Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Enquanto a extrema direita brasileira, histericamente, polemiza a fala no mínimo infeliz do presidente Lula, em Gaza, milhares de crianças são assassinadas inocentemente. Longe de ser antissemita, dado que minha opinião é política e não religiosa, penso que o atual Governo de Israel usa o que seria uma reação legítima ao grupo terrorista Hamas; se não para implementar um novo holocausto, pelo menos, até que me provém o contrário, para pôr em prática um extermínio cínico e a olhos vistos por todas as nações do mundo. Também o Papa Francisco e outras autoridades internacionais têm condenado as ações de Benjamin Netanyahu e exigem um cessar fogo imediato.
Mas, o que isso tudo tem a ver com Bob Marley? Tudo e mais um pouco. Genial músico pacifista, um dos artistas mais criativos e sensíveis do século XX, em sua canção WAR (1976, álbum Rastaman Vibration) denuncia a loucura da guerra e a aponta como causa dos principais problemas e doenças sociais do nosso tempo, sobretudo nos países mais pobres e explorados pelos poderosos sedentos de lucros e poder. Como ele mesmo disse outro dia em uma entrevista: “Nada muda, nem mesmo com as eleições, porque no fundo a ideia deles é dividir para dominar”. Dividir, entendem? Direita e esquerda; preto e branco; judeu e palestino; pobre e rico… Vejamos um trecho da canção que diz: “Até que não existam cidadãos de primeira e segunda classe em qualquer nação; até que a cor da pele de um homem não seja mais significante do que a cor dos seus olhos, eu digo que haverá guerra”.
Nesse sentido, o filme “Bob Marley: One Love” (2024) veio numa hora bastante oportuna. Digo isso, porque a primeira percepção que as pessoas estão tendo é a de que ele, tanto a obra quanto o artista são admiráveis e inspiradores. Eu tive essa mesma sensação e não segurei as lágrimas em diversas cenas, refletindo, de modo particular, sobre as inúmeras guerras que assolam o nosso mundo e as tantas situações de falta de empatia, racismo descarado e discriminação social, toda semana, inclusive agora no Brasil, notícia nos jornais, como aquela do Rio Grande do Sul, na qual uma vítima preta é algemada e posta nos fundos do carro da polícia e o agressor branco tratado com cordialidade e posto no banco de trás, como um “distinto” carona.
Nascido no dia 6 de fevereiro de 1945, num lugarejo chamado Nine Mile, Jamaica, Robert Nesta Marley, filho de homem branco inglês, Norval Sinclair Marley, e uma mulher preta jamaicana, Cedella Marley Booker, já foi tema para outros filmes e documentários, entre eles “Marley” (2012), produzido por Kevin MacDonald. Em cerca de 145 minutos é possível conhecer com profundidade e verdade não só o sujeito, mas também o pop star Bob Marley. Trata-se de um registro importante de um dos maiores nomes da música internacional, que quebrou recordes de vendas de discos no mundo inteiro e lotou casas e lugares de espetáculos do Ocidente ao Oriente, inclusive na sua amada África, encorajando países a reagirem à opressão, a exemplo da República do Zimbabwe, independente em 1980. No Brasil, infelizmente, ele não pôde tocar. A ditadura não permitiu, mas teve uma passagem importante com Chico Buarque, no Rio de Janeiro, em março de 1980, com quem jogou bola, ao lado de outras personalidades como Moraes Moreira, Paulo César Caju, entre outros.
O filme “Bob Marley: One Love” não se concentra numa biografia de Marley, mas na importância dele para combater, com sua música, o racismo, as injustiças e as guerras, a começar por sua terra natal, a Jamaica que viveu nos anos 70 um contexto de intensa e sangrenta guerra civil, que quase vitimou ele, sua família e sua banda, “The Wailers”, no dia 3 de dezembro de 1976.
Esse é o mote do enredo dirigido por Reinaldo Marcus Green e produzido pelo filho de Bob, Ziggy Marley e uma de suas esposas, Rita Marley, personagem protagonizada pela atriz Lashana Lynch. E toda a trama vai nessa pegada do entorno e do depois daquele atentado, indo e voltando nas memórias do artista, inclusive o desprezo e o abandono do pai, a rejeição social por ser mestiço e também por adotar a religião Rastafári, para a qual se converteu em 1966, um misto de cristianismo e misticismo, mas com uma mensagem de amor e de paz bastante consistente.
“Bob Marley: One Love”, no qual o grande destaque vai para o ator Kingsley Bem-Adir (no papel de Marley), no tempo belicoso em que o mundo está vivendo e também de intolerância ao extremo, não deixa de ser um grito de socorro, para além de uma justa homenagem ao criador e um dos maiores nomes da música reggae. O título é inspirado na canção “One Love”, do álbum “Exodus” (1977), considerado um dos melhores já produzidos no século XX.
No que se refere ao contexto que iniciou a presente crônica, destaco um trecho da canção que segue sendo atemporal: “Ouça as crianças chorando (um só amor) / Ouça as crianças chorando (um só coração)”. Nesse caso, em particular, não somente as crianças de Gaza, mas da Ucrânia, da África e também as do Brasil. É um hino ao amor fraterno, à convivência pacífica entre povos e nações: “Let’s get together and feel alright” (Vamos seguir juntos e ficaremos bem).
Bob Marley morreu vítima de câncer no dia 11 de maio de 1981, na Flórida (EUA), com apenas 36 anos. Como costumava dizer, sobretudo depois do atentado e quando descobriu a doença: “Deus me enviou à terra com uma missão. Só Ele pode me deter, os homens nunca poderão. Minha vida não me importa; não é minha, é do povo. Nasci para viver eternamente ao lado de Meu Senhor.”