Entre a prática nas mediações e a academia existem abismos que necessitam urgentemente de pontes. Segundo ela, “a ciência, de modo geral, não tem sido a principal fonte para tomada de decisões políticas”, por isso defende que cabe ao mundo acadêmico “buscar se aproximar mais e mais dos espaços de discussão pública sem se colocar num altar intocável”. Aliás, essa foi a maior motivação de ter publicado o livro e aberto o diálogo com a sociedade sergipana.
Os 26 anos como auditora do trabalho em Aracaju, associada à sua vida acadêmica, lhe conferem competência suficiente para defender uma relação mais harmônica entre patrões e empregados. Roseniura é categórica: “precisamos mudar a concepção de que trabalhador e empresário são inimigos. Precisamos, através da educação, pelo respeito ao outro, construir uma sociedade solidária”.
A sua afirmação é baseada no conflito que ela intermediou entre trabalhadores e patrão que, embora estivessem falando a mesma linguagem, a insanidade que os envolveu não permitiu que se entendessem. Foi preciso estratégia de Roseniura que dialogou separadamente com eles – empregados e patrão – aparou arestas e, “sem que as partes soubessem consegui fechar o acordo em 7,5%”. As empresa, afirma, “são fontes geradoras de riquezas com reflexos positivos para o bem-estar de toda sociedade”. Ela critica a alta carga tributária do país “que torna extremamente difícil empreender, porque a arrecadação não se reverte em políticas de infraestrutura, de saúde, de educação e de qualificação profissional”.
Além da harmonia entre trabalhadores e patrões, ela diz que o Brasil precisa de uma reforma trabalhista que atenda aos anseios da população. “Definitivamente, não atende”, garante, pois, segundo ela, em 2017 foi feita de “forma açodada, não envolveu a sociedade como um todo e passou longe da participação ampla dos trabalhadores e empresários. Uma reforma feita por poucos para poucos, de forma irrefletida que contaminou até mesmo muitas mudanças positivas”.
Ela é categórica ao afirmar que “precisamos melhorar as normas de proteção à saúde e segurança no trabalho para evitarmos novos brumadinhos”, no que diz respeito à reforma trabalhista.
O Brasil, diz, “é um país afogado em leis porque ao sistema jurídico ainda tem um grau insuficiente de cumprimento das normas”, onde há, ainda, “uma cultura de descumprimento escancarada da lei por aqueles que possuem certo grau de poder econômico e político”.
Roseniura tem um site na internet, no qual coloca os artigos e livros publicados, conta um pouco de sua vida profissional e acadêmica.
Vale a pena ler esta entrevista que Roseniura Santos concedeu ao Só Sergipe. Ela é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, mestra em Políticas Sociais e Cidadania, pela Ucsal, com o tema “Os efeitos da reforma neoliberal do Estado brasileiro sobre a auditoria – fiscal do trabalho e sua atuação no setor de saúde: um estudo a partir do caso da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego da Bahia”.SÓ SERGIPE – A senhora lançou, ontem à noite, o seu livro “A reforma trabalhista brasileira e o Projeto Doing Business – Influências do Banco Mundial”. Gostaria de mais detalhes sobre sua obra, por favor.
ROSENIURA SANTOS – Nosso livro é resultado de pesquisa realizada com compromisso de análise criteriosa e isenta do processo de reforma trabalhista no Brasil, a partir de um olhar multidisciplinar das ciências jurídica, sociológica e econômica.
Investigamos os influxos das diretrizes dos organismos internacionais sobre as reformas do marco regulatório do contrato de trabalho no Brasil a partir do Projeto Doing Business.
SÓ SERGIPE – No livro, fruto de sua tese de doutorado, a senhora diz que houve influência direta do Banco Mundial no processo de reforma trabalhista brasileiro. De que forma ocorreu?
ROSENIURA SANTOS – O projeto Doing Business (DB) foi criado em 2002 pelo Banco Mundial com o objetivo de mensurar e classificar o nível de regulação através da coleta, sistematização, análise e divulgação de dados relativos a diversas economias ao redor do mundo. O DB faz parte do conjunto de Indicadores Globais do Banco Mundial.
Através do DB, o Banco Mundial faz uma sistematização de dados pertinentes à regulação econômica para fazer avaliação e classificação de riscos e facilidades de investimentos econômicos no mercado mundial.
O principal mecanismo de influência do DB para indução de reformas regulatórias, inclusive a trabalhista, está expressa na escolha metodológica do DB em diversos documentos e relatórios.
Em resumo, a criação do ranking de facilidade de fazer negócios tem o objetivo de atuar proativamente para influenciar Governos a concorrerem para conquistar melhores posições à medida que implementem as reformas alinhadas às diretrizes do DB.
Devo destacar que o Doing Business atua, em grande medida, como uma agência de avaliação de riscos e de promoção de melhoria de indicadores de governança econômica global.
Dessa forma, o Banco Mundial tem de forma efetiva influenciado reformas ao redor do mundo.
SÓ SERGIPE – Essa influência foi negativa ou positiva?
ROSENIURA SANTOS – No caso do Brasil, a resposta a esta questão exige cautela; uma vez que a reforma brasileira se deu em um ambiente político atípico e instável em razão do afastamento de uma presidenta democraticamente eleita.
Contudo, nosso estudo identificou que o Doing Business reflete paradigmas de regulação puramente econômicos que desconsidera os aspectos sociais. Busca-se influenciar reformas para assegurar uma estrutura de incentivos para o bom funcionamento da Economia, reclamando de um lado proteção à propriedade e investimentos (podemos exemplificar com o novo art. 10-A da CLT ao reduzir a responsabilidade do sócio retirante pelas obrigações trabalhistas) e de outro, desproteção do trabalho (destaco o negociado sobre o legislado nas relações individuais, alteração das regras de seguro-desemprego).
Em linhas gerais, sob a perspectiva social, a influência tende a ser negativa enquanto sob a ótica econômica, tende a ser positiva. No entanto, também sob a ótica econômica a influência do Banco Mundial tem apresentado impactos negativos sobre as empresas na medida em que os paradigmas do Doing Business favorecem inequivocamente a intensificação da financeirização da economia num processo criador de capital produtor de juros, favorecendo ainda mais os grandes conglomerados econômicos, levando muitas empresas cada vez mais a aumentar seu grau de endividamento.
SÓ SERGIPE – O Projeto Doing Business mapeia as regulações aplicáveis a empresas locais em 190 países e cria um ranking geral. Este projeto diz que o Brasil tem um ambiente de negócios altamente regulamentado, o que dificulta a atividade empreendedora. Por quê?
ROSENIURA SANTOS – O Brasil é um país afogado em leis porque ao sistema jurídico ainda tem um grau insuficiente de cumprimento das normas. Criamos uma cultura de descumprimento escancarada da lei por aqueles que possuem certo grau de poder econômico e político que serve de modelo cultural para as diversas classes sociais. É um processo histórico que, em nossa opinião, tem prejudicado o desenvolvimento do Brasil.
Para trazer uma situação concreta, em muitos países o contrato de modo geral – seja mercantil, civil ou trabalhista – tem grau de cumprimento que decorre cultura de respeito ao acordo firmado o que reduz a judicialização de conflitos. Enquanto que no Brasil, temos uma cultura de aviltamento dos contratos que pode ser resumida na tão repetida frase “procure seus direitos” dita em situações de violação de direitos do consumidor ou do trabalhador por exemplo.
SÓ SERGIPE – O Doing Business mostra que houve duas mudanças positivas no Brasil: o nível de regulação para abrir um negócio e o nível de regulação para fazer registro de propriedades. E piorou o nível de regulação para obter alvarás de construção. O que precisa melhorar?
ROSENIURA SANTOS – Mais uma vez, em nossa opinião, fomentar mudança na cultura de descumprimento da lei como processo cultural é a chave para promover melhorias socioeconômicas. Analisando a piora apontada pelo Doing Business na regulação da obtenção de alvará de construção, temos que partir do contexto histórico em que a regulação tornou-se mais rígida. O caso da boate Kiss e outras tragédias causadas pela falta de rigor na liberação dos alvarás levaram pela comoção popular, em muitos lugares, a mudanças na regulação o que foi interpretado como retrocesso pelo Banco Mundial o que, todavia, merece ressalvas. Em muitos países, a liberação de alvará de construção é rápida, mas se tem a cultura de rigor no cumprimento de normas de segurança o que permite uma regulação mais flexível.
No Brasil, estamos avançando, mas ainda temos muito a evoluir neste processo de reconfiguração cultural.
SÓ SERGIPE – Os empresários falam que são eles, efetivamente, que geram riqueza no país, e não o Estado, que é um arrecadador. A senhora concorda ou não?
ROSENIURA SANTOS – Sim as empresas são fontes geradoras de riquezas com reflexos positivos para o bem-estar de toda sociedade. Maior que os custos com os trabalhadores é a carga tributária incidente sobre o processo produtivo que torna extremamente difícil empreender, especialmente porque a arrecadação não se reverte em políticas de infraestrutura, de saúde, de educação e de qualificação profissional.
SÓ SERGIPE – No campo trabalhista, muitas vezes há divergências entre os sindicatos patronal e de trabalhadores. Em que momento essa divergência chega a ser nociva para ambos?
ROSENIURA SANTOS – Quase sempre no Ministério do Trabalho, quando atuei no setor de mediação coletiva, ocorreu um fato que me marcou muito. Numa rodada de negociação os dois sindicatos entraram num impasse e não conseguiam sequer dialogar em que pese os pontos de divergência já tivessem sido superado. Percebi que precisava mudar a estratégia. Passei a fazer intervalos para conversar separadamente e pude confirmar que as propostas de cada lado já eram realmente coincidentes, mas não conseguiam mais ouvir um ao outro devido a um grau insano de conflituosidade.
Foi quando conduzi a negociação usando truques, sugerindo a cada lado baixar as propostas colocadas na mesa até chegar ao ponto de consenso. Para o sindicato patronal que já havia aceitado em conceder reajuste de 7% na época, sugeri manter oferta de 5% e aumentar o percentual até o sindicato dos trabalhadores baixar a contraproposta de 11% para percentual menor neste jogo de cenas. Sem que as partes soubessem consegui fechar o acordo em 7,5%.
Este caso demonstra que temos problema cultural enorme. Precisamos mudar a concepção de que trabalhador e empresário são inimigos. Precisamos, através da educação, pelo respeito ao outro, construir uma sociedade solidária.
Creio que podemos sim construir relações harmônicas no mercado de trabalho; o que precisamos para isso é buscar equilíbrio. Não se pode ter uma relação contratual em que somente um lado tem vantagens. O desafio é mudar esta cultura e fazer a legislação efetiva na medida minimamente necessária para manter a paz nas relações sociais. Caso contrário entraremos em ciclos de extremismos perigosos à democracia.
SÓ SERGIPE – A reforma trabalhista brasileira atende às expectativas dos cidadãos?
ROSENIURA SANTOS – Definitivamente, não atende. A forma como foi feita em 2017 de forma açodada, não envolveu a sociedade como um todo e passou longe da participação ampla dos trabalhadores e empresários. Uma reforma feita por poucos para poucos de forma irrefletida que contaminou até mesmo muitas mudanças positivas.
SÓ SERGIPE – Quais foram os avanços principais, na sua opinião?
ROSENIURA SANTOS – Certamente as normas regulamentadoras do teletrabalho são um avanço inegável.
SÓ SERGIPE – Há algum ponto que precisaria ser melhorado?
ROSENIURA SANTOS – Cremos que seja necessária uma revisão democrática e focada na regulação do mercado de trabalho de modo a assegurar proteção econômica e social de maneira equilibrada e ajustada à nossa realidade com o compromisso em construir o tão desejado Brasil do futuro que permanece como mera promessa.
No entanto, respondendo à sua pergunta de forma mais direta, precisamos melhorar as normas de proteção à saúde e segurança no trabalho para evitarmos novos brumadinhos.
SÓ SERGIPE – Nós tivemos com essa pandemia uma série de mudanças, a exemplo do trabalho remoto (em casa). A reforma atende a essa nova forma de trabalho?
ROSENIURA SANTOS – Sim avançamos muito na regulação do trabalho remoto, reduzindo inseguranças nas relações trabalhistas na era das tecnologias.
SÓ SERGIPE – A sua experiência profissional como auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego lhe confere um olhar diferenciado, entre a prática e as teorias da academia. A senhora viu uma distância entre a teoria e a prática durante a pesquisa para escrever o livro?
ROSENIURA SANTOS – Infelizmente sim. A ciência de modo geral não tem sido a principal fonte para tomadas de decisões políticas. Por isso cremos que cabe ao mundo acadêmico buscar se aproximar mais e mais dos espaços de discussão pública sem se colocar num altar intocável. Esta, na verdade, é a maior motivação de ter publicado o livro e aberto o diálogo com a sociedade sergipana.
SÓ SERGIPE – Quais pontos em comum a reforma trabalhista brasileira tem com outros países?
ROSENIURA SANTOS – Os pontos em comum entre o Brasil e demais países que aderiram ao Doing Business consistem na implementação de mudanças na regulação pertinentes, facilitar as operações das empresas para permissão de horários flexíveis de trabalho, redução dos custos de demissão, elevação e igualdade das idades para aposentadoria obrigatória como registram diversos relatórios do Doing Business.
Este foi o ponto de partida de nossa tese de doutorado quando buscamos investigar o processo de reformas dos marcos regulatórios do mercado de trabalho no cenário mundial.
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