Centro comercial sem automóveis e o ancoradouro de barcos para a Barra dos Coqueiros Foto: Autoria desconhecida
Por Acácia Rios (*)
O envelope pardo cheio de selos e carimbos sobre a mesa não engana. Antes mesmo de manuseá-lo e ler nele o meu nome, percebo que se trata de um livro. O remetente é o escritor mineiro e imortal Carlos Herculano Lopes, amigo de longa data que ainda mantém o hábito da correspondência. Dentro, uma carta manuscrita. Às vezes me custa entender a sua letra, mas isso faz parte do charme de algumas caligrafias.
Durante a leitura, eu era duas. Olhei o nosso passado pelo buraco de uma fechadura, mas eu também estava lá com o autor. Caminhei ao seu lado, andei de barco e vi Aracaju se erguendo.
Contemporâneo do naturalista alemão Alexander von Humboldt, Avé-Lallemant percorreu várias regiões do Brasil, chegando a Aracaju apenas quatro anos depois da sua fundação, em 1855. Vale a pena conhecer alguns fragmentos da sua descrição:
“Tem aspecto sumamente agradável. Tudo é bonito e novo na margem, embora muito provisório. A residência do presidente, a câmara provincial dos Deputados, um quartel, uma igreja e até uma loja maçônica – tudo ostenta na sua pequenez e exiguidade de espaço primorosa e bonita aparência.” (p. 331)
Estava tudo muito efervescente, como se observa nesta sequência de acontecimentos simultâneos:
“Por toda parte se trabalha, por toda parte se constrói, se cria. No largo rio, sobre o qual se edifica uma nova alfândega, ancoravam cerca de 20 navios de vela, e entre eles muitas bandeiras europeias, e até mesmo um rebocador, um poderoso auxiliar para transpor perigosa barra. Quem vem de Penedo, surpreende-se agradavelmente com a nova cidade.” (p. 331-332)
De Aracaju, Avé-Lallemant aluga um barco para conhecer “a distante Maruim”. Hospeda-se na casa de um casal de comerciantes alemães e não poupa elogios à hospitalidade dos seus compatriotas. Retorna à capital. No entanto, o vapor que o levaria a Pernambuco atrasa-se, fazendo com que permanecesse aqui três dias. Apesar da curta estada, isto lhe permitiu observar, entre outros aspectos, a edificação da cidade.
Esse acaso fez com que nos desse relatos tão detalhados, como o seguinte trecho:
“Para as construções é geralmente empregado um calcário novo, mole, porém muito fácil de ser trabalhado; desce pelo rio em grandes lâminas e fornece belas lájeas para as calçadas. Pela cor branco-amarelada clara adaptam-se particularmente a esse fim.” (p. 335)
Mas nem tudo são flores. O médico aponta ao menos dois defeitos da nova cidade: a falta de água potável e as casas de construção irregular dos arrabaldes. Quanto à água, é “ruim, amarela cor de ouro” e quase não se podia bebê-la. “Devo atribuir-lhe influência decisiva numa série de acessos de febre intermitente que tive em Aracaju, e que se tornaram ainda mais violentos.” (p. 335)
Referindo-se às habitações, queixa-se dos tipos cujas construções foram permitidas. “Vê-se assim, por trás e junto à parte bonita da cidade de Aracaju, uma horrível aglomeração de casas cinzentas, de barro, com telhados de palha de coqueiro, ranchos primitivos, como se justifica no sertão, mas que não deviam nunca ser permitidos numa nova capital provincial recém-fundada.” (p. 335)
Ele também nos fala um pouco sobre os primeiros moradores da capital, em particular das mulheres, em que nos dá uma verdadeira pintura humana:
“Algumas vezes observei entre esses tapuias belas figuras fuscas de homens e mulheres. O sr. Urpia chamou minha atenção para uma linda figura de rapariga tapuia, muito conhecida pela sua beleza. De pé na porta da sua cabana, penteava os cabelos; na atitude de um verdadeiro modelo de Ticiano, as espáduas roliças cobertas por uma nívea camisa, não precisando fazer para isso o menor esforço, como se toda a sua personalidade selvática tivesse perfeita consciência do seu irresistível encanto.” (p. 336).
Trata-se de descrições cuja fonte é confiável tanto pelo rigor científico quanto pela independência de opinião. Seus relatos são por vezes duros, frios, eivados de preconceitos, sem nenhum relativismo. No entanto, quando conseguimos ultrapassar os juízos de valor, temos um retrato de uma época com todos os seus contrastes.
Um ponto alto do relato foi quando, já no vapor a caminho de Pernambuco, o autor recebeu a notícia da morte de Humboldt. Avé-Lallemant é acometido por uma profunda tristeza. Para ele, “o maior representante da ciência e da civilização ocidental” tinha acabado de partir. As últimas páginas são dedicadas a homenagear o mestre.
Cento e sessenta e cinco anos depois, refaço o caminho do alemão pelo rio Sergipe, tentando me aproximar ao máximo do seu olhar, enquanto lembro das inúmeras vezes em que o atravessei de tótótó, voltando da Atalaia Nova.
A paisagem foi alterada, sobretudo, pela ponte Aracaju-Barra, que reforça a beleza natural à direita do rio. Distante a princípio, pouco a pouco distinguimos ao longo da Rua da Frente as suas parcas árvores despontando como os galhos de uma murta; seus charmosos edifícios art déco em ruínas; o prédio da antiga alfândega da praça General Valadão; o relógio do mercado Thales Ferraz; a torre da igreja do calçadão das Laranjeiras com João Pessoa; o arranha céu Maria Feliciana e o edifício moderno da Assembleia Legislativa. Sem contar o recuo da praça Fausto Cardoso, cujas árvores são um oásis no nosso inóspito centro, e a outra ponte, a do Imperador. A beleza ostensiva que lhe falta é preenchida pelo afeto.
Solto a mão do viajante, ponho o livro sobre o envelope pardo e me descolo do passado. Volto a mim sendo outra.
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