Somos falantes, falamos além da conta, falamos desnecessariamente; ser tagarela, faz parte do nosso DNA. Brasileiros falam pelos cotovelos. Como dizia minha saudosa mãe, “a língua maior que a boca”.
A língua, esse órgão tão pequeno, tem o poder de construir – a palavra tem poder -, é bíblico. E de destruir: amizades, relações, convivências; pode desagregar, romper, causar cisões, diásporas, guerras. Uma palavra bem-dita edifica, acalenta, constrói, resolve. Uma palavra mal dita, ou dita de forma inadequada, causa enormes danos, prejudica, arruína, desarruma tudo.
Como se não bastassem nossos seculares problemas, que nunca são resolvidos, causando enorme prejuízo a todos nós, assistimos a nossos representantes com promessas falsas e mentirosas.
Com a campanha política nas ruas, em breve nas TVs e rádios, estará aberta a fase de maior decibéis de impropérios e acusações. Sou dos tais que acho que tudo que um político fala do outro é a pura verdade. Isso, mesmo que depois estejam aos beijos e abraços. Faz parte da teatralidade da política tupiniquim.
Recentemente um marombado político carioca, língua ferina, eleito na onda bolsonarista pelo Rio de Janeiro, falou uma série de pérolas, ou seriam impropérios contra os ministros do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de justiça do país.
Julgado pelo plenário do STF, Daniel Silveira foi condenado à perda do mandato, oito anos e nove meses de prisão, teve suspensão dos direitos políticos, além de pagamento de multa de R$ 200 mil reais, por dez dos onze membro do Colegiado.
Em outros tempos, o réu, após julgado, poderia até espernear, mas cumpriria a determinação judicial. Agora, não, tudo mudado, o valente e falante deputado não só não cumpriu a pena como desativou a tornozeleira eletrônica, que passara a ornamentar uma de suas roliças pernas. Está leve, solto e com língua solta.
Para espanto de todos, o presidente da República – e seu protetor – usando de sua prerrogativa constitucional, lhe concedeu a graça que anula a determinação do STF. Em ato de desagravo, nos salões nobres do Palácio do Planalto.
“A língua é fogo; é um mundo de iniquidade. Colocada entre os membros de nosso corpo, contamina o corpo inteiro, incendeia todo o curso de sua vida, sendo ela mesma incendiada pelo inferno”, ensinam as Sagradas Escrituras em Tiago, 3:6.
O silêncio é a maior sabedoria do homem. O dom da palavra é lindo, mas a sabedoria do silêncio é perfeita. Em tempo de redes sociais, em que todos nós temos opinião formada, sobretudo um megafone nas mãos, manter a boca fechada é uma arte.
Levamos em média dois anos para aprendermos a falar e nosso governante-mor, aos 67 anos, não aprendeu a ficar calado. Em recente reunião no Palácio da Alvorada, em que reuniu embaixadores de diversos países, Bolsonaro falou mal do sistema eleitoral brasileiro, pelo qual se elegeu várias vezes como deputado federal; e, em 2018, ao mais alto cargo – a presidência da República.
Que país mequetrefe é esse que tem uma crise constitucional, colocando em perigo a democracia da nação por causa das línguas dos sem noção?
Se existem leis, por que não se cumprem? Em primeiro lugar, porque o exemplo que vem de cima é o pior possível. Os próprios ministros do STF não são bons exemplos para a nação. Em todos os lugares civilizados do mundo, juízes e ministros se manifestam nos autos. No Brasil, país de verborrágicos, ministros do STF têm redes sociais em que falam tudo. Aqui são influenciadores.
Uma curiosidade, os ministros do sexo masculino são mais falantes do que as ministras, contrariando uma máxima que diz que as mulheres falam muito.
Aberta a propaganda eleitoral, o melhor programa de humor da TV brasileira, é época de xingamentos. Definitivamente, esse não é um país sério, e corre o sério risco de se desmoralizar ainda mais.
Os três primeiros colocados na corrida presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro e Ciro Gomes são três falastrões, nenhum teve a língua queimada com ovo quente.
O escritor mexicano, prêmio Nobel de Literatura, Octávio Paz, certa vez cunhou a frase que expressa muito bem o momento que estamos vivendo e vivenciando em nosso país. “Em uma sociedade que se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a palavra”.
Caro leitor, amiga leitora, você acha que algum dos candidatos, além de falarem muito, estão preocupados em resolver alguns dos nossos seculares problemas?
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante. Autor de “Das muletas fiz asas”, o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes da terra.
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