Por Rocelito Paulo Pinto (*)
“De tanto ver triunfar as nulidades;
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar-se da virtude,
a rir-se da honra
e a ter vergonha de ser honesto.”
Rui Barbosa.
Era para ser as comemorações
De um Divino Nascimento,
Mas um sofrimento fatal
Alterou o curso da história
Torturou uma juventude,
Calou uma voz:
Matou-se e mataram Jéssica Vitória
Assassinando as muitas expressões
De humanidade que deveriam existir em todos nós…
Paradoxal encontro de fatos:
Um suicídio…
Incontáveis assassinatos!
… Era para ser rede social:
Canal de aproximação de pessoas, ideias e ideais…
Um mundo mais leve, mais célere
Se fosse apenas um mundo de pessoas normais…
Mas a rede abriga todo tipo de gente
Gente boa e gente insana…
Gente de virtudes e gente sem moral…
Gente de expectativas e gente ambiciosa…
Gente sonhadora e gente desumana…
Gente de talento e gente invejosa…
Gente que é gente igual a gente
E gente que é pior que animal…
Gente sem alma, gente sem coração…
Matou-se e mataram Jéssica Vitória
E por celebrarem a maledicência,
Assassinaram a liberdade de expressão…
Inominável encontro de fatos:
Um suicídio…
Incontáveis assassinatos!
… Era para ser uma página de saúde:
Oportunidade de aprender
Que depressão é doença
Que afeta gente de todas as idades
Na infância, na velhice ou na juventude…
Depressão às vezes precisa de remédios
Mas sem dúvida alguma
Precisa sempre de apoio, fraternidade e atenção…
Ninguém pede para ter depressão
Mas quem a tem, grita em silêncio
Que precisa de compreensão…
Depressão é uma excelente ocasião
Para que demonstrem o que é ser humano
Estendendo, com amor, a mão
Para acolher a dor em um abraço
Onde se transmite o calor do coração,
Ou usar a palavra para comunicar alegria,
Estimular a vida e minimizar a solidão…
Depressão é uma dor que não se suporta sozinho
Porque dói na alma o que não dói só no corpo
E que dilacera o peito na mais fina crueldade
De se ouvir da sugestão alheia
Que é uma dor sem motivo e sem necessidade…
Matou-se e mataram Jéssica Vitória
E para celebrarem um fuxico
Assassinaram o sentimento de solidariedade…
Desumano encontro de fatos:
Um suicídio…
Incontáveis assassinatos!
… Era para ser um artista
Mas por sê-lo, condenam-no a uma prisão…
Como se o artista não pudesse viver
Como se o artista não pudesse se relacionar
Como se o artista não pudesse ter amigos…
Como se o artista não pudesse ter dor de barriga,
Como se o artista não fizesse sexo
Como se o artista não fosse sofrer
Como se o artista não fizesse cocô…
Por causa do sucesso de um artista
Persegue-se sua privacidade
E quando não encontram pautas
Que alimentem suas páginas em branco
Criam fatos, fomentam intrigas,
Fabricam conluio, pirotecnizam complô…
Transformam fato simples em ato complexo
E proliferam colônias de néscios
E prosperam a banalidade…
Matou-se e mataram Jéssica Vitória
Mas para cultivarem uma detração
Assassinaram a verdade.
Insidioso encontro de fatos:
Um suicídio…
Incontáveis assassinatos!
… Era para ser um pedido de socorro…
Foi tratado como desprezível redação!
Foi ignorado com deboche…
Foi despojado como casuísmo…
Matou-se e mataram Jéssica Vitória
Mas para priorizarem a futrica
Assassinaram o jornalismo.
Imponderável encontro de fatos:
Um suicídio…
Incontáveis assassinatos!
… Era para ser um alerta de cidadania
A morte de um sorriso juvenil
No qual a sociedade demonstrasse sua serventia…
Mas não houve clamor das feministas
Não houve nota na mídia profissional
Não houve queima de pneus
Não houve especialista defecando pela voz
Não houve sirenes às seis da manhã
Nem houve o Japonês da Federal…
Só uma nota de escritório de Advocacia
Que abandonou a causa logo após…
Só houve gritos por uma nova lei
Que regulasse as redes sociais
Como se já não existissem Leis
Que regulassem o seu uso
E coibissem sua displicência…
Matou-se e mataram Jéssica Vitória
E por estrelarem a discórdia
Assassinaram a consciência.
Imperdoável encontro de fatos:
Um suicídio…
Incontáveis assassinatos!
… Era para ser um manifesto da civilização
Mas a humanidade retornou à Idade Medieval
Nas cavernas da rede social…
Modernizaram apenas os títulos:
Inquisição: chama-se cancelamento!
Blasfêmia: denomina-se fake news!
Discordância: virou desinformação!
Crença: substituída por ideologia
Respeitabilidade: simples contagem de views!
Sarcedócio: mera vocação para bajulação
Reputação: recorte de quantidade de seguidor…
Matou-se e mataram Jéssica Vitória
Mas como evidência dos fatos não tem vez
Assassinaram a honradez!
Egocêntrico encontro de fatos:
Um suicídio…
Incontáveis assassinatos!
A morte desta jovem
É o grito de uma sociedade doente…
É o sintoma de uma educação falida…
É a agonia de uma humanidade descrente…
É a inanição da liberdade e da vida…
É o escárnio de uma gente demente…
Que se queria um dia, encontrar a glória,
Vai carregar pelo resto da sua infeliz vida
No print da página de sua consciência virtual
A morte e a morte de Jéssica Vitória.
Que o Sábio Criador,
Supremo Arquiteto do Universo,
Acolha em oração os nossos versos
E transforme sua dor em remissão
E mantenha viva a sua memória
Como uma luz sobre as esperanças
Eternizando o seu sorriso de criança
Em esplendor colossal
Como assombro aos soberbos
E como espinho à garganta dos maus…
O seu silêncio agora gritará
Em nome dos seres que ainda são humanos:
Você vive para sempre
Jéssica Vitória!