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Por Luciano Correia (*)

 

Sou descrente pero no mucho. Vai que as coisas são mesmo regidas por algum poder supremo… Euzinho não posso chegar desguarnecido no juízo final. Pelos dias que correm eu até escaparia do fogo do inferno, me garantindo, pelo menos, um purgatório em regime fifty fifty: metade reza, metade furdunço. Creio, por exemplo, que caminhamos de forma irremediável para a uma hecatombe universal, um mix de desgraças feito da tragédia ambiental e de uma iminente terceira guerra mundial. O estopim dessa guerra total evidentemente tem seu epicentro no conflito em Gaza, onde o estado racista judeu já matou, contados oficialmente, 50 mil civis, a maioria crianças.

A virulência da máquina de guerra israelense é tão implacável que não se restringe aos territórios bombardeados sistematicamente há quase um ano. Judeus controlam também a máquina de propaganda, desde a mídia, cinema e plataformas da internet nos Estados Unidos, Europa e em vários países. A perseguição a vozes discordantes tem requintes de psicopatia. Um exemplo concreto, ocorrido num pequeno, pobre e isolado estado brasileiro, o insular Sergipe. Um amigo jornalista, militante da esquerda e colunista do Jornal do Dia, publicou há alguns anos um artigo tecendo críticas à política do estado judeu na questão palestina.

O artigo era posicionado claramente contra a truculência do governo comandado por Benjamin Netanyahu, mas não fazia ataques pessoais a ele ou seus auxiliares, nem cometia qualquer forma de preconceito contra judeus. Mas o teor do texto não importou muito. O jornalista foi processado e caçado como um bandido, enfrentando um doloroso calvário na polícia federal brasileira, que é tecnicamente responsável pelo tipo processos em que se cometem crimes racistas. Só que não havia crime algum. Nosso jornalista se safou das armadilhas jurídicas interpostas uma após outra pelos advogados a serviço do estado judeu supostamente ofendido, mas só depois de uma maratona de sofrimento psicológico e, sobretudo, gastos financeiros.

A morte de um líder diplomático do Hezbollah em Teerã, sem ligações com a atividade militar, foi uma provocação irresponsável dos israelenses, depois de todas as crueldades já impostas à população de Gaza. Mostra que Netanyahu não tem limites na sua psicopatia. Uma evidência disso é o pouco caso que faz da possibilidade cada dia mais concreta de o mundo arder literalmente em chamas num conflito generalizado. E é o que está na iminência de ocorrer a partir da anunciada reação do Irã. O espantoso nisso, em matéria de nonsense, é a posição dos Estados Unidos, que enviou para a região navios porta-aviões, mísseis e bombardeiros. Ao mesmo tempo, pasmem, faz um pedido ao Irã para desistir da reação. Entrou por um ouvido do Irã e saiu pelo outro.

A movimentação dos americanos, mais os países europeus escudados na Otan, para responder energicamente ao Irã, vai dar encrenca na certa. Rússia e China não vão assistir de braços cruzados. Enquanto esse terrível cenário de fim de mundo se desenha num horizonte próximo, num país cada vez mais irrelevante no xadrez global a neo-esquerda identitária declara amor sincero à principal candidata do establishment norte-americano, a risonha Kamala Harris. Kamala é só um rostinho bonitinho e uma gargalhada fora de tom e de hora, sempre a tangenciar as questões sérias. Fazem-na uma pergunta que exige raciocínio complexo e ela irrompe numa risada retumbante, encerrando a resposta com a simples ausência de resposta.

A grande maioria da esquerda burrinha que assumiu os partidos desse espectro no Brasil não tem mais raízes nas causas clássicas do velho marxismo nem nas lutas das classes trabalhadoras e operárias que legaram as únicas conquistas possíveis no século passado. É claro que não é só uma questão da extrema mediocridade de seus principais quadros, pois há muito de subserviência e cumplicidade com modelos estadunidenses e europeus. Há gente nesse campo, inclusive, ganhando muito dinheiro com essas posições. Todo o discurso e práticas identitárias que prevalecem de forma massacrante na esquerda brasileira atual foram importados desses países, em conexões informais ou institucionais, a exemplo das milhares de bolsas fornecidas pela Fundação Ford às universidades, contaminando de maneira tóxica o ambiente e a produção acadêmica no país, subordinando a elaboração do pensamento às lógicas do Império.

Discutir se Kamala Harris é melhor do que Donald Trump é uma falsa discussão que jamais poderia ser feita num ambiente de uma esquerda séria e consequente. No caso em questão, o melhor é dizer: é difícil saber quem é o pior dos dois. E Trump, apesar do figurino caber com precisão no de um bandido, por incrível, é mais um outsider, um estranho no ninho na máquina de guerra do imperialismo americano, esse mesmo que comete um genocídio diário em Gaza, sob o silêncio escroto do resto da humanidade. Trump é um doido, um caipira com a cabeça enterrada na sua Flórida e nos interesses dos ricos, pouco preocupado com políticas expansionistas de um império em convulsão, prestes a derreter minado pela guerra contínua.

Para os republicanos, a dinheirama derramada em lugares remotos como Iraque, Afeganistão ou nos conflitos arranjados pelo estado judeu é um desperdício tirado de seus próprios lucros, porque o que vale é fazer girar a roda de suas fortunas. Kamala, ao contrário, é uma hiena com dentes abertos para a falsa cordialidade de uma líder politicamente correta, negra, indiana, mulher, pró-minorias num país com uma realidade distante da nossa, sem nossa melhor herança, que é a mestiçagem. As brigas da sociedade americana não nos dizem respeito. Mas essa é a tintura que ela usa para iludir bestalhões de uma esquerda caolha, colonizada, entreguista e deslumbrada. Lembrem-se sempre do exemplo de Barack Obama, saudado por gente de esquerda aqui mesmo em Sergipe como um César negro, cujo governo foi o mais violento e repressor dos últimos anos. Enquanto o mundo como conhecíamos começa a acabar de verdade, a esquerdinha brasileira troca fricotes com a boca escancarada cheia de dentes da hiena pop americana, o novo anjo da morte para fazer o mundo sofrer.

 

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Luciano Correia

Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).

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