quinta-feira, 14/11/2024

Adultos na sala, a nova lição que nos vem do grego Costa-Gavras

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Luciano Correia (*)

 

O último filme do grego  Costa-Gavras é uma aula de política. O tema da película, a luta do então ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, contra o establishment das finanças mundiais no processo de renegociação da dívida externa, é também uma aula de esperança.

Quebrada por seguidos governos corruptos e gastadores, a Grécia mergulhou numa crise sem precedentes em 2008. Em 2015, todas as esperanças da população dali foram confiadas à eleição de um jovem engenheiro de 41 anos, Alexis Tsipras, carismático líder do partido de esquerda radical Syriza.

Eleito primeiro-ministro, coloca na pasta das finanças Yanis Varoufakis, jovem brilhante, militante de organizações sem fins lucrativos para a geração de renda para os pobres, um intelectual refinado e professor de importantes universidades de países como Inglaterra, Estados Unidos, Austrália e a própria Grécia.

O filme baseia-se no relato que Varoufakis faz no seu livro “Adultos na Sala: Minha Batalha Contra o Establishment”, o passo a passo do duríssimo enfrentamento das feras dos governos e bancos europeus, um jogo bruto e violentamente desequilibrado em favor dos donos do capital.

Habilidoso, preparado como pouquíssimos na política, na economia e na interlocução com os líderes mundiais, Varoufakis lembra o destemor, a obstinação e a utopia de um Che Guevara jovem, antes de virar o que virou no exercício do poder. Só que muito mais preparado, raciocínio ligeiro e mordaz, quando necessário, mas temperado pela paciência e pela tolerância incomuns no ambiente em que ele jogava as cartas da renegociação da dívida grega.

O filme é a reprodução desse sofrido processo em tons fortes, ora dramático, ora com leves toques de humor. Costa-Gavras, um gênio do cinema, muitíssimo mais importante do que uma dezena de “monstros” consagrados pela mídia, com filmes como Z, de 1969, sobre o assassinato de um político liberal em plena ditadura militar grega; Estado de Sítio, 1973, que trata da repressão no Cone Sul, e Missing – Desaparecido, de 1982, sobre os assassinatos políticos na ditadura do general Pinochet no Chile.

Estes são os mais emblemáticos trabalhos de Gavras, um grego que era adorado por dez entre dez companheiros de minha geração.

Costa-Gavras tem uma filmografia extensa, com muitos outros títulos, mas estes foram os que constituíram seu portfólio político, sendo cultuado nos ambientes da esquerda no mundo todo. Um pouco sumido da mídia – desgraçada mídia: de que gostam seus tubarões, afinal? -, ganhou novamente a atenção da crítica com o impagável O Capital, de 2012, seu penúltimo filme, antes de nos brindar com essa maravilha de Adults in The Room – escrevo o título em inglês porque ainda não foi lançado no Brasil e sabe-se lá que título a indústria nacional, com suas esquisitices, vai arranjar.

O Capital é também um filme extremamente político, dessa vez flertando com o humor e a ortodoxia dos mercados financeiros mundiais, a devoção sagrada ao São Capital.

Em Adults in The Room, ele dramatiza a batalha quase solitária de Varoufakis, sabotado pela direita grega, a mídia – olhe ela aí de novo, cumprindo seu “papel histórico”! –  e pares do próprio governo.

Charmoso, inteligente e culto, a impressão é que essas qualidades despertam uma inveja secreta no primeiro-ministro Alexis Tsipras, tais são a passividade e a distância com que acompanha o sangramento público do seu ministro das finanças. Ou não.

Talvez seja mesmo essa a diferença de um político populista de esquerda – Tsipras – e um jovem de esquerda íntegro e transparente – Varoufakis.

O fim da história é conhecido: abandonado pelo populismo calculista do seu líder, não resta a ele senão renunciar. Tsipras, por seu turno, renuncia pouco depois e convoca novas eleições, vencendo e ganhando condições para governar por quatro anos.

Mas em 2019, em novas eleições, adivinhem quem vem para jantar Tsipras, o Syriza e o sonho socialista dos que apostaram numa saída antiliberal, antiausteridade contra a ditadura do FMI e Banco Central Europeu? A velha e onipresente direita, que se aproveita do desgaste provocado pela dose do remédio aplicado na economia para buscar apoio dos mais afetados pelas medidas de arrocho, ele mesmo, o mítico povo, sempre disposto a votar contra si próprio. Sonho socialista grego naufragado, resta-nos o luxo das ideias e a energia de Varoufakis, bálsamo de esperança para essa juventude que vaga nas ruas e universidades, iludidas por tolices como o PSOL e suas antas batizadas.

E o mais importante de tudo isso: a delícia de ver um Costa-Gavras, aos 88 anos, intelectualmente ativo, vibrante, nos entregando obras de arte como Adultos na Sala.

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Sobre Luciano Correia

Luciano Correia
Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).

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