Em 13 anos de carreira, o delegado da cidade de Capela, Wanderson Bastos Andrade, nunca havia presenciado um comportamento tão arrogante de um preso. O suspeito Adriano Santos Melo, preso em flagrante por furto, se recusou a assinar o depoimento proferindo palavras de baixo calão. Isso obrigou o delegado a comunicar à Justiça o motivo pelo qual o depoimento não foi assinado. Agora pela manhã, Wanderson informou ao Só Sergipe que a juíza Cláudia do Espírito Santos, titular de Capela, decretou a prisão preventiva do acusado, que ontem deu entrada no Complexo Penitenciário Antônio Jacinto Filho (Compajaf).
Ao mesmo tempo em que comunicava à Justiça a recusa de Adriano em assinar o depoimento, Wanderson redigiu um despacho e chegou a arbitrar uma fiança de 10 salários mínimos (R$ 9.980,00), “a fim de que o suspeito se convença da necessidade de rever sua conduta dentro de um mundo civilizado”.
O delegado argumentou o enunciado 40 do Fórum Nacional de Juízes Criminais (Fonajuc) que estabelece que “é possível a decretação de prisão preventiva em vista de cometimento de crimes de pequena expressão”. Nesse sentido, frisa o delegado, “à luz do entendimento do Fonajuc, que seria possível a preventiva do suspeito, já que ele é voltado à prática reiterada de furtos”. De fato, Adriano Santos ficou preso no Compajaf de 4 de abril de 2016 até 26 de julho de 2017, quando recebeu um alvará de soltura.
O despacho do delegado, informando exatamente as palavras ditas pelo acusado Adriano Santos Melo, viralizou nas redes sociais em Sergipe. Ele disse que “omitir o que o flagranteado disse literalmente, sob o pálio de puritanismos, seria esconder do juiz traços significativos da própria personalidade do preso, algo relevante que, no futuro, haverá de ser sopesado para cumprimento do art. 59 do Código Penal”.
Ele explicou, ainda que “a propósito, com base no histórico do preso, com base em seu trato indigno para com a polícia e com base no prejuízo social que seus crimes causaram foi que exarei outro despacho (o de fiança), onde apontei, fundamentado em enunciado do Fonajuc, a possibilidade inclusive de ser decretada sua preventiva, o que efetivamente ocorreu. Com efeito, a Bíblia diz que se conhecermos a verdade, ela nos libertará (João 8,32)”.
Para Wanderson, “a polícia foi ofendida pelo flagranteado. A certidão (poderia chamar-se despacho) foi exarada por mim com a finalidade de explicar à juíza da Capela por que motivo o preso não assinou seu interrogatório e as demais peças que, por força de lei, ele precisaria assinar (nota de culpa, garantias constitucionais etc.). E por que a certidão foi assim redigida? Simples. Porque, à luz da principiologia extraída do art. 215 do código de processo penal, as palavras e/ou frases empregadas por quem depõe (por quem fala perante a autoridade constituída) devem ser reproduzidas fielmente. Em síntese, observei a lei. E, a rigor, o que a lei quer é que o juiz sinta com os olhos (mediante a leitura) aquilo que a polícia vivencia diuturnamente com olhos e ouvidos”.
O delegado explicou que, ao ser fiel às declarações do acusado, “permite que o juiz enxergue em plenitude a verdade das palavras desrespeitosas de um flagranteado e pode nos garantir ficar livres, temporariamente, de assaltantes como o deste inquérito, que fazem pouco caso, não apenas do patrimônio alheio, como também da autoridade estatal”.
Wanderson foi buscar no poema Romance das palavras aéreas, de Cecília Meireles mais argumentos. “Nesse poema, Cecília assegura que elas (as palavras) estão nas mãos dos juízes. Penso, portanto, que minha certidão atingiu seu fim (legal e poético): levou o sentido da vida, através das chulas palavras do preso, para as hábeis mãos de uma magistrada que o manteve segregado, longe das pessoas boas da Capela. E, por causa dessa verdade não escondida, Capela ficou livre do aroma fétido das vis palavras do preso e das consequências insuportáveis de sua personalidade. Creio, pois, que expor, nessa certidão, a nua verdade, sem liturgias ritualísticas, serviu para manter Capela vestida com o perfume da liberdade”.
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