Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)
Mais uma vez ela foi visitá-lo, às escondidas, sorrateira. Desde que viraram amantes, ela surge em dias diferentes, com alguma periodicidade. Levou canjica e pastéis para tomarem café da tarde. Ela o visita sempre à tarde, como faziam os velhos amantes de tempos idos. Como no filme “Belle de Jour”, A Bela da tarde, chegou discreta, com receio de ser vista por algum vizinho. Estacionou o carro na garagem do prédio, observou o pouco movimento, subiu pelo elevador de serviço. Com a chave do apto, em mãos, entrou rápido.
No filme A Bela da Tarde dirigido por Luis Buñuel com Catherine Deneuve, Jean Sorel, filme ítalo-francês de 1967, do gênero drama, dirigido por Luis Buñuel, e com roteiro baseado na obra de Joseph Kessel, Séverine é uma burguesa casada com o doutor Pierre, que passa suas tardes trabalhando no bordel de Madame Anäis, ela prefere as tardes tranquilas para se encontrar com o amado. Longe de ser uma prostituta, nossa personagem é uma discreta senhora, de meia idade, conservadora, prendada, exímia dona de casa, católica praticante, avó, que se reaproximou do companheiro, traída pelas surpresas do coração, já que o coração é terra que ninguém anda.
Desde que batera asas, voando para longe, disposta a por fim a um relacionamento longevo, essa foi a primeira vez que ela se soltou mais. Observou a casa que comandou por tanto tempo, visitando cada cômodo. Regou as plantas que cultivara, aparando folhas mortas.
Enquanto ela andava pelo apto, ele preparou o café, pôs a mesa. Sentados próximos, conversaram longamente, por assuntos que dizem respeito aos dois. Passaram em revista velhos amigos, falaram dos filhos. Riam de coisas engraçadas; ele ainda tem a capacidade de lhe subtrair sorrisos.
Antes do entardecer se encaminharam para a cama, velha conhecida, que ainda guarda a forma dos corpos dos dois, testemunha de muitos momentos de puro deleite. Na cama, o altar do amor, não teve lugar para o passado e nem para o futuro. Eram dois corpos sedentos de desejo de estar juntos naquele momento mágico e indelével, desses de guardar na memória.
Mesmo com longo tempo que se conhecem, é quase um ritual ela se despir. Luzes apagadas, tira cada peça de roupa, calmamente. Mesmo conhecendo aquele corpo há tantos anos, ele ainda se excita com sua nudez. Ao vê-la bela, tem tensão por suas curvas.
Como ela gosta de beijo demorado, suas bocas se encaixam em sintonia.
O beijo é o passaporte para o amor ardente. Em silêncio, percorrem cada parte do corpo um do outro. Conhecem cada ponto nevrálgico, explorando as diferentes fontes de prazer. Como um balé, cadenciado, intensificam carícias, que transbordam em gozo para os dois, provando que não há idade para a sensualidade.
Sabem se dar prazer, coisa aprendida com o tempo. Como um voyeur, ele continuava a observá-la nua. De bruços, extasiada, a contemplá-lo, ela disse: “Isso tudo é tão estranho para mim que não gosto de nada escondido, mas é muito bom”.
“Bom e excitante”, completou ele.
— Quem diria que poderíamos estar nesta tarde chuvosa, como dois amantes, escondidos de todos, a nos amar, dando prazer um ao outro, sem brigas ou cobranças? Perguntou ela.
— O bom e surpreendente da vida são as surpresas.
— Quem diria que irias bater asas um dia, e voltar para mim, mesmo momentaneamente, e ainda melhor?
Porque a vida, essa obra inacabada, nos concede a cada dia o direito de reescrever nossa trajetória. E talvez o último sentido esteja nisto: na possibilidade de transformar cada instante em um novo começo, até que possamos olhar para trás e dizer, sem arrependimento: esta foi a epígrafe que escolhi — e vivi à altura dela.
Se beijaram, roupas espalhadas pelo quarto voltaram a cobrir corpos extasiados. Ela o beijou demoradamente, e partiu novamente na serenidade da noite.