Luciano Correia (*)
A passagem do tempo tem me feito mal, e isso se manifesta em mim numa situação de ansiedade permanente, medos e incertezas talvez sentidos numa medida exagerada. Vim do mundo da militância política, do movimento estudantil e dos partidos de esquerda onde, não raro, as manifestações de solidariedade e empatia ou não existiam, ou aconteciam como farsa. Sabe aquelas imagens clássicas de políticos de esquerda passando a mão na cabeça de meninos da periferia ou se comprazendo dos sofrimentos do chamado povo? Pois quase tudo era teatro. Já no ambiente da direita conservadora, nem esse teatro simbólico. Ali é pau puro, do pescoço pra baixo.
Salvo raríssimas exceções aqui ou acolá, continuo pensando o mesmo de figurões de toda ordem, não só os públicos, mas também, e principalmente, dos que estão fora do poder público. Mas o tempo resolveu me castigar enchendo de dores esse peito onde batia um coração, que hoje só apanha. Se eu disser que a chegada de um pobre e abandonado gato em minha vida, fruto de uma algaravia de bichanos na minha porta, há exatos onze anos, mudou minha vida, vão dizer que estou falando besteira. E pode ser, a depender de quem vê a situação.
O tal gato, o intrépido Tom de tanto amor e patifarias, com farta literatura registrada nas redes, me ensinou um sentimento que eu nem sabia o que significava: a compaixão, essa palavra que a gente lia nos livros, mas não tinha uma dimensão exata na realidade. Compaixão pra mim era sinônimo de pena, o que não é o caso. Esse sentimento tão caro ao mundo, e ao mundo de onde eu vinha, começa pela simples atitude de se colocar no lugar do outro, entre outras características. A partir de Tom, comecei a sofrer as dores dos gatos abandonados e de outros animais que penam nas mãos da crueldade humana.
A esse sentimento veio se somando, em velocidade assombrosa, minha identificação com o sofrimento de crianças e velhos; as crianças primeiro, por serem indefesas. Aquele sentimento de angústia que bate, no conforto do meu quarto numa noite de chuva, ao saber que milhões, bilhões de pequenos dormem ao relento, com fome de comida e, quase sempre, de amor. E nem precisa viajar nossa condolência para os longínquos Afeganistão do Talibã ou Marrocos dos terremotos. Nosso Brasil zil zil é pródigo nisso. Basta sair às ruas de qualquer cidade, do Oiapoque ao Chuí e blá blá blá. As ruas brasileiras, e nas noites mais ainda, são um espetáculo de sofrimento e selvageria.
Tudo isso vem a propósito da carnificina que ora varre do mapa o território de Gaza, depois dos ataques brutais do Hamas em Israel. Aprendi minha solidariedade à causa palestina no antigo jornal Pasquim, numa época em que a imprensa brasileira ignorava a pauta estado Palestino, com jornalistas como Fausto Wolff, autor de um livrinho oportunamente chamado “Os palestinos – judeus da 3a. Guerra Mundial”, no qual ele descreve os horrores do massacre de Sabra e Chatila, no ano de 1982 em Beirute. De lá pra cá, só piorou, com os palestinos vagando pelo mundo, como os judeus por séculos e séculos. Num mundo sem pátria, ou mais recentemente espremidos nas faixas de Gaza e Cisjordânia, sofrem as mesmas dores dos judeus na terrível 2a. Guerra.
O terror no Oriente Médio a grande mídia chama de “guerra entre Hamas e Israel”, como se os dois lados estivessem equilibrados numa disputa. Encerrados os ataques covardes do Hamas em Israel, aí o jogo é de um contra ninguém, como se diz no futebol, linha contra defesa. Os terroristas do Hamas, com sua frieza escrota em nome de Alá, se escondem em túneis inacessíveis, inclusive aos palestinos, e deixam inocentes serem massacrados sob bombas, crianças despedaçadas, crianças órfãs com suas vidas interrompidas para sempre.
Às vezes esse ateu comovido pensa que o melhor mesmo é a destruição final, como preconizou Nostradamus, naquele livro cheio de coincidências terríveis. Às vezes penso que, talvez, quanto pior, melhor, pra interromper tanto sofrimento com o castigo de todos. Penso, não: pensava. Desde que botei no mundo, há oito meses, o pequeno e também intrépido João, o Jão Cabeça Quente, Berro Grosso do Mosqueiro, já nem tenho direito de pedir fogo no circo. Que os que creem em Jesus ou Jeová, em Kardec ou nas divindades de Oxum, Oxóssi ou Oxalá rezem pelas minhas dores e pelo futuro de Jão. E os de Alá também, claro. Isto, se os degoladores de crianças, considerarem que Alá teria algum tempo e atenção para com um pobre ateu pessimista dos trópicos americanos.
Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).
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