Esses últimos tempos vêm mostrando cada vez mais como as finanças pessoais é um aspecto essencialmente comportamental, mas até do que uma ciência que trabalha com números. Ela trabalha com psicologia.
Uma pesquisa do CECOP/CVM demonstrou que os níveis de inadimplência, nada tem a ver com a renda familiar, pois é comum que muitas famílias de alta renda estejam inadimplentes com suas obrigações financeiras, enquanto pessoas com rendas menores estão conseguindo poupar e investir. Deixarei o link para essa pesquisa, ao fim do texto.
Mesmo que essa situação seja no mínimo um contrassenso comum é uma realidade que vem se tornando evidente. Muitos poderiam se perguntar como isso seria possível. E aqui claro, não temos uma resposta para algo tão complexo, pois existem tantas respostas quanto pessoas para respondê-las.
É interessante notar que finanças pessoais e educação financeira estão muito ligadas a personalidade do indivíduo, a seus hábitos constituídos durante a primeira infância, principalmente por observar os exemplos dos mais velhos, cobranças sociais ligados a grupos de amigos e trabalho, e muitos outros exemplos podem existir.
Digamos que Pedro é professor de uma escola de ensino fundamental. O nível de consumo que se espera socialmente de um profissional dessa área é relativamente pequeno, talvez um carro popular e roupas de marcas medianas a boas. Veja que se Pedro pensa ao menos em estar no mesmo nível de consumo de seus colegas de trabalho em mesmo nível profissional, ele incorrerá em gastos que talvez estejam um pouco desalinhados com seus principais objetivos, o que pode trazer algumas dores de cabeças, mas que se forem planejados podem ser feitos tranquilamente.
Já se pensarmos em Guilherme, um médico cirurgião com anos de experiência, é esperado que seu nível de consumo seja bem maior que o de Pedro. Quem espera isso? A sociedade ou mesmo os colegas de profissão. O julgamento social imposto possivelmente fará Guilherme buscar uma pick-up ou um SUV de luxo, ter casas e apartamentos e uma série de outras coisas, para demonstrar que é bem sucedido. Não que seja errado isso, mas deve ser planejado, caso contrário pode levar a inadimplência.
Vejamos que nesses exemplos só temos o aspecto social da pressão psicológica que pode ser feita nas finanças, e as situações são bem diferentes. Enquanto ninguém deixará de contratar um professor porque ele chegou de transporte público a algum local, um médico dificilmente seria bem visto chegando de ônibus para uma consulta com um cliente que quer fazer uma cirurgia nos olhos.
Veja que nada disso diz respeito às reais habilidades dos profissionais, mas sim como a sociedade visualiza que deva ser o consumo desses profissionais para contratá-los ou não. Inconscientemente, vamos incorporando esses hábitos de consumo em nossa vida e quando vemos estamos presos em uma rede que pode nos arrastar para as dívidas e a inadimplência.
É normal que em certo nível nos curvemos ao que a sociedade espera que usemos ou os bens de consumo que temos. E isso não é um problema quando planejado e protegido por uma reserva financeira. Mas como no Brasil temos pouco hábito de poupar (como a população em geral) a coisa complica bastante.
Em momentos de crise, aqueles que têm o hábito de poupar levarão um baque menor e talvez até saiam da crise melhores do que quando entraram, mas aqueles que já estavam com a corda no pescoço por ter alto nível de endividamento talvez tenham prejuízos enormes.
Como podemos evitar isso? Primeiro temos que mudar nossos hábitos e para isso é importante o estudo das finanças pessoais e educação financeira de maneira correta. Assim, uma avaliação dos hábitos da pessoa será feita de maneira fria e conclusiva pela própria pessoa. O primeiro passo para a mudança é a conscientização, e o segundo é aprender a usar as ferramentas corretas.
Já quando se trata de crianças, podemos observar o nascimento de um hábito e com isso frear e transformar em um bom hábito. Em breve, as escolas (embora algumas já tenham) estarão com aulas de educação financeira para crianças. Há também bons projetos nascendo com a ideia de auxiliar as crianças a terem uma melhor consciência financeira no futuro.
Mas de nada adiantará as crianças estudarem finanças se os pais continuarem a dar exemplos de péssimos hábitos financeiros para os filhos. O exemplo dos pais é mais forte do que o de qualquer professor. Logo, aprender o básico de finanças pessoais não será bom apenas para o pai, mas o filho se beneficiará muito somente pela observação das ações dos seus responsáveis.
Lembremos que finanças pessoais e educação financeira não é somente aquele tipo de coisa cheia de números e planilhas para controlar as finanças. Elas são somente ferramentas pois, na verdade, a educação financeira está intimamente ligada a comportamento e hábitos, ou seja, é mais humana que exata. E por muitas vezes ao tentarmos dar muita exatidão a ela é que perdemos de vista o seu verdadeiro foco.
Um Abraço e bons investimentos.
P.S: Os nomes dos personagens são fictícios.
Link do artigo do CECOP/CVM: http://pensologoinvisto.cvm.gov.br/inadimplencia-esta-relacionada-a-variaveis-psicologicas/
(*) David Rocha escreve semanalmente, às terças-feiras. Ele é assessor de investimentos e educador financeiro, que vive o mercado diariamente, desde 2011, e autor do livro Tesouro Direto – Um Caminho para a liberdade financeira de 2016.
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