Por Léo Mittaraquis (*)
“Daí lhe vem a sua verdadeira beleza: pois o belo só existe como unidade total e subjetiva, o sujeito do ideal, subtraído ao estado de dispersão em que vivem as individualidades da vida real com seus fins e aspirações heterogêneos, concentra-se em si mesmo e ergue-se a uma totalidade e autonomia superiores”
W. F. Hegel, O Belo na Arte
Prazeroso escrever sobre alguém de tamanha estatura intelectual, ética e moral. Eis Sir Roger Scruton. Este que elevou o conceito “Conservador” ao mais alto grau de excelência.
Scruton chegou a mim tempos depois, ao final do século vinte. Mas chegou na hora certa. Ao lê-lo e ao ouvi-lo, senti que, doravante, além de manter-me aferrado no “ser conservador”, seria, sem receio e pleno de gratidão, um conservador scrutoniano.
Mas, e aí, sinhô? E a Beleza?
Vamos lá.
Roger Scruton, desde o início, aborda o fenômeno beleza em suas amplas possibilidades. Estas se manifestam em situações, condições e campos diversos. O autor, de maneira gentil e didática, prepara o leitor. Deixa-o de sobreaviso. Scruton diz: ” A beleza pode ser consoladora, perturbadora, sagrada ou profana; pode revigorar, atrair, inspirar ou arrepiar. Pode nos afetar de inúmeras maneiras. Todavia, nunca a olhamos com indiferença: a beleza exige visibilidade. Ela nos fala diretamente, qual voz de um amigo íntimo. Se há pessoas indiferentes à beleza é porque são, certamente, incapazes de percebê-la”.
Ou seja, a percepção e a não percepção da beleza são fatores classificatórios.
Há, portanto, que se esperar que tenhamos, em algum momento da nossa vida, contato com indivíduos ou grupos que sejam insensíveis à perfeição que agrada e cativa ao espírito. E se assim for? Estes indivíduos e grupos também são insensíveis à feiura? Assim sendo, como entendem a si e ao mundo?
Não há resposta pronta e embalada para presente quanto a esta questão filosófica.
Entretanto, Scruton não resvala para a relativização barata. Ele é filósofo experiente. Soube ver e ouvir tudo o que viu e ouviu. O que inclui ocasiões em que vivenciou, por exemplo, pondo em risco a própria vida, a feiura da destruição, do sufocamento de pessoas pelo garrote totalitarista.
A beleza, para o autor, possui valor concreto e transcendente. Ambos são essenciais na nossa constituição espiritual e na relação desta com a realidade dos dias.
Tanto isso é verdade para Scruton [como o é inteiramente para mim], que a obra é marcada por um puxão de orelha: o “gosto porque sim” e o “não gosto porque não”, estão longe de contemplar as exigências mais comprometidas e profundas de avaliação.
Diz-nos o filósofo: “No juízo estético não estamos simplesmente a descrever um objeto no mundo, estamos a dar voz a um encontro, a uma reunião do sujeito com o objeto, na qual a reação do primeiro é rigorosamente tão importante quanto as qualidades do segundo. Para compreendermos a beleza, precisamos, portanto, de alguma noção da variedade das nossas reações às coisas nas quais a discernimos”.
Na percepção acurada do filósofo, historiador e romancista Roger Scruton, o fator “Beleza” tem sido buscado e cultuado desde os primórdios da Civilização. Em diversos campos, os quais, não obstante, dialogam entre si, como a Arquitetura, as Belas-artes, a Música, a Literatura, “o belo na arte”, como diz Hegel, foi ferramenta, phármakon, com status de alternativa dita e certa aos males, vale dizer, ao sofrimento, ao caos.
A Beleza a ser o meio de salvação do mundo. O que é o mesmo que dizer: a ser o caminho de salvação da alma.
O leitor que, como eu, atrever-se a mergulhar no universo desta obra, “Beleza”, de Roger Scruton, provavelmente sentir-se-á comovido e grato ao perceber que o autor defende a potência e o ato de ser belo não somente aos grandes e comumente aceitos objetos produzidos pela cultura humana, notadamente a ocidental. Há, no entender de Scruton, e compartilho deste entendimento, beleza nas coisas mais simples.
Sobre isso, observa o autor: “Muito do que é dito sobre a beleza e a sua importância nas nossas vidas ignora a beleza mínima de uma rua despretensiosa, de um belo par de sapatos ou de um papel de embrulho de bom gosto, como se essas coisas pertencessem a uma ordem diferente de valor por comparação com uma igreja de Bramante ou um soneto de Shakespeare. No entanto, essas belezas mínimas têm uma importância muito maior nas nossas vidas quotidianas e estão presentes nas nossas decisões racionais de uma forma muito mais intrincada do que as grandes obras, que (sendo nós afortunados) ocupam as nossas horas de lazer”.
Eis o alerta: quanto ao fato de que, sim, devemos, porque necessário ao espírito, maravilhar-nos ante catedrais, telas renascentistas e neoclássicas, arcos e rosáceas.
Porém, o meu gato sobre a mesa, a dormir entre os livros que leio e a taça do vinho que bebo, enriquece a composição. Meu amor pelas três coisas citadas, a harmonização entre essas, compõem momento único e belo. Eu sei disso, sinto isso e quero, apesar de não ser possível, que se eternize ali.
Em tempo: o conceito de beleza, a disposição emocional complexa do indivíduo em relação ao que possui harmonia, proporção, simetria, imponência – ao que suscita a admiração e um sentimento de adesão por seu valor moral ou intelectual – não se resume a tão somente a declaração de uma preferência sem ‘razão’.
Para Scruton, o chamamento que nos induz a buscarmos a beleza na nossa vida quotidiana, a apreciarmos os nossos entes queridos, a percebermos toda a harmonia da arquitetura “simples” e tradicional que nos rodeia e, se ainda quisermos, a compreendermos a serenidade generosa da natureza em sua existência sublime, nos recorda de que a beleza se encontra em nossa vida, no imediato dela.
Reservemos um tempo para notá-la.
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