Apesar de existir no Brasil um contingente de 14,9 milhões de desempregados, sendo 450 mil em Sergipe e aproximadamente 60 mil em Aracaju, existem vagas para empregos. A questão é que as empresas precisam de mão de obra qualificada. O professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Sérgio Luiz Elias de Araújo, doutor em Administração, garante que o problema do desemprego tem solução. A primeira depende de vontade política, a segunda diz respeito às pessoas que buscam o emprego: elas precisam se qualificar, pois os currículos que chegam às empresas estão abaixo das expectativas.
Sérgio Araújo diz isso com conhecimento de causa. Ele administra grupos de pessoas e empresas no WhatsApp: o primeiro grupo quer um emprego e o segundo, um empregado. Nem sempre essa sincronia dá certo, por vários motivos. A falta de qualificação para determinado cargo e um currículo nada atrativo. “Qual é a alternativa diante da falta de experiência? É qualificação, fazer cursos, treinamentos. E as pessoas não estão muito dispostas a fazê-los”, lamenta o professor.
Aliada a essa falta de iniciativa, tem a educação, algo que não foi uma prioridade nas sucessivas gestões brasileiras. A começar por Dom João VI. O Brasil, segundo o professor, desde os primórdios, passa por um problema sério: a educação sempre foi privilégio das elites. Sérgio remonta a 1808, ano da chegada da família real ao Brasil, ao fugir de Napoleão Bonaparte quando ele invadiu Portugal, para mostrar que a educação, já naquela época, era destinada às elites. “Dom João VI criou as Faculdades de Direito e Medicina, cursos para a nobreza”, observou. Passados 213 anos, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, exorta as elites, ao dizer em entrevista no programa Sem Censura, da TV Brasil, no dia 9 de agosto deste ano, que a “universidade deveria ser, na verdade, para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade”, aumentando a fundura do poço de oportunidades que separa ricos de pobres neste país.
Mas nem tudo está perdido, mesmo diante da declaração estapafúrdia do ministro da Educação. O professor Sérgio Araújo dá essa luz e sugere às pessoas que busquem qualificação em cursos gratuitos pela internet, aprendam cada vez mais, ampliem os conhecimentos. E com a devida qualificação melhorem seus salários para que seja quebrado um terrível ciclo que ainda resiste: “O povo sempre foi escravo e ainda o é”, lamenta o professor ao comentar, também, sobre o valor do salário mínimo recebido pela maioria da população brasileira.
“O salário mínimo do povo, hoje, mal dá para comer e sobreviver; não temos um ganho real”, disse. Hoje o salário é de R$ 1.100,00, quando o ideal calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos (Dieese), em junho deste ano, é de R$ 5.421,84, anos-luz distante da realidade tupiniquim.
Para Sérgio, mesmo diante de situação tão caótica, existem soluções. E ele fala isso de cátedra, pois sabe, como ninguém, a maneira de elaborar um currículo. Afinal, é autor dos livros “Vencendo o desemprego”, no qual ensina os segredos para se conquistar espaço no mercado de trabalho, e também de “Os cinco segredos para o currículo de sucesso”.
Esta semana, ele conversou com o Só Sergipe, traçou um panorama da questão do emprego e desemprego no país, comentou sobre educação, gestão e lembrou que o Brasil já viveu dias melhores. “A luz já foi dada”, disse Sérgio ao ser indagado se era possível, no atual cenário, avistar uma luz no fim do túnel.
Saiba o porquê dessa sua afirmação, lendo a entrevista que segue.
SÓ SERGIPE – Hoje estamos com milhões de desempregados no Brasil e, claro, em Sergipe. Como o país e as pessoas podem sair dessa crise?
SÉRGIO ARAÚJO – O Brasil tem quase 15 milhões de desempregados no Nordeste. E Sergipe tem o terceiro maior índice, com cerca de 450 mil desempregados. Em Aracaju é a mesma proporção e vai dar em torno de 60 mil pessoas. Mas esse problema tem solução. Primeiro, com bastante boa vontade política de mudar essa realidade. E como se faz isso? Incentivando as empresas a produzirem mais. O segundo é qualificar as pessoas. E até existem vagas. Eu tenho recebido muitas vagas, pois tenho grupos de desempregados no WhatsApp. Mas os currículos enviados são muito abaixo do perfil requerido. Principalmente agora, nesse período de desemprego, no qual temos muitas pessoas boas fora do mercado. E temos outro problema: as pessoas sem experiência não têm tido condições de competir.
SÓ SERGIPE – Por quê?
SÉRGIO ARAÚJO – Porque já tem gente com experiência no mercado à disposição. Quem não tem experiência não consegue competir porque não busca qualificação. As pessoas precisam se qualificar. Qual é a alternativa diante da falta de experiência? É qualificação, fazer cursos, treinamentos. E as pessoas não estão muito dispostas a fazê-los. E se você não se preparar, vai ter problemas porque as empresas estão pedindo qualificação.
SÓ SERGIPE – O fato de as pessoas não se qualificarem, buscarem cursos, não é por falta de dinheiro? Afinal, estão desempregadas.
SÉRGIO ARAÚJO – Não, porque existem muitos cursos gratuitos. É falta de orientação mesmo. Às vezes, não falta somente predisposição, mas orientação. Tenho dito que existe uma falha, um defeito nas universidades e nos cursos profissionalizantes. Eles entregam conteúdo, preparam os profissionais, ou seja, de lá saem bons engenheiros, arquitetos, contadores, porém eles não sabem como vender essa sua qualificação para o mercado. Então, essas pessoas, no outro dia depois da festa de formatura, não sabem o que fazer. Você não se forma e o emprego está ali te esperando. Você precisa batalhar por ele. Mas as pessoas não sabem preparar um currículo, não sabem participar de uma entrevista, não sabem onde os empregos estão, como abordar os empresários ou os gestores de recursos humanos para vender suas qualificações. E a culpa não é delas. É porque ninguém as ensinou. As pessoas precisam se qualificar, não só em conteúdo, mas também precisam aprender como fazer um currículo. Tem gente que pega um modelo e escreve qualquer coisa, diz que tem experiência como vendedora, mas não explica o que sabe fazer, quais são suas qualidades, as experiências profissionais de verdade. Alguns entram na entrevista de emprego e não sabem responder nada, não dizem o que sabem ou não sabem fazer. Há pessoas que procuram emprego de recepcionista e borracheiro ao mesmo tempo, que são duas coisas totalmente diferentes. Elas precisam ter foco, saber qual o perfil delas e o que querem fazer.
SÓ SERGIPE – Mas chega uma hora que a pessoa já procurou um emprego específico, não conseguiu e está aceitando qualquer coisa. É a luta pela sobrevivência. Bate o desespero em determinado momento e ela busca qualquer coisa. Não é assim que acontece?
SÉRGIO ARAÚJO – Veja, o desespero é ruim em qualquer situação. Toda vez que você estiver numa situação de crise e se desesperar, a chance de entrar em colapso é muito maior. Uma pessoa que estiver se afogando entrar em desespero, a chance de se afogar é grande. Se estiver perdida num lugar e ficar aflita, o resultado é pior. E numa situação de desemprego acontece o mesmo. Se procurar o dia inteiro o emprego que gostaria é mais vantajoso do que encontrar uma coisa que não gosta, ficar insatisfeito e queimar seu nome. Entendemos que a necessidade de conseguir uma remuneração é de imediato, é uma alternativa necessária devido à sobrevivência, mas o investimento de procurar um pouco mais e tomar atitudes mais pensadas pode lhe trazer um resultado melhor depois.
SÓ SERGIPE – Já que estamos falando em qualificação, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, numa entrevista no programa Sem Censura, na TV Brasil, no dia 9 de agosto, disse que “universidade deveria ser, na verdade, para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade” e supervalorizou os cursos técnicos. Como o senhor analisa essa declaração.
SÉRGIO ARAÚJO – Na verdade, essa é uma declaração de campanha do presidente ao falar que o ideal é que o brasileiro seja consertador de fogão e geladeira como ele foi. Nunca foi isso. Esse é um discurso elitista. Para você ter uma ideia, a Escola Técnica Federal, hoje IFS (Instituto Federal de Sergipe), foi criada como um centro para educar pobre. Ou seja, a mão de obra técnica era dos pobres e a universitária para os ricos. Eu quero saber se o ministro da Educação vai colocar o filho ou neto dele numa escola técnica. Não vai. O ministro da Educação ou o presidente da República não colocarão filhos ou netos para aprender a consertar fogão, geladeira, parede. Esse é um pensamento elitista para perpetuar a ideia de que os ricos devem estudar em universidades. Eu tenho um dado científico: a cada ano que você estuda aumenta 14% o seu salário. Quanto mais a pessoa estuda, melhores são as chances de ela ter um salário maior. E mais chances de ser um líder, um chefe. No setor técnico terá sempre uma remuneração baixa, estará sempre no piso da pirâmide e não no topo. Eu não concordo com as declarações do ministro. Vou lhe dar um exemplo. Eu trabalhei nos Correios, e uma vez a empresa comprou uma máquina super avançada de triagem de encomendas. Essa máquina veio da Europa e quem a montou foram os engenheiros. Não teve técnico. Eles não deixaram nenhum brasileiro tocar. Se você for à Fórmula 1, verá que os mecânicos e os caras que trocam os pneus são engenheiros que fazem o papel mesmo de mão de obra. No Brasil temos ainda uma cultura escravagista de que pobre tem que fazer a função braçal e rico tem que fazer a função intelectual. Essa pregação de que pobre tem que estudar em Escola Técnica é a perpetuação da cultura escravagista no Brasil.
SÓ SERGIPE – O senhor citou que as pessoas com nível universitário não sabem fazer currículo. E aquelas que não tiveram a chance de chegar ao curso universitário? Não seria mais essa legião de pessoas que está desempregada?
SÉRGIO ARAÚJO – Sim, também. Mas continuamos com o mesmo problema: a educação. Deveria ter na escola uma disciplina ensinando como fazer um currículo, que nada mais é do que um portfólio de vendas das suas habilidades e atitudes. Quando você faz um currículo está vendendo um “produto” chamado você. E se não aprendeu, ficará atrás de quem sabe. Quem aprendeu foi por intuição ou teve assessoria de um profissional de recursos humanos. Realmente temos um problema de educação no Brasil. Quero lembrar que nossa escola, inclusive a nossa LDB da Educação (Lei de Diretrizes e Bases) diz, nos seus primeiros artigos, que a educação no Brasil é voltada para o trabalho. E a escola, desde o início, é voltada para o trabalho. É para ensinar na escola como as pessoas devem procurar trabalho.
SÓ SERGIPE – Ao longo da história do Brasil, a educação não foi uma prioridade dos governos?
SÉRGIO ARAÚJO – Nunca foi. O Brasil começou a ter uma educação formal, se não me engano, em 1808, quando Dom João VI veio para o Brasil fugido de Napoleão. Quando ele chegou aqui o Brasil não tinha estrutura nenhuma, e ele começou a criar as Faculdades de Medicina e de Direito, ou seja, cursos elitistas. Trouxe toda estrutura de Portugal. Foi a partir daí que começou a ter uma educação. Mas ela era voltada para os filhos dos fazendeiros, da nobreza. Então, no Brasil, a educação sempre foi para a elite. Nunca foi voltada para o povo. O povo sempre foi escravo e ainda o é. O salário mínimo do povo, hoje, mal dá para comer e sobreviver. Quem trabalha só para comer é escravo. Não temos um ganho real do salário mínimo, o pobre não tem o direito de fazer uma viagem, de comprar um supérfluo. A vida não é só comida e trabalho. Você precisa ter educação, diversão, vida social, coisas que os ricos têm. Cada um na sua escala, mas tem que ter. Pobre só tem direito a trabalhar e, quando dá, comer. O rico é quem tem as melhores oportunidades de educação.
SÓ SERGIPE – Diante desse quadro, será que ainda encontraremos uma luz no fim do túnel?
SÉRGIO ARAÚJO – A luz já foi dada. Se prestar atenção, nos governos de Lula foi quando nós tivemos o maior crescimento da educação no Brasil. Na Universidade Federal de Sergipe nós saímos de 400 professores para quase 1.500. De 30 cursos para quase 110; tínhamos 6 mil alunos e hoje 30 mil. Criou-se o FIES, financiamentos para os pobres irem para as universidades privadas, e o governo pagava. Ou seja, foram oportunidades dadas aos mais pobres. E hoje temos 20% da população com nível superior. Hoje, as pessoas me procuram para ajudá-las a procurarem emprego. Naquela época, a ajuda era para decidir qual emprego escolher diante de três oportunidades surgidas. Antes eu orientava para qual dos três empregos a pessoa deveria ir. Pedreiro não saía de casa por menos de R$ 4 mil. A solução é gerar crédito, demanda para as empresas, é baixar o valor do crédito e ampliá-lo. Antes, a população conseguia comprar eletrodoméstico mais barato, dividindo em várias prestações, comprar apartamento, etc. O que precisa é dar crédito à população, pois a economia se aquece, as empresas ampliam seus negócios e todo mundo ganha dinheiro. Que falem o que quiser, mas no governo Lula foi a época que todo mundo ganhava dinheiro, andava de avião, a empregada doméstica tirava férias na mesma época da patroa. E esse é o grande problema. Na época do governo Dilma foi tirada a barreira da escravidão das empregadas domésticas. Elas eram escravas, afilhadas do interior que vinham sob o pretexto de ter uma vida melhor e estudar na cidade grande. Mas não estudavam, trabalhavam o dia todo e não recebiam nada, a não ser aquela roupinha e a comida. No governo Dilma acabou isso. A empregada doméstica ganha salário mínimo, tem seus direitos. Isso é respeito ao trabalhador e divisão de renda. Essa visão de que pobre não tem que ter energia elétrica, gás de cozinha é errada. Todos têm que ter as condições para fazer girar a economia do país e você resolve o desemprego, a fome. Voltamos ao mapa da fome no mundo que tinha acabado, e o problema não foi da pandemia de Covid-19.
SÓ SERGIPE – Foi de quê?
SÉRGIO ARAÚJO – Foi da gestão elitista, ao privilegiar o direito dos mais ricos que conseguiram ficar ainda mais ricos na pandemia. E os mais pobres não tiveram oportunidade. Não foi só da pandemia, mas de gestão pública.
SÓ SERGIPE- E hoje o país parou?
SÉRGIO ARAÚJO –Parou, mas não era para ter parado. Se o gestor tivesse tomado a decisão de comprar a vacina na época certa, logo que foi oferecida, o Brasil já estaria girando hoje. Se fosse comprada a vacina, estaríamos com a pandemia dominada até novembro ou dezembro. Estamos praticamente em setembro e com a pandemia em plenos pulmões e com um grande problema: a economia não se movimenta porque as pessoas perderam seus empregos, as empresas não estão confiantes para investir e aí as coisas não acontecem.