Com a pandemia, muitas crianças estão fora da escola. Também pais ou responsáveis estão tirando menores da instituição particular para pública. Indagado por algumas pessoas se é possível tirar as crianças da escola segue uma reflexão.
Em setembro de 2018 o STF decidiu que:
“A educação é um direito fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana e à própria cidadania, pois exerce dupla função: de um lado, qualifica a comunidade como um todo, tornando-a esclarecida, politizada, desenvolvida (CIDADANIA); de outro, dignifica o indivíduo, verdadeiro titular desse direito subjetivo fundamental (DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA). No caso da educação básica obrigatória (CF, art. 208, I), os titulares desse direito indisponível à educação são as crianças e adolescentes em idade escolar. 2. É dever da família, sociedade e Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, a educação. A Constituição Federal consagrou o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes com a dupla finalidade de defesa integral dos direitos das crianças e dos adolescentes e sua formação em cidadania, para que o Brasil possa vencer o grande desafio de uma educação melhor para as novas gerações, imprescindível para os países que se querem ver desenvolvidos. 3. A Constituição Federal não veda de forma absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e adolescentes. São inconstitucionais, portanto, as espécies de unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e homeschooling puro, em qualquer de suas variações. 4. O ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de sua família, porém não é vedada constitucionalmente sua criação por meio de lei federal, editada pelo Congresso Nacional, na modalidade “utilitarista” ou “por conveniência circunstancial”, desde que se cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17 anos, e se respeite o dever solidário Família/Estado, o núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão….”
A atual Lei de Diretrizes e Bases do ensino brasileiro que recebe o número 9394, aprovada em 1996, traz no seu bojo possibilidades concretas em que a escola aproveite estudos de menores fora da escola com base no princípio constante no inciso X do artigo 3°: “valorização da experiência extra-escolar”. Com este fundamento, a escola deve acolher, inclusive avaliando a criança para fins de enquadramento em série ou nível.
O artigo 24 estabelece regras de organização para os níveis fundamental e médio pelas escolas, sendo uma delas, no inciso II letra C: “independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino.” Assim, é possível a pessoa nunca ter ido à escola, dominar os conteúdos curriculares, pedir avaliação escolar e receber a titulação do nível ou série na educação básica do Brasil.
O antigo supletivo, atualmente jovens e adultos, tratado no artigo 37 especifica: “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida”. Seu parágrafo primeiro determina: “os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames”.
Assim quem nunca foi à escola pode procurar uma que ofereça exame supletivo aos 14 anos e se for aprovado na avaliação receberá documento hábil equivalente ao ensino fundamental. De igual modo, aos 18 anos, no ensino médio. No mesmo toar, o parágrafo 2° do artigo 38 da mencionada lei estabelece: “os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames”. Se são por meios informais foram adquiridos fora da escola.
Pouco mais restrito, até ensino superior abre possibilidade no parágrafo 2º do artigo 47: “os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino”. Existe inclusive o notório saber na pós graduação previsto no parágrafo único do artigo 66. Portanto, quem tiver domínio de conteúdos adquiridos fora da escola pode pedir avaliação. Se aprovado fica liberado das aulas presenciais.
Tais determinações da lei brasileira não foram revogadas. O julgado do STF impede, até agora, a institucionalização da escola em casa porque não existe lei especifica que regulamente, mas nas entrelinhas da lei brasileira vigente pode acontecer, e acontece, desde 1996.
Como tal, qualquer pessoa ou escola, pode dispor destes dispositivos. No pós-pandemia, com certeza muitas escolas farão adequações para enquadrarem estudantes, com avaliações de aproveitamentos dos estudos fora da escola. Não será somente como consequência do fato, mas também porque foi sempre um direito de estudantes, obrigações das escolas, bem como pela fase que virá no ensino do país.
(*) Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.
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