domingo, 27/10/2024
Lucilla Menezes: "É necessário que os servidores se mobilizem"

Advogada Lucilla Menezes: “Os prejuízos são imensos para os servidores públicos”, diante de decisão do STF

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Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), depois de uma provocação do Governo do Piauí, determinou que as pessoas que ingressaram no serviço público, antes da Constituição de 1988, terão que se aposentar pelo INSS e não pelo regime próprio. Essa decisão se estende para todo o país e, na semana passada, autoridades de Sergipe se reuniram no Tribunal de Contas do Estado para estudar a questão e, por enquanto, não decidiram nada.

A advogada Lucilla Menezes, especialista em direito administrativo e penal, está atenta ao tema e alerta que servidores que contribuíram ao longo de 30 anos poderão ter prejuízos financeiros, caso se aposentem pelo INSS, cujo teto atual é de R$ 7.786,02. “Os prejuízos são imensos para aqueles servidores que deverão ter o regime de contribuição previdenciária mudado em decorrência da decisão do STF”, destaca a advogada, frisando que, o quanto antes, estes funcionários e os sindicatos devem tomar as providências necessárias.

“É necessário que os servidores que se encontrem nessa situação mobilizem-se e procurem os sindicatos que regem a categoria. Também seria interessante a busca por uma assessoria jurídica para que se analise a situação concreta do servidor. Melhor se antecipar do que ficar esperando uma resposta institucional”, orienta Lucilla Menezes.

Enquanto o governo de Sergipe fez apenas uma reunião e não chegou a nenhuma conclusão, o governo do Rio Grande do Norte deu até o dia o 25 de abril para os servidores se aposentarem através do regime próprio, caso contrário terão que fazê-lo pelo INSS, e os prejuízos serão inevitáveis. No Estado potiguar são 3,6 mil servidores não concursados. Em Sergipe, as discussões estão engatinhando e nem se sabe a quantidade de servidores nessa situação.

Tribunal de Contas do Estado reuniu representantes de diversos órgãos para discutir  a questão Foto: Igor Graccho.TCE-SE

Durante o debate do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE-SE), que reuniu representantes de diversas instituições, o defensor público estadual Jesus Jairo Almeida destacou: “É importante para que possamos buscar soluções frente à essa decisão do STF; a Procuradoria-Geral do Estado está preparando um parecer e realmente temos que ir também ao Supremo para que possa dar uma decisão mais clara e assim tenhamos um norte de como agir no nosso estado”.

E por falar em norte, é necessário que Sergipe tome um rumo nessa questão. “É imprescindível um posicionamento claro do Estado de Sergipe, até porque a decisão do STF já está valendo. Como será feita essa transição de regime previdenciário e em qual prazo?”, questiona a advogada, que é mestra em Direito pelo Programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Sergipe.

Confira, agora, os principais pontos da entrevista do Só Sergipe com a advogada Lucilla Menezes.

SÓ SERGIPE – Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril de 2023, determinou que servidores que ingressaram, sem concurso público antes da Constituição de 1988, devem se aposentar pelo INSS, e não pelos regimes próprios. O assunto voltou a ser debatido agora, por quê?

LUCILLA MENEZES – A decisão do STF é de 13/04/2023 e nela fixou-se o prazo de 12 meses, contados da data da publicação da ata de julgamento do acórdão, que se deu em 17/04/2023, para que fosse adotado pelo Estado do Piauí as providências legislativas e administrativas necessárias para adaptação dos servidores e para a devida modificação de regimes previdenciários.

Sendo assim, o prazo final concedido pelo STF para essas adaptações é o de 17/04/2024, especificamente para o autor da ação judicial que foi o Estado do Piauí.

Ocorre que essa decisão do STF tem, o que chamamos no Direito, eficácia erga omnes e efeito vinculante, ou seja, é assegurado que a autoridade da decisão se estenda a todos, independentemente de participação no processo judicial, e garante que os poderes Judiciário e Executivo cumprirão o conteúdo do decidido.

Dessa forma, como os efeitos da decisão do STF já estão valendo para todo o Brasil e não apenas para o autor da ação judicial, voltou-se a discutir esse tema que trará grandes impactos à sociedade.

SÓ SERGIPE – Qual foi o objetivo da arguição de descumprimento de preceito fundamental feita pelo governo do Piauí?

LUCILLA MENEZES – O STF foi provocado a partir de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) proposta em março de 2019 pelo governador do Estado do Piauí. O objetivo dessa ação foi a de resolver relevante controvérsia constitucional sobre a lei estadual piauiense n. 4.546/1992, anterior à ordem constitucional inaugurada pela EC (Emenda Constitucional) n. 20/1998.

Até então, a lei estadual piauiense acatava a filiação de servidores não ocupantes de cargos efetivos (que não se submeteram a concurso público) ao regime próprio da previdência social.

Todavia, com o advento da EC n. 20/1998, o regime próprio de previdência teve a sua filiação restringida aos servidores civis ocupantes de cargos efetivos ou vitalícios, o que levou à interposição pelo Estado do Piauí da ADPF em questão.

SÓ SERGIPE – Quais os efeitos práticos dessa medida? O que estes servidores devem fazer?

LUCILLA MENEZES – O principal efeito prático da decisão do STF é que haverá a exclusão do regime próprio de Previdência Social de todos aqueles servidores não detentores de cargo efetivo, ou seja, os servidores admitidos sem concurso público. Assim, esses serão transferidos para o Regime Geral da Previdência Social, regido pelo INSS.

Estão excluídos da decisão do Supremo apenas aqueles servidores que já se aposentaram pelo regime próprio e os que tenham preenchido os requisitos para a aposentadoria, seja o etário e o de tempo de contribuição.

É necessário que os servidores que se encontrem nessa situação mobilizem-se e procurem os sindicatos que regem a categoria. Também seria interessante a busca por uma assessoria jurídica para que se analise a situação concreta do servidor. Melhor se antecipar do que ficar esperando uma resposta institucional.

SÓ SERGIPE – Depois do cidadão contribuir, digamos, 30 anos, com o sistema de previdência do Estado, ser aposentado pelo INSS lhe tratará prejuízos financeiros?

LUCILLA MENEZES – Esse é o grande debate que está instaurado e trará sim prejuízos financeiros às pessoas que serão obrigadas a migrarem do regime previdenciário próprio para o do INSS.

O primeiro desses problemas é que há um teto previdenciário para quem é regido pelo Regime Geral da Previdência Social, ou seja, há um valor máximo para as aposentadorias e pensões pagas pelo INSS. No ano de 2024 esse teto é de R$ 7.786,02.

Agora imaginemos a seguinte situação hipotética: um servidor entrou para o estado ou município sem concurso público, antes da promulgação da Constituição Federal, aos 18 anos de idade e vem contribuindo para o regime próprio há 36 anos. Ocorre que esse servidor hipotético tem, em 2024, apenas 54 anos e ainda não completou o critério etário para se aposentar. Sendo assim, esse servidor terá que ser migrado para a previdência do INSS, mesmo tendo contribuído para o regime próprio por mais de três décadas.

Acrescentemos, ainda, que esse servidor sempre contribuiu para a previdência do regime próprio com valores que superam o teto do INSS. Ocorre que, ao se aposentar, terá o seu benefício limitado pelo valor do teto da previdência social e perderá o direito à integralidade e paridade de seus vencimentos. Sabemos que a regra da integralidade assegura a totalidade da remuneração recebida no cargo em que se deu a aposentadoria. Já a paridade garante a inativos as mesmas modificações de remuneração e os mesmos benefícios ou vantagens concedidos aos servidores ativos da carreira.

Assim, uma pessoa que sempre contribuiu com valores acima do teto previdenciário para o regime próprio, ao ser migrado para o INSS, somente poderá se aposentar recebendo, no máximo, o valor do teto e sem levar as garantias funcionais que conquistou durante o exercício da função pública.

Outros problemas que serão enfrentados pelos entes públicos, quando fizerem essa transição de servidores do regime próprio para o do INSS, será o da obrigação de efetuarem os depósitos do FGTS de cada uma das pessoas que serão obrigadas a migrarem de regime previdenciário, além da restituição das contribuições previdenciárias que, porventura, foram recolhidas a maior. Ocorre que essa restituição, por exemplo, somente poderá ter como referência os últimos 5 (cinco) anos, em decorrência da prescrição quinquenal.

Dessa forma, os prejuízos são imensos para aqueles servidores que deverão ter o regime de contribuição previdenciária mudado em decorrência da decisão do STF.

SÓ SERGIPE – Já que a senhora fala de prejuízos, pergunto:  Não parece ser uma decisão que só prejudica o cidadão e beneficia financeiramente os Estados e a própria União?

LUCILLA MENEZES – Em níveis práticos sim, já que a decisão do STF prejudicará a vida de muitos brasileiros que contribuíram por anos a fio para o regime próprio com a expectativa de se aposentarem nele.

Contudo, a decisão do STF está em consonância com o determinado pela Constituição Federal de 1988 que exige que a investidura em cargos ou empregos públicos ocorra por meio de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego.

SÓ SERGIPE – Há como recorrer dessa decisão, com algum “remédio jurídico”, expressão muito usada pelos advogados?

LUCILLA MENEZES – A decisão do STF transitou em julgado em 04/05/2023 e, portanto, não é passível manejar quaisquer recursos.

SÓ SERGIPE – Essa decisão do STF atinge os magistrados? Ou a lei não vale para eles? Por quê?

LUCILLA MENEZES – Não atinge. Os juízes de carreira, assim denominados os concursados, são regidos pelo regime próprio da previdência. Nesse caso, para ser juiz de carreira, é necessário passar num concurso de provas e títulos e a aposentadoria se dará pelo regime próprio da previdência para esses magistrados.

SÓ SERGIPE – Há uma frase de Maquiavel que diz o seguinte: “Aos amigos os favores, aos inimigos a lei.” Seriam os servidores públicos, os inimigos do STF?

 LUCILLA MENZES  Não vejo dessa forma.

Pensando apenas dentro de uma perspectiva conjuntural, ou seja, em um ciclo de curto prazo da economia ou da política, podemos dizer que, realmente, a decisão do STF é injusta para essas pessoas que contribuíram 30 anos ou mais para um regime próprio na expectativa de se aposentarem nele e que agora terão que ser migrados para o regime do INSS, o que acarretará perdas financeiras a esses servidores, conforme já explicado.

Acontece que em âmbito estrutural, ou seja, a longo prazo, a decisão do Supremo alinha-se aos preceitos constitucionais que regem a coisa pública, e os cargos públicos fazem parte dessa estrutura política e devem ser ocupados por pessoas que se submeteram a um concurso público e foram nele aprovadas.

Uma decisão como essa servirá também para modular a consciência social da população sobre como os espaços na esfera pública podem e devem ser ocupados, e a regra é a do concurso público.

Ademais, foi justamente pensando na segurança jurídica e na boa-fé daquelas pessoas que já se aposentaram pelo regime próprio e/ou que já cumpriram os requisitos para a concessão da aposentadoria é que o STF excluiu esses servidores dos efeitos da decisão.

SÓ SERGIPE – No dia 7 de março deste ano, o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe se reuniu com representantes da Defensoria Pública, Secretaria de Estado da Administração, Procuradoria Geral do Estado e institutos de previdência do Estado e município de Aracaju. A senhora tem conhecimento de algum resultado prático desta reunião?

LUCILLA MENEZES – Ainda não há quaisquer resultados práticos dessa reunião. O que houve foi o início de um debate institucional para saber como implementar essa transição aqui no Estado de Sergipe.

A Procuradoria Geral do Estado de Sergipe comprometeu-se a emitir um parecer sobre a questão e, com certeza, abordará os aspectos práticos de como conduzir essa transição no nosso Estado.

SÓ SERGIPE – Já se sabe quantos servidores públicos – sejam eles estaduais, municipais e federais – em Sergipe, que ingressaram antes de 1988?

LUCILLA MENEZES – Ainda não há um dado oficial aqui no Estado de Sergipe de quantos servidores serão atingidos pela decisão do Supremo. E é necessário cobrar, o quanto antes, da esfera pública, que esse levantamento seja feito.

SÓ SERGIPE – É urgente que o Estado de Sergipe se pronuncie sobre este tema e busque proteger os servidores, pelo menos em tese?

LUCILLA MENEZES – É imprescindível um posicionamento claro do Estado de Sergipe, até porque a decisão do STF já está valendo. Como será feita essa transição de regime previdenciário e em qual prazo? São essas as perguntas que o Estado precisa responder de maneira rápida e clara para não causar mais angústia àqueles servidores que estão incluídos nessa situação.

SÓ SERGIPE – Este tema já deveria estar na pauta dos sindicatos de servidores públicos. Como essas entidades devem atuar?

LUCILLA MENEZES – Esse tema já deveria ter entrado na pauta de discussão dos sindicatos dos servidores públicos desde o ano passado, visto que a decisão é de 2023.

É preciso cobrar das diretorias dos sindicatos dos servidores públicos uma análise minuciosa da decisão tomada pelo STF e possíveis impactos e desdobramentos para os servidores.

As entidades também deveriam marcar palestras com especialistas na área para esclarecer dúvidas e definir ações em defesa dos filiados atingidos.

SÓ SERGIPE – O Estado do Rio Grande do Norte já deu um prazo até o dia 25 de abril para os servidores de lá pedirem aposentadoria, sem necessidade de vinculação ao regime geral (INSS).  A senhora sabe se outros Estados já tomaram decisão semelhante?

LUCILLA MENEZES – O Governo do Estado do Piauí também está se movimentando e enviou à Assembleia Legislativa do Estado um Projeto de Lei para disciplinar o regime trabalhista e previdenciário dos servidores que retornaram ao status jurídico anterior à edição da Lei estadual n. 4.546/1992.

É necessário que aqui em Sergipe as instituições ajam rapidamente e deem uma resposta à sociedade de como será aplicada a decisão do Supremo.

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Sobre Antonio Carlos Garcia

Editor do Portal Só Sergipe

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