No ano de 2019, de acordo com dados compilados pelo Banco Mundial, a Ucrânia aparecia como um país com uma população total de 44,3 milhões de habitantes. Para fins de comparação, no Brasil esse quantitativo era de 211,8 milhões de residentes.
Nessa mesma data, a valores correntes, o povo ucraniano também possuía um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 154 bilhões. Por seu turno, as terras tupiniquins arregimentaram, na mesma época, um PIB de US$ 1,870 bilhões.
Ao se cruzar esses dados, o que se tem?
Bem, o resultado de que o PIB per capita do país eslavo é de US$ 3.5 mil por ano, ao passo que o do latino é de US$ 8.8 mil anuais.
Ou seja, em termos macroeconômicos, a Ucrânia é muito mais pobre do que o Brasil!
Todavia, uma coisa chama a atenção: a ex-república soviética tem um nível de pobreza bem menor do que aquele que existe no gigante sul-americano.
Saiba que, em 2019, na terra em que nasceu a escritora Clarice Lispector, apenas 7% da sua população vivia abaixo da Linha da Pobreza, que, para o Banco Mundial, era de US$ 6.85 por dia por pessoa.
Por sua vez, no país em que veio viver a autora de “Perto do coração selvagem”, essa proporção era de 26% do total de habitantes, quase quatro vezes mais.
A extrema pobreza (renda de até US$ 2.15 por dia por pessoa) foi erradicada por lá. Por aqui, voltou a crescer.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2019, 28% dos postos de trabalho no Brasil eram considerados vulneráveis. Na Ucrânia, essa partição era de 14% do mesmo total.
Na mesma pisada, trabalhadores com empregos formais no Brasil perfazem 66,9% dos vínculos, enquanto a Ucrânia atinge a marca de 85,1% desse volume.
No Brasil, a jornada de trabalho média é de 37,7 horas semanais por empregado, mas 12% desses trabalham 49 horas semanais ou mais, coisa bem diferente da Ucrânia, onde os trabalhadores encaram um expediente médio de 39 horas por semana, mas apenas 4% desse quantitativo precisam se ocupar por 49 ou mais horas semanais.
Isso quer dizer que, se, na Ucrânia, um importe de 845 mil pessoas se vê obrigado a trabalhar praticamente todos os dias, no Brasil, esse contingente é de quase 13 milhões de pessoas.
Sim, o Brasil consegue ser mais cruel com os filhos do seu solo do que a Ucrânia.
E não apenas mais cruel, mas, também, mais iníquo.
O rendimento mediano da economia ucraniana, medida que separa a população entre metade mais rica e metade mais pobre, é 11,5% inferior ao rendimento médio, já no âmbito da brasileira, a renda mediana está 40,4% abaixo da renda média.
Isso indica que ambos os circuitos produtivos concentram renda, mas o da ex-colônia lusitana o faz com maior intensidade do que o faz a sede do extinto Principado de Kiev.
Ademais, os ucranianos que estão entre os 10% mais pobres do seu país se apropriam de 4,1% da renda nacional enquanto, no Brasil, esse mesmo agrupamento social sobrevive com tão somente 0,9% desse agregado macroeconômico.
Em contrapartida, se, na Ucrânia, os 10% mais ricos se assenhoram de 22,3% da renda, no Brasil, esse mesmo estrato toma para si 41,9% de mesmo bolo.
Mas como diferença pouca é bobagem, a turma que habita a órbita do 1% mais rico captura 18% da renda nacional na Ucrânia e outros 25% no Brasil.
Nesse sentido, o Índice de Gini, que dimensiona níveis de desigualdade de um dado fenômeno, e que pode ir de 0 (total igualdade) a 1 ponto (total concentração em um único elemento), aplicado para a distribuição de renda nacional é de 0,266 pontos na Ucrânia e de 0,535 pontos no Brasil.
Em termos gerais, isso quer dizer que o Brasil, no ano de 2019, desfrutava de uma distribuição de renda muito mais desigual e desumana do que a Ucrânia.
Alguém pode até dizer que isso ocorre porque a estrutura econômica da Ucrânia é dona de uma maior produtividade do que a da brasileira. Logo, ela teria melhores condições de remunerar bem os seus trabalhadores.
Porém, isso não é verdade!
O PIB per capita por pessoa empregada – que serve como uma projeção da produtividade do país – era de US$ 27.7 mil anuais na Ucrânia enquanto que, no Brasil, ele era de US$ 33.8 mil anuais, em 2019.
Ou seja, esses valores mostram que o esforço produtivo do brasileiro é mais rentável do que o do ucraniano.
Também poderia se alegar que o Brasil é um país agrário e a Ucrânia, não.
Contudo, esse argumento também não se sustenta quando em face à realidade.
O setor agropecuário, extrativista e de pesca responde por 9% do produto da Ucrânia, proporção que é de apenas 4,2% no Brasil. E a economia brasileira é tão industrializada quanto a ucraniana, com a manufatura respondendo por algo em torno de 10,5% do PIB nas duas nações.
E se o Brasil possui um superávit comercial que orbita a casa dos 3% do PIB, respondendo por pouco mais de 1% das transações internacionais de exportação e importação, a Ucrânia cultiva déficits e mal chega a 0,3% do comércio mundial.
Esses números sugerem que, sob diversos aspectos, não há motivos para que o Brasil, em 2019, tivesse mais de 55 milhões de pessoas na Pobreza, porque na Ucrânia, com um perfil macroeconômico de menor relevância, se sofre menos com essa tragédia.
Não que o referido país, que agora enfrenta uma guerra insana, seja um mar de rosas ou que não possua suas próprias mazelas, mas a questão é que ele reforça a percepção de que o Brasil é inclemente e despótico.
Afinal, com menos recursos do que o jovem país meridional, a velha nação do leste europeu consegue prover aos seus cidadãos e cidadãs uma equidade jamais vistas nestes “Tristes Trópicos”.
E o peso dessa perversidade fica patente quando se descobre que, no ano de 2021, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,754 pontos, a Ucrânia está dez posições à frente do Brasil (0,765), sendo ambos classificados como áreas de médio desenvolvimento. Todavia, quando esse indicador é ajustado pela Desigualdade Social, ele se vê perdendo 3 posições e ela, ganhando 33 posições, ficando a 46 posições de distância.
Então, por que o Brasil é mais cruel e iníquo do que a Ucrânia?
A resposta a essa simples pergunta é complexa, envolve uma diversidade de fatores e não tem feitio pronto, no entanto, não há como fugir da hipótese de que essa situação, muito provavelmente, seja fruto de uma opção política do povo brasileiro.
Por algum motivo, a nossa gente entende que o nosso circuito produtivo só consegue subsistir se mantiver em pé essa ímpia e injusta estrutura de distribuição de renda.
E, assim, nos esforçamos para mantê-lo nesse formato.
Por exemplo, a Constituição de 1988 foi desenhada para nos garantir a Proteção Social e a Cidadania, mas desde então, na maioria das vezes, nós temos votado em políticos que se empenharam em reduzir o alcance e a eficácia das Políticas Públicas Emancipatórias, por meio das mais maléficas e insensíveis propostas de “Reformas”.
Então, quem vê de fora, pode até vir a pensar que nossa economia – e nossa sociedade – só funciona se ela mantiver muito mais pobres os mais pobres e muito mais ricos os mais ricos, coisa que, ao que tudo indica, não ocorre na Ucrânia, não no nível do Brasil.
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(*) É doutor em Administração pelo NPGA/UFBA e mestre em Economia pelo NUPEC/UFS