudo bem: você já estudou, já assinalou as partes relevantes e organizou em sua apresentação os pontos que irá ressaltar, inclusive você já treinou toda a sua apresentação. Tudo já está preparado e organizado, até mesmo as tonalidades de voz e os exemplos que serão usados já estão anotados e prontos para serem usados. E agora você está no final de semana em uma praia, ou em um restaurante, ou em algum parque de alimentação aproveitando o tempo com sua família. A atitude de um tolo seria divagar sobre a apresentação. Seria dar vazão à ansiedade pensando no que pode dar errado sem dar um único descanso. A atitude de um sábio seria esquecer todo o resto e aproveitar com profundidade o sublime momento com sua família. O tolo quer garantir que tudo ocorra bem no futuro e, assim, acaba perdendo o presente, acaba perdendo a vida que acontece ali. O sábio quer aproveitar o presente e dessa forma ganha a vida que acontece ali. E até mesmo durante a apresentação ambos terão desempenhos diferentes: o tolo irá pensar no que os ouvintes pensarão, no que acontecerá após a sua apresentação. O sábio pensará somente na sua apresentação que acontecerá com a máxima naturalidade. Se a apresentação renderá frutos, não sabemos.

Bhagavad Gita

O exemplo acima lembra o ensinamento do Bhagavad Gita[1]. Dentre as muitas lições que há na sagrada narrativa existe a ideia de que o empenho é totalmente seu, o resultado não. Por isso que no Bhagavad Gita diz que a “Tua preocupação é com a ação, não com os frutos, nunca!” Em suas ações esteja plenamente imerso na ação que acontece no momento presente, os frutos poderão vir ou não. E aqui a Sabedoria Tradicional que permeia todas as religiões, filosofias e formas de pensamento expõe no Gita o mesmo que está na Bíblia: O importante é semear. Continue sempre semeando porque não sabemos em qual terreno a semente irá germinar[2]. O Bhagavad Gita dirá que a ação desapegada do resultado é uma ação sagrada. Penso que é sagrada devido à total imersão do indivíduo naquilo que está fazendo no “agora”. Quando estamos totalmente imersos em uma ação benéfica, estamos fazendo uma atividade sagrada, independente de onde a ação é realizada. No livro, Krishna diz para Arjuna durante a batalha de Hastinapura: “Desempenhe seu dever com equilíbrio, ó Arjuna, abandonando todo o apego a sucesso ou fracasso. Tal equanimidade chama-se yoga.”[3] Esteja presente aqui no atual momento. Até a leitura deste texto será sagrada se ao momento presente você estiver imerso.

Tente lembrar-se de um momento em que você esteve plenamente em paz e satisfeito. Tente lembrar-se de um momento em que você esteve feliz. Eu não sei de qual momento você recordou. Porém, eu afirmo da maneira mais absoluta possível que em seus momentos de felicidade você esteve profundamente envolvido no que acontecia no presente. Cabe ressaltar que você estava mergulhado no momento presente.

Mas o que viver no agora tem a ver com a lei do esforço contrário?

Simples. Aquele que gerar alguma expectativa, gerar algum desejo e colocar as suas aspirações no futuro como orientadores de sua vida, acaba não aproveitando o momento presente. Se a vida acontece no momento presente podemos afirmar que a pessoa que vive em prol do futuro acabará “perdendo a vida”. Aquele que quiser perder as suas expectativas e orientar-se para o Agora, acabará “encontrando a vida”, ou “salvando a vida”. Ou seja, passará a viver de fato. O convite aqui é para deixar de alimentar toda e qualquer ideia de expectativa. Ao abandonarmos as expectativas nasce a verdadeira vida.

Lembro que o passado também é uma constante que pode nos fazer “perder a vida”. Quando vivemos no passado nos tornamos seu prisioneiro porque ficamos em um círculo que nos impede de vivenciar o presente. O passado nos serve para a vida prática quando dele retiramos lições. Aprenda com o passado, mas não se torne prisioneiro dele. O passado não é seu carcereiro, o passado é seu professor.

É fácil viver no momento presente? Sim e Não! Não para os indivíduos envoltos na incessante loucura dos pensamentos que nos sacodem para uma miríade de lados. E sim para os indivíduos contemplativos. Notamos através de textos religiosos e filosóficos que a trajetória humana direcionada pela sabedoria conduz para este caminho. A sua trajetória mais cedo ou mais tarde te orientará para este caminho tão mencionado por Krishna e por Cristo. E não são necessários esforços, você precisa somente iniciar a arte de contemplar. Veja que existe esforço para viver no passado e no futuro, mas para viver no presente não há esforço algum, somente observar, somente contemplar. Não quero ser santo, não quero ser bom. Quero apenas viver no presente e usufruir da dádiva que é a Vida. Viver no momento presente é a única forma de realmente Viver!

 

Referências

BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

Canção do Venerável (Baghavadgita) / tradução do sânscrito, prefácio e notas Carlos Alberto Fonseca. São Paulo: Globo, 2009.

Bhagavad-gita 2.48. Bhaktivedanta Vedabase, 2024. Disponível em <https://vedabase.io/pt-br/library/bg/2/48/>, Acesso em 06 de julho de 2024.

______________

[1] A grafia modifica-se muito: Bhagavad Gita, Bhagavad-Gita e até Bhagavadgita. O importante é que o livro aqui citado pode ser traduzido do sânscrito como “Canção do Venerável”.

[2] Lucas, 8: 4-8.

[3] Bhagavad Gita 2:48

 

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Nilton Santana

Nascido em Aracaju, professor de História, membro da Loja Estrela de Davi e amante dos estudos sobre religiosidades e mitologia

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