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À mesa de café com os mestres

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Em recente viagem a Curitiba, hospedei-me com um amigo de longas datas. Ele é de Rondônia, mora há quase três décadas na capital paranaense. Perguntei quantas pessoas ele visitava na cidade: “Poucas, aqui as pessoas pouco se visitam. Ninguém vai à casa dos outros”, disse-me ele.

Gosto de Curitiba, acho a cidade mais organizada do Brasil; se optasse em lá morar, encontraria um jeito de formar um grupo de amigos, e procuraria reuni-los de vez em quando.

A sabedoria em torno da mesa do café

Conto essa história para falar da Confraria do Café que criei há alguns anos, onde reúno pessoas em torno da mesa. Pessoas que gostam de café, o segundo líquido mais consumido no mundo. Café só perde para a água.

Uma das boas coisas de viajar pelo mundo é conhecer e degustar comidas e bebidas diferentes. Como sempre gostei de café, nas andanças pelo mundo, degustei cafés de diferentes lugares, ampliando meu paladar pelo líquido.

Já bebi café nos dois extremos do mundo: Barrow, Alasca e Ushuaia, Patagônia Argentina. Nas cordilheiras, na Colômbia, na Guatemala, Costa Rica, Etiópia, onde foi descoberta a bebida. No Japão, China, Índia, na Indonésia, que produz o café mais caro do mundo, o Kopi Luak, que chega a custar 600 dólares o kg.

Em torno da mesa do café, em nossa casa, já reuni muitas pessoas, algumas que nunca tinham se visto, e atenderam meu convite para degustar um café especial regado a boas conversas. O café agrega, congrega.

Há tempos tinha o desejo de reunir um grupo especial, os professores da Escola de Agronomia do Maranhão, onde me formei, no distante ano de 1981.

Convidei oito professores para virem tomar um café comigo. Três deles agradeceram o convite, mas não poderiam estar presentes por motivos diversos.

Quinta feira, 28 de dezembro, ano encerrando. Na hora marcada, chegaram os antigos mestres. Todos no outono da vida; alguns há anos que não se viam. Agora reunidos em torno da mesa, a degustar cafés especiais colombiano e da Guatemala, com bolo de laranja e de banana, feito em casa.

José Augusto Silva Oliveira, 70 anos; Érico Junqueira Aires, 74 anos; José Ribeiro, 77 anos; Evandro Chagas, 79 anos; Antônia Lima Oliveira, 81 anos, a decana. A professora Antônia autorizou a divulgação da idade, por ser uma mulher atemporal.

Na mesa estava uma parte da minha história como estudante de Agronomia, do Campus da UEMA. Coisa boa é rebobinar a memória e lembrar de tempos únicos, que o tempo deixou pra trás e a memória trouxe de volta.

Certa vez li uma entrevista com o saudoso escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, ao ser questionado o que se conversava nos Chás das Cinco na Academia Brasileira de Letras, da qual era membro, ele respondeu: “Na nossa idade, só se fala de remédios, receitas, médicos. Troca-se muitas informações sobre saúde”.

Em nosso encontro ninguém falou de plantio, cultivares, variedades, insetos e pragas, tipos de solo, maquinário ou coisas correlatas ao campo.

O assunto dominante era ‘frascos e ampolas’, receitas caseiras, exercícios até para a vista. O mais prolixo, mestre Evandro Chagas, é catedrático em Entologia – o ramo da Zoologia que estuda os insetos e a relação deles com os seres humanos e o meio ambiente. Hoje, Evandro tem mais conhecimento que muitos médicos que não se atualizam. Ele faz uso do Google, essa maravilha que muito ensina.

A manhã foi curta para tantas histórias divertidas. Mestre Evandro ensinando os exercícios matinais que faz com os olhos para não ter que se submeter à cirurgia de catarata é hilário. A professora Antônia, mais atenta que os antigos alunos da Escola de Agronomia, era lirismo puro. Só faltou anotar em caderno os ensinamentos.

Enquanto Evandro fazia sua performance, o professor José Augusto, o garoto da turma, perguntava se “não era mais fácil fazer a cirurgia e ficar livre dos exercícios”.

Curioso, perguntei-lhe se estavam bem com suas vidas. Faço essa pergunta para todos, especialmente para os que viveram mais do que eu.

O saudável café da manhã que quase se transformou num almoço

Todos responderam que sim. Que após cumprirem com suas obrigações pedagógicas, têm tempo para fazer o que lhes dar prazer.

Mestre Érico, premiado cartunista, com seus traços marcantes, falou que sempre gostou de administrar seu tempo, de preferência no ateliê. Professor José Ribeiro, sábio, de fala mansa, falou dos netos e das viagens, seu hobby.

Mestra Antônia, que pinta o sete, borda o oito, de espírito inquieto, tem mais atividades diárias que muitos executivos. Se ainda fosse menina, Antônia estaria diagnosticada pela Psicologia como hiperativa.

Professor José Augusto, pela disciplina e competência chegou à Reitor da UEMA, é multi. Seu nome poderia ser “Trabalho”, sobrenome “Disposição”, tamanha são suas atividades à frente de institutos, associações, academias e afins.

Como as coisas foram mudando ao longo do tempo – e na minha ótica, mudando para melhor! – é bom e gratificante ver os exemplos de trajetória de cada mestre em suas caminhadas. É edificante observar que eles continuam a ensinar com seus exemplos de vida.

Já passava do meio-dia quando mestre Ribeiro falou que o convite tinha sido para um café da manhã e não para almoço. Em torno da mesa não tinha um velho, só jovens vintages, mesmo com suas comorbidades, todos com fome e sede de vida.

Fascinante observá-los, beber de suas sabedorias.

Disse aos mestres, o que dizia ao meu velho, saudoso e sábio pai Luiz Magno, quando passava alguns dias que não ligava para ele:

-Meu filho, por que não me ligastes mais? Estou sentindo falta de nossas conversas.

-Papai, estava sem assusto.

-Logo tu, sem assunto. É mais fácil acabar o mundo do que ficares sem assunto.

Ao nos despedimos com votos de um 2023 com saúde, fé, paz e proteção divina, pedi que cada um anotasse em uma folha de papel almaço pautada os assuntos do nosso próximo encontro. Assim teríamos novos assuntos para passar em revista, e não repetiríamos os já comentados. Afinal, no grupo não tem um idoso.

 

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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista, escrevinhador e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas” pela N’versos. O latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.

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Luiz Thadeu Nunes

Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o homem mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.  Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências; ATHEAR, Academia Atheniense de Letras; e da AVL, Academia Vianense de Letras, membro da ABRASCI. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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