Na última terça-feira, 15, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formalizou acordo com oito redes sociais – exceto o Telegram – para combater a desinformação durante o processo eleitoral e, obviamente, combater as notícias falsas (fake News), tão corriqueiras no Brasil. Essas empresas se comprometeram em excluir de suas plataformas dados considerados nocivos. Para o advogado e presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Sergipe, Afonso Carvalho de Oliva, a iniciativa do TSE foi “um passo importante no sentindo de reforçar as bases democráticas do processo eleitoral brasileiro”.
O atual presidente da República, Jair Bolsonaro, frequentemente, faz uso das redes sociais para desacreditar o voto eletrônico, iniciado no Brasil em 1996. O curioso é que quando foi deputado federal Bolsonaro nunca reclamou dos votos que recebeu, mas ao se tornar presidente entrou em guerra com o TSE questionando a lisura do voto eletrônico, porém sem provar nada.
O TSE, diante de tantas fake News disseminadas por Jair Bolsonaro e seus seguidores, agiu. “Nada surge do nada. O Poder Judiciário é um poder reativo, sua ação depende de uma provocação, assim, nada mais natural que vejamos uma ação maior em face daqueles que são hegemônicos no uso de determinadas ferramentas”, explicou o advogado Afonso Oliva ao ser questionado se o TSE estaria sendo “partidário”, pois os bolsonaristas são os que mais usam as redes sociais para pregar retrocessos na questão do voto e também disseminar informações contra o uso eficaz da vacina contra a Covid-19. “Nada mais antidemocrático que tentar pôr em dúvida a isenção dos poderes estabelecidos, temos um judiciário forte e independente, fiel às tradições democráticas”, completou.
Antenado com o que se passa no mundo jurídico, político e nas mídias digitais, Afonso Oliva tem acompanhado com atenção a tramitação do projeto de lei que pretende dificultar a interferência no controle do conteúdo das redes sociais. “Acompanho de forma crítica a medida provisória, que, em lugar de defender a liberdade de expressão, buscava sim dificultar a retirada de conteúdo ofensivo postado em redes sociais”. Quanto ao projeto de lei (PL 2630 -Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet), “ao menos em sua redação inicial, apresenta uma interferência grande do poder público nas comunicações e plataformas privadas, flertando com um estado policialesco de coisas”, disse Afonso, doutorando em Ciências Jurídicas Privatísticas pela Escola de Direito da Universidade do Minho, em Portugal.
Esta semana, o advogado Afonso Oliva – que é professor coordenador do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade de Direito 8 de Julho, dentre as inúmeras funções profissionais – conversou com o Só Sergipe sobre o ano eleitoral e o uso das redes sociais nas campanhas. Ele não tem dúvidas de que haverá um aumento exponencial no uso dos meios eletrônicos nas campanhas eleitorais.
Confira a entrevista.
SÓ SERGIPE – O que o senhor espera da campanha eleitoral que está por vir e que, seguramente, será feita em ambientes virtuais? Será acirrada?
AFONSO OLIVA – Não tenho dúvidas de que observaremos um aumento exponencial no uso dos meios eletrônicos para realização da campanha eleitoral, principalmente após a aparente dominação desses meios por um grupo político, nada mais natural que a aproximação das demais agremiações aos meios eletrônicos.
SÓ SERGIPE – Esta semana o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou parcerias com as principais plataformas digitais. Como o senhor interpretou esse chamamento do TSE?
AFONSO OLIVA – Claramente trata-se de um passo importante no sentindo de reforçar as bases democráticas do processo eleitoral brasileiro. Passamos da primeira fase em que as plataformas digitais eram vistas como algo diverso dos meios de comunicação, e cujo controle só poderia ser exercido por meio judicial. Felizmente o TSE percebeu a dinamicidade das relações em meio eletrônico e a necessidade de trabalho em conjunto com os mantenedores dessas plataformas.
SÓ SERGIPE – A iniciativa do TSE em dialogar com as redes sociais e estabelecer normas para essas eleições gerou controvérsias, pois alguns interpretam que isso é censura. Outros, que a regulamentação é necessária. O que diz a lei?
AFONSO OLIVA – Os regulamentos eleitorais são alterados de modo específico para cada pleito eleitoral, de forma que podemos ver algumas mudanças específicas para lidar com as redes sociais.
O Marco Civil da Internet, lei federal número 12.965, em seu artigo 19, busca assegurar a liberdade de expressão, garantindo a ausência de responsabilidade das plataformas por conteúdo gerado por terceiros. Todavia, caso esse conteúdo seja declarado ilegal pelo poder judiciário, deve a plataforma se abster de continuar a divulgação, sob pena de responsabilização. Assim, a parceria entre TSE e plataformas possui, sem dúvidas, o objetivo de tornar essa dinâmica mais efetiva.
SÓ SERGIPE – As plataformas TikTok, Facebook e Instagram anunciaram que irão excluir publicações que forem julgadas nocivas. O que se entende por publicações nocivas?
AFONSO OLIVA – Inicialmente devemos compreender que todas as plataformas de redes sociais, são, efetivamente, serviços privados, regidos por termos de uso específicos, capazes de regular o seu uso de acordo com a vontade de seus proprietários, desde que estejam de acordo com os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros. Dessa forma, é possível, por exemplo, que as plataformas delimitem alguns comportamentos que considerem inadequados e passíveis de exclusão da sua rede.
Assim, podem as empresas considerarem que um envio em massa de mensagens iguais é um comportamento nocivo, ou que a inserção de várias pessoas, sem solicitação, em um grupo também possa ser considerada como comportamento nocivo.
Para o TSE, o principal ponto de preocupação é a divulgação de notícias falsas, capaz de gerar desinformação.
SÓ SERGIPE – A principal plataforma utilizada por Bolsonaro, o Telegram, não enviou representante para a reunião com os ministros do TSE, as cartas enviadas foram devolvidas. Ou seja, segue livre e sem compromisso. Isso indica que haverá problemas quando, digamos, o presidente voltar a pregar o fim do voto digital?
AFONSO OLIVA – A ausência de resposta do Telegram para os convites formulados pelo TSE e a inexistência de uma representação oficial da empresa no Brasil podem ser um indicativo de uma maior resistência no cumprimento da legislação brasileira e das decisões. Assim, é possível que vejamos uma maior concentração de grupos que buscam propagar desinformações nestas plataformas que tentam seguir à margem da legislação nacional.
SÓ SERGIPE – Há risco da Justiça brasileira suspender o Telegram no país?
AFONSO OLIVA – Existe a possibilidade dessa suspensão. Em outras oportunidades já vimos esse tipo de bloqueio, que acabou por dividir especialistas na área, pois o fundamento não era utilizado pelo Poder Judiciário, permitia duas interpretações diversas.
Atualmente, já contando com a existência da Lei Geral de Proteção de Dados, essa suspensão pode ocorrer de forma mais fundamentada, uma vez que o tratamento de dados realizado pela mantenedora do Telegram pode ser considerado ilegal.
SÓ SERGIPE – O Senado devolveu uma medida provisória editada pelo presidente Bolsonaro defendendo a liberdade das redes sociais. Agora foi encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de lei que pretende dificultar qualquer interferência no controle do conteúdo dessas redes. O Brasil segue assistindo a uma queda de braço entre o presidente e o STF. O senhor acha que esse projeto de lei será aprovado?
AFONSO OLIVA – Acompanho de forma crítica a medida provisória, que, em lugar de defender a liberdade de expressão, buscava sim dificultar a retirada de conteúdo ofensivo postado em redes sociais, criando passos que ampliavam demasiadamente o processo de análise destas situações. Hoje, com base no artigo 19 do Marco Civil da Internet, já temos um processo bem delimitado para essa análise.
Noutro giro, também vemos de forma crítica o projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional, PL2630 (Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet) já que o mesmo, ao menos em sua redação inicial, apresenta uma interferência grande do poder público nas comunicações e plataformas privadas, flertando com um estado policialesco de coisas.
SÓ SERGIPE – A campanha do então candidato Jair Bolsonaro, em 2018, foi feita através das redes sociais e tende a se repetir agora. A intenção do TSE é combater fake news, mas o discurso dos ministros deixa transparecer que os problemas só serão causados pela claque bolsonarista, diante de problemas já ocorridos. O TSE não estaria sendo partidário?
AFONSO OLIVA – Ex nihilo nihil fit – Nada surge do nada. O Poder Judiciário é um poder reativo, sua ação depende de uma provocação, assim, nada mais natural que vejamos uma ação maior em face daqueles que são hegemônicos no uso de determinadas ferramentas. Nada mais antidemocrático que tentar pôr em dúvida a isenção dos poderes estabelecidos, temos um judiciário forte e independente, fiel às tradições democráticas.
SÓ SERGIPE – Desde sempre, a internet pareceu ser uma terra sem lei. Um juiz sergipano derrubou, por duas vezes, o WhatsApp em todo o país, mas de nada adiantou. O que se espera, na prática, essa parceria entre TSE e redes sociais?
AFONSO OLIVA – Como citei anteriormente, acredito que passamos do momento de estranhamento com as redes sociais, a aproximação é necessária para tornar a nossa legislação cada vez mais efetiva, podemos entender essa aproximação como similar ao que acontece com as emissoras de rádio e tv, além da própria mídia impressa, com limites claros de atuação das empresas, sempre com o objetivo de fortalecer a democracia.
SÓ SERGIPE – Embora o foco das notícias seja com relação à eleição presidencial, não se pode esquecer que haverá eleições nos estados. Qual deve ser a postura dos candidatos a governador e aos demais cargos nessas eleições?
AFONSO OLIVA – O objetivo de todo processo eleitoral é reforçar o regime democrático brasileiro, assim, espera-se dos candidatos uma postura proativa em defesa da democracia, ações transparentes de uso das informações, sem a propagação de notícias falsas ou interpretações deturpadas de fatos, capazes de gerar desinformações.
SÓ SERGIPE – Não seria interessante que no período que antecede as eleições, antes da propaganda eleitoral, os candidatos fossem orientados?
AFONSO OLIVA – Sem dúvida! Esse é um dos objetivos do TSE, também é importante destacar a recente publicação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados em conjunto com o TSE denominada “Guia Orientativo – Aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais por agentes de tratamento no contexto eleitoral”, o qual possui como objetivo a apresentação de “uma série de orientações práticas sobre a aplicação da LGPD nas eleições de 2022, além de explicar e esclarecer sobre os aspectos obrigatórios da lei no contexto eleitoral. O texto também faz uma série de recomendações e boas práticas a serem seguidas pelos candidatos, partidos políticos e coligações”.